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A esterilidade de se ter razão

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A esterilidade de se ter razão
Russel Kirk: é hora de trazer à luz as velhas virtudes brasileiras

Do lugar onde temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.

O lugar onde temos razão
é duro e compacto
como um pátio.

Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como um arado.
E um sussurro será ouvido
nas ruínas
onde um dia houve uma casa.

Yehuda Amichai (tradução: José Roberto Prado)

Tenho andado triste com o que vejo no Brasil de hoje.  O movimento de direita propunha uma visão de mundo capaz de trazer a liberdade de volta à atmosfera rarefeita do país. Prometia começar finalmente um diálogo verdadeiro sobre os problemas nacionais e, quem sabe, restaurar a graça que precisávamos como cultura dura e crítica que somos. Mas infelizmente está soçobrando vagarosamente debaixo dos detritos de nossa própria incapacidade de entender a democracia.

Se antes parecia haver luz no fim do túnel, agora a luz anda tênue, quase imperceptível. A intolerância política crescente parece nos afastar uns dos outros em velocidade vertiginosa. Junto com ela a guerra de teor quase religioso substituiu a habilidade de ouvir e entender o adversário.  Não sabemos mais dançar juntos.

O Brasil parece ter perdido a esperança e a capacidade de conviver com as diferenças que têm necessariamente que povoar o cenário político de qualquer democracia. Divergências dentro do mesmo partido se tornam guerras homéricas que incapacitam os oponentes de enxergar o país, a razão porque eles se encontraram no ringue de ideias em primeiro lugar.

O ad hominem, a retórica negativa, a destruição do argumento antes que ele tome forma, tudo isto são as formas de “diálogo” com as quais nos habituamos. Foram décadas de trevas em que a cultura política ficou imersa nessa sopa de discórdia que desprezava a lógica e privilegiava emocionalismos. O esquerdista quando conversa não o faz para entender ninguém, mas para provar a todo custo que está certo – e geralmente no sentido emocional da palavra.

As emoções inspiradas pela máquina midiática se tornaram o novo códex moral. Não existe o que é moralmente justo, existe o que é “sentido” como certo. E o certo se prova com um meme, com uma música, com um xingamento na tribuna do Congresso. A nova política mudou de cara, mas adotou a mesmice, os mesmos hábitos tortos da classe que dominava o país até agora.

Para mudar é preciso humildade. O espírito político conservador requer respeito ao próximo e a humildade de não se presumir certo sempre. Não se constrói uma república digna sem que o contraditório esteja presente e seja ouvido e debatido com respeito. A substância da República é exatamente a diversidade de ideias colidindo experimentalmente dentro de um mesmo principio,  o do respeito às instituições e ao que é público.

Ideias políticas, ao contrário do que parece pensar a nova direita, não podem ser escritas na pedra. Política é um jogo de tentativa e erro.

Como podemos seguir tentando sem que as ideais se reciclem? Russel Kirk, pensador conservador americano, fala sobre a fragilidade das instituições. As instituições sociais dependem do cultivo de virtudes. Uma delas é sem dúvida o respeito ao outro e ao contraditório. “Não se melhora uma sociedade ateando fogo sobre ela, mas buscando suas velhas virtudes e trazendo-as de volta à luz[1]”, escreveu. Recuperar o verdadeiro diálogo democrático é essencial.

Que princípio estava por trás da incapacidade esquerdista de permitir um diálogo respeitoso na cena política? Que princípio está por trás da imprensa que distorce tudo o que não concorda com seu ponto de vista ideológico pré-estabelecido? Autoritarismo. Será que em cima deste mesmo princípio velho e carcomido vamos ser capazes de construir o novo Brasil liberal-conservador? É tempo de nos livrarmos dos hábitos destrutivos que nos conduziram por vinte anos e recuperar a virtude do diálogo respeitoso, por respeito ao princípio liberal, que é o oposto do desmande ditatorial.

O poema de Amichai nos mostra que o “lugar onde temos razão” não é fértil. Ali não nascem flores. A terra da arrogância intelectual e política não nutre a vida, apequena e mata. Meu coração se apressa a pedir a Deus que a fada da transformação cultural não se torne uma bruxa da mesmice odienta incapaz de ouvir o outro.

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[1] Russell Kirk (2001). “The Conservative Mind: From Burke to Eliot”, p.274, Regnery Publishing

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