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A delicada questão da doação de órgãos pós-mortem presumida

Debater a doação de órgãos com uma legislação eficaz é de extrema importância

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A delicada questão da doação de órgãos pós-mortem presumida
(Foto: Divulgação)

Está na pauta da Câmara dos Deputados, um projeto de lei busca transformar todo brasileiro em doador de órgãos após a morte, a menos que tenha expressado o contrário em vida. Uma tentativa nobre de aumentar a disponibilidade de órgãos para transplantes, mas que também traz à tona outro tema complexo: o tráfico de órgãos.

A legislação atual exige o consentimento da família para a doação, mesmo que a vontade do indivíduo tenha sido expressa. O novo projeto em questão – “doação post mortem presumida” – com cerca de 50 textos relacionados tramitando na Câmara dos Deputados, visa simplificar o processo de transplantes no Brasil.

Recentemente, os deputados aprovaram a urgência para o projeto, acelerando sua tramitação. Isso significa que ele não precisa mais passar por comissões permanentes e seguirá diretamente para votação em plenário.

Entretanto, se há urgência em um lado, do outro há de se tomar precauções. A doação de órgãos pós-mortem presumida é uma questão complexa que envolve uma série de preocupações éticas, legais e sociais. Enquanto a intenção de aumentar a disponibilidade de órgãos para transplantes é nobre, o risco associado ao tráfico de órgãos não pode ser ignorado.

Ao discutir leis que envolvem a doação obrigatória de órgãos, uma abordagem genérica pode ser ineficaz e até perigosa. É crucial compreender profundamente as complexidades envolvidas, incluindo a proteção dos direitos individuais e a prevenção do tráfico de órgãos.

Para garantir a proteção dos direitos humanos e mitigar o risco de tráfico de órgãos, a regulamentação desempenha um papel fundamental. Toda legislação relacionada ao assunto deve ser acompanhada por regulamentos detalhados, garantindo a transparência, a ética e a legalidade de todo o processo. Essas leis devem ser específicas, bem fundamentadas e minuciosamente elaboradas para alcançar seu propósito sem comprometer os valores éticos e os direitos humanos.

A base dessas leis deve ser construída sobre sólidas evidências científicas e dados confiáveis. Leva-se em conta estudos epidemiológicos, análises das tendências de doação de órgãos e pesquisas sobre a administração de transplantes. Áreas que devem ser exploradas para garantir a fundamentação adequada das leis.

Além disso, é fundamental estabelecer um sistema de monitoramento eficaz. Esse sistema permitirá rastrear a doação de órgãos, assegurando que não haja atividades ilegais ou antiéticas envolvidas. Paralelamente, a conscientização pública desempenha um papel de extrema importância na criação de uma cultura de doação ética. Informar o público sobre a importância da doação de órgãos, os processos legais envolvidos e os riscos do tráfico de órgãos podem contribuir para uma sociedade mais informada e comprometida.

No entanto, o combate ao tráfico de órgãos não pode ser vencido apenas ao nível nacional. Uma cooperação internacional abrangente é necessária para enfrentar essa questão transnacional. Acordos de extradição, colaboração em investigações e compartilhamento de informações são instrumentos chave na luta contra o tráfico de órgãos em escala global.

Penas severas também desempenham um papel vital na dissuasão de indivíduos envolvidos no tráfico de órgãos. A imposição de consequências legais rigorosas não apenas pune os criminosos, mas também envia uma mensagem clara de que tais práticas são inaceitáveis e serão tratadas com a devida seriedade.

Outro ponto a ser observado: garantir a proteção dos doadores e suas famílias. As leis devem fornecer salvaguardas que impeçam qualquer forma de coerção, pressão indevida ou violação dos direitos dos doadores e suas famílias. Proteger sua integridade física e emocional é uma prioridade fundamental que deve ser incorporada em todas as etapas do processo de doação.

Encontrar um equilíbrio entre a necessidade de órgãos para transplante e a prevenção do tráfico de pessoas é um desafio complexo. É um processo que requer planejamento cuidadoso, regulamentação adequada e um compromisso firme com a ética e a legalidade. Ao adotar uma abordagem colaborativa, é possível proteger os direitos humanos, salvar vidas por meio de transplantes éticos e combater o tráfico de órgãos de maneira eficaz.

Vale sempre lembrar que as leis de doação obrigatória de órgãos não podem ser promulgadas de maneira impulsiva ou populista. Elas devem ser específicas, fundamentadas em evidências científicas e garantir a proteção dos direitos humanos, enquanto promovem a conscientização pública. Somente assim podemos alcançar o equilíbrio entre melhorar o acesso a órgãos para transplante e prevenir o terrível tráfico que impregna o submundo do crime internacional.

Raquel Gallinati é celegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil.

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