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79 anos da Ponte Júlio Müller

A vitória da engenharia sobre os pântanos

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79 anos da Ponte Júlio Müller

O acesso a Cuiabá até a primeira metade do Séc. XX 1937 era quase que exclusivamente fluvial, pelo Rio Paraguai, pois as poucas estradas de terra que existiam, além de demoradas, eram quase que intransponíveis, tinham como desafios da selva os colossais rios existentes por todos os lados, entre eles o Rio Cuiabá.

No passado, no século XIX, cogitou-se a construção de uma ponte de ferro sobre o rio Cuiabá para interligar a Capital com a região oeste em direção à fronteira, como as pontes metálicas do Rio Coxipó, mas o vão do rio era muito grande e o governo não tinha dinheiro para tão complexa obra.

Enquanto a ponte não vinha, a alternativa para atravessar o rio era uma balsa pêndulo que funcionou de 25/04/1874 até 1942.

Como parte do programa de Integração Nacional chamado “Marcha para o Oeste”, o governador Júlio Müller (1937-1945), em articulação com o presidente Getúlio Vargas, implantou um grande Programa de modernização da infraestrutura dos serviços públicos na capital, incluindo a emblemática ponte sobre o rio Cuiabá.

A obra foi executada pela construtora carioca Coimbra Bueno, dirigida pelos engenheiros Artur Wegderovitz e Cássio Veiga e Sá, e durou 15 meses, de 08/1940 a 20/01/1942. Os maiores desafios da edificação foram: a disponibilidade de materiais de construção, brita, cimento e as ferragens e bombas de sucção, que tiveram que vir de São Paulo, através da navegação.

Inaugurada às 9h da manhã do dia 20/01/1942, com a presença de 10 mil pessoas, em clima de festa, com animação da Banda do Exército, fogos e intermináveis discursos, a placa foi descerrada e a fita verde e amarela cortada, como manda o cerimonial, e a obra foi entregue à população. Logo após o ato oficial foi oferecido um “suculento” churrasco pelo Matadouro Modelo no Terceiro Distrito, atual Várzea Grande.

O então prefeito de Cuiabá, Manoel Miraglia (1941-1946), batizou por lei a ponte de Bacharel Júlio Müller e decretou feriado municipal.

Depois de construída, a ponte tinha 224 metros de comprimento, com um vão especial de 40 metros para passagem por baixo de grandes embarcações e hidroaviões, largura de 6,80 metros de pista e resistência de até 20 toneladas de carga.

De início, era cobrado um pedágio para transitar, mas durou pouco tempo, pois o governador Júlio Müller suspendeu a cobrança. O trânsito era pequeno e a ponte era usada mais por transeuntes e veículos de tração animal, pois Cuiabá e Várzea Grande na época não possuíam juntas nem 100 automóveis.

Para surpresa geral, três meses após inaugurada, entre os dias 08 e 10 de março de 1942, ocorreu uma das maiores enchentes da História de Cuiabá. O nível d’água alcançou quase 9,5 m de altura e a água chegou até a Igreja São Gonçalo. Ficaram desabrigadas 4 mil pessoas e 108 casas foram destruídas.

Preocupado com os inúmeros boatos de que a ponte iria rodar com a cheia, pois as águas já estavam “lambendo a ponte”, como dizem os cuiabanos, Júlio Müller e Cássio Veiga de Sá se dirigiram rapidamente ao Bairro Porto para avaliar a situação geral dos estragos da chuva.

Ao chegar no local, Cássio Veiga de Sá de repente dobrou as pernas da calça e caminhou em direção à ponte por dentro da enchente com água até a cintura. Foi até a parte central, mais elevada que as margens, para avaliar a vibração e estabilidade da sua obra, e constatou que, apesar das duas cabeceiras estarem inundadas, não havia riscos de acidentes.

Ao retornar, afirmou em voz alta, no meio dos curiosos ali presentes: “A ponte vai bem, precisamos agora socorrer os flagelados. A ponte não caiu e nem cairá, o concreto armado suporta mais que podem supor os descrentes.”

Contudo, a profecia não se fez cumprida, porque 14 anos mais tarde, em 20/09/1968, durante a retirada dos arcos originais de sustentação da ponte, numa reforma desastrada do governo Pedro Pedrossian (1966-1971) para tentar alargar as pistas de rolamento e aumentar o fluxo de carros, o piso do vão central da ponte cedeu por inteiro. Os arcos, além de compor o estilo art decor, era a amarração essencial da estrutura da ponte.

Passados 79 anos da construção dessa, que foi a primeira ponte de concreto de Mato Grosso, muita coisa mudou, foram retirados seus arcos originais, sua placa de inauguração foi roubada, em 1985 foi duplicada por Júlio Campos e mais recentemente ganhou outra pista para o VLT.

Depois da construção de mais quatro pontes sobre o rio Cuiabá, a Ponte Júlio Müller ganhou o apelido ambíguo de “Ponte Velha”. Ainda hoje é o principal equipamento público de acesso ao aeroporto e ao interior do estado.

Para além do concreto e ferro que a sustenta, essa ponte tem enorme valor simbólico para os cuiabanos. É um verdadeiro ícone, documento-monumento testemunho que liga não só cidades e cargas, mas inúmeras memórias afetivas e histórias incríveis de ontem e de hoje.

O Jornal O Estado de Mato Grosso, base da pesquisa para esse artigo, noticiou na sua capa a inauguração com um auspicioso e primoroso texto: “A ponte que transpôs o rio também transporá os séculos, levando para os povoamentos do porvir às notícias e às bênçãos de um administrador sem igual e da ponte sobre o rio Cuiabá! A glória de um nome para o culto imortal do futuro!”.

Suelme Fernandes é Mestre em História pela UFMT. Veja fotos antigas da ponte no Instagram.

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