Política

Religião e expressão: deputados estaduais querem proibir caricaturas com temas religiosos

Ministério Público do Estado questiona lei na Justiça, alegando que texto fere o direito a liberdade de expressão

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Religião e expressão: deputados estaduais querem proibir caricaturas com temas religiosos
Foto:(Ednilson Aguiar/ O Livre)

O Ministério Público de Mato Grosso (MPE) e a Assembleia Legislativa abriram um confronto ideológico na Justiça. O tema em disputa é religião e expressão. Em 2022, os deputados estaduais aprovaram um projeto de lei que proíbe a manifestação em sátira ou qualquer outra forma de exploração caricata dos assuntos religiosos. 

A normativa proposta pelo deputado Paulo Araújo (PP) vale para todas religiões. A intenção, segundo ele, é prevenir o menosprezo contra as crenças dos mato-grossenses.  

O parlamentar diz que a exploração negativa dos valores religiosos são ofensivos e contrariam a Constituição Federal. Por isso, elas não devem ser alvo de chacota ou ridicularização em manifestações culturais e sociais, como eventos, desfiles carnavalescos e espetáculos. 

A interpretação do deputado é que esse tipo de manifestação serve para gerar “intolerância religiosa” e “menospreza ou vilipendia (rebaixa) dogmas e crenças”. Por consequência, as pessoas se sentiriam inibidas a praticar e expressar suas crenças. 

Ele diz que o artigo 5º da Constituição Federal já garante a liberdade inviolável da consciência religiosa e proteção do local de cultos. Agora, ele quer proteção do estado a esses direitos. 

O deputado estadual incluiu na sua proposta uma regra específica para isso. A norma diz que a aplicação de dinheiro público nessas manifestações passará a ser considerado como mau uso.  

A religião e a liberdade de expressão 

O procurador-geral da Justiça, José Antônio Borges, usa também a Constituição no pedido entregue à Justiça para derrubar a lei estadual. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), protocolada em dezembro no gabinete da presidência do Tribunal de Justiça, o advogado ressalta a regra de liberdade de expressão prevista no mesmo artigo 5º da Constituição.

Procurador-geral da Justiça, José Antônio Borges, diz que lei estadual afronta Constituição.(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Ele diz que o direito se manifestar em qualquer assunto “deve ser usado como instrumento para o exercício da democracia”, pois seria o caminho para garantir o direito de manter a pluralidade das opiniões. Esse critério conduz a ação do procurador-geral. 

O procurador-geral coloca a liberdade de expressão acima dos valores particulares, como os de crença religiosa e como mecanismo para o “gozo dos direitos fundamentais”. 

“Ainda que motivada pelo nobre propósito de proteger valores relevantes, a lei estadual viola o direito constitucional de liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença”, diz trecho da ação. 

Intepretação do valor à brasileira    

O especialista em direito constitucional, Marcelo Theodoro, diz que a premissa da Constituição Federal é a materialidade das infrações. Em outras palavras, as leis brasileiras não vetam as ações, mesmo que antevistas como ofensivas, antes que elas sejam praticadas.  

“É uma forma de se aguardar o direito do outro e de respeito ao próximo. O Justiça tem ação limitada e tudo aquilo que esteja de fora da Constituição deve estar coberto pelos valores da própria sociedade”, comenta. 

Segundo o estudioso, esse tipo de confronto judicial ficou mais recorrentes nos últimos 20 anos. Foram décadas marcadas por “flexibilização” de regras mais próximas aos costumes, como a definição do gênero sexual e aborto. 

As decisões judiciais e os costumes morais passaram se chocar. A divisão entre os códigos das leis e os costumes é tipicamente moderna. Os gregos antigos, por exemplo, tinham o conceito de nomos que inclui ambos.  

O professor Marcelo Theodoro diz que os brasileiros buscam um meio-termo entre as constituições em vigor. Nem tão conservadora, como a Alemanha, nem tão liberal como os Estados Unidos. 

 “Essas discussões acontecem em todos os países e ficou mais intensa no Brasil nos últimos anos. O que precisamos levar em conta são os preceitos constitucionais de estado laico (aquele que não tem ordem religiosa) e criminalidade”, afirma.

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