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Rede de mulheres ajudou catadora de lixo a se tornar liderança

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Rede de mulheres ajudou catadora de lixo a se tornar liderança

Ednilson Aguiar/O LIVRE

Cidinha, coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania de MT

Cidinha, coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania

Em meio ao desemprego e à inflação dos anos 1990, a mãe de Cidinha e a companheira faliram. Já não tinham mais idade para conseguir trabalho registrado e eram analfabetas. O jeito foi fechar a lanchonete no centro de Várzea Grande e montar barraca com um grupo sem-terra perto de Poconé, às margens da rodovia.

O clima no acampamento era violento – muita gente tinha vindo dos garimpos da região. Não dava para ficar ali com os filhos adolescentes. Pegaram a charrete e tomaram o caminho de volta. Da estrada, avistaram um terreno com entulho e resolveram parar. Acabaram fazendo amizade com dois catadores e conseguiram permissão para ficar.

Vinte e três anos depois, uma montanha de lixo cobre a camada de cinco metros de profundidade de resíduos já enterrados. Um botijão solta um estampido a cada 50 segundos para tentar afastar bandos de urubus. Poças se formam no barro amolecido pelas chuvas, e dá para ver bolhas de gás no chorume. Quando o trator passa, os catadores correm atrás para pegar os melhores materiais. Cerca de 200 pessoas trabalham ali. 

Ednilson Aguiar

Cidinha, coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania de MT

 

“Naquela época, não tinha tantos catadores. Eles foram se multiplicando. É como uma amiga minha fala: depois que o lixo virou luxo, todo mundo quer. Mas ninguém quer ficar nesse lixão. Nem eu”, diz Cidinha.

Maria Aparecida do Nascimento quer outras coisas: uma faculdade de Serviço Social, um barracão para reunir lixo reciclável e um carro para vender o que for coletado. Quer, principalmente, ajudar outras catadoras.

“Quando tivermos o barracão, não quero que as idosas fiquem puxando sacolas pesadas. Quero que elas tenham um trabalho mais leve, com separação de papel. Fora isso, meu maior sonho é um projeto para as grávidas fazerem artesanato com papel reciclado. No lixão, quando vem uma pessoa do governo, a gente esconde as gestantes porque sabe que elas precisam desse dinheiro. Elas não têm licença maternidade.”

Talvez esses projetos sejam uma forma de Cidinha retribuir o que recebeu nos últimos anos: o incentivo de uma rede de mulheres para voltar a estudar. O conhecimento fez com que se engajasse em movimentos sociais, a levou para outras capitais e a colocou em eventos com gente importante que nem falava português.

As coisas começaram a mudar quando uma servidora da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) que sempre visitava o aterro a convidou para participar do Fórum Lixo e Cidadania. O grupo era coordenado por Marcela Dória, procuradora do Ministério Público do Trabalho. Marcela atuava no combate ao trabalho infantil e havia retirado as sobrinhas de Cidinha, assim como outras crianças, do lixão.

“Ela fez aquilo de um jeito tão bonito. Arrumou Bolsa Família, que as mães nem sabiam que existia. Fiquei fã daquela mulher e fui numa reunião do fórum. Lá, vi que o catador tinha vez de falar e de expor suas ideias. Era um local de discussão e de ajuda.”

A procuradora tratou de incentivá-la. Pediu a ajuda de Cidinha para uma reportagem que a assessora de imprensa do MPT, Lívia Vasconcelos, faria nos aterros e em cooperativas. As duas começaram a percorrer vários lixões.

“Ali a gente fez amizade e comecei a aprender as siglas dos recicláveis dos plásticos. Descobri que existem sete tipos de plásticos e que o plástico é derivado do petróleo. Eu ia para o Ministério Público depois do almoço e ficava lá estudando.”

“Se o prefeito fizer a política como tem que ser feito, ele pega o catador, leva pra um barracão, dá uma máquina de prensar e faz a inclusão social. Está na lei. Mas isso ia tirar o lucro da empresa que apoia o candidato na campanha”

Tempos depois, numa reunião de catadores, conheceu a educadora Rosângela Góes. Acabou convidada para fazer um curso de economia solidária em Goiânia. Seriam vários módulos durante dois anos, tudo pago pelo governo federal. Parecia um passeio irrecusável. 

“Quando cheguei lá, eram 25 pessoas do Centro-Oeste, todos com suas faculdades e carreiras bem-sucedidas. Eu era uma catadora que não tinha nem o ensino médio. Falei para a Rosângela que queria voltar, mas ela não deixou. Foi meu anjo que me ensinou que eu poderia voltar a estudar e aprender.”

Vencida a batalha com o curso em Goiânia, Cidinha se matriculou na escola e concluiu o ensino médio. Hoje, é coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania de Mato Grosso, onde tudo começou. 

“A melhor coisa que fiz na vida foi voltar a estudar. Então, comecei a lutar para que os catadores voltassem a estudar. Com esse movimento da economia solidária, conseguimos que os catadores tenham EJA [ensino de jovens e adultos], desde a alfabetização até o ensino médio. É só o presidente da associação de catadores procurar que a Seduc [Secretaria de Educação] disponibiliza os professores para dar aula no local do lixão. Para mim, foi uma grande conquista porque eu tive que estudar e conhecer a lei para reivindicar uma coisa a que nós tínhamos direito.”

 

Galeria: Catadora de lixo conta como se tornou liderança

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