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Recém-chegado da Guatemala, Vinícius dos Santos começa a desenvolver projeto baseado no yoga

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Recém-chegado da Guatemala, Vinícius dos Santos começa a desenvolver projeto baseado no yoga

Amauri Lobo
(Especial para o Livre)

Vinícius é um artista que, a partir da expressão corporal, busca significação em diversas outras áreas. De fato, ele é uma pessoa transcendente. Com uma obra confessional em cartaz, P.A.C.K.A.G.E FIM O, também se envereda pelo yoga e pela espiritualização, de forma que sua arte adquire uma forma tão característica que fica difícil separar, neste caso, arte de artista. Outra característica de sua atividade são as vivências internacionais, o que acrescenta outros vários novos sentidos neste contexto.

Recém-chegado da Guatemala, onde vivenciou experiências muito singulares na Fazenda Mística de Yoga, Vinícius nos conta sobre esta vivência e seus desdobramentos em sua arte e produção cultural. Vem coisa nova por aí.

Você costuma dizer que é “muito significativo estar em algum lugar, pois os lugares simbólicos mexem muito comigo e acionam meu lado criativo”. Ocorre que, recentemente, você esteve na Guatemala. O que você foi fazer lá? O que isso acrescentou em seu processo criativo?

Eu levei sete anos para começar pelo final (risos). Final do meu trabalho artístico solo. Falo dessa impregnação minha para com as coisas e que eu via com a necessidade de colocar o meu olhar para testar isso, como isso acontece. A recíproca tem sido muito boa para o trabalho, com uma consistência interessante e umas coisas que aprendi nesses sete anos foi que, primeiro, o tempo passa… Segundo, tempo para apurar as coisas é fundamental e ainda tem um terceiro ponto: com a experiência, toda essa experimentação acaba se tornando muito mais dinâmica. Tornei-me menos intuitivo nos achismos e mais afunilado nas ideias. Como eu já acumulei uma sequência de experimentos, quando eu vou para este mergulho é bem mais interessante.

Fui pra Guatemala em busca disso. Primeiro pensando o yoga como corpo e como partes extra corpo que são abertas por esta filosofia. Eu queria experimentar isso de uma forma abrangente… O que é ficar praticando yoga por duas, três horas? O que praticar yoga o dia inteiro? Isso, pensando nesse corpo sendo transformado, sendo aberto nesta linha de pensamento. Este processo culminou com importantes contatos profissionais e cheguei a uma pessoa incrível, que é a Cole Chance que, desde que eu a descobri pensei: Preciso falar com esta mulher! (risos)

Levei uns seis meses para falar com ela, mas quando isso aconteceu ela foi super carinhosa e isso me fez ir fundo no compartilhamento de ideias, de arte, enfim. Ela vive no mundo, agora está em Bali, que vai ser a casa dela pelas próximas seis semanas, depois é Portugal, aí é Rússia (risos) e ela me falou deste encontro na Fazenda Mística de Yoga, na Guatemala.

Onde está situado este local? O que sua territorialidade representa?

Este local está situado em um território sagrado da cultura Maia, que consideravam a região com “jardim do éden na Terra”. As pessoas que gerenciam o local pensam pelo prisma do homem ocidental e com foco no meio ambiente, com suas consequências. Por isso, por exemplo, tudo é reciclado, tudo! Além disso, lá há muita população originária, muitos povos indígenas que vivem em contato permanente com o pessoal da fazenda, permitindo a troca de experiências próximas. Um lugar extra rico. Ainda há muita coisa precária na Guatemala, muita coisa parecida com o Brasil, mas, de povos originários aos colonizadores, em geral, todos são pessoas muito abertas, receptivas, que buscam agregar. Eu achei isso muito curioso.

Éramos, ao todo, 16 pessoas, sendo 11 pessoas vindas de diversas regiões do mundo, cada uma com sua especialidade e tudo isso acrescentou muito ao meu processo criativo, pois eu antes tinha muito medo, receio. Eu me limitava. O que acresceu é o acreditar na ideia que eu produzo. Aquilo que eu visualizo. Não preocupar com o mercado artístico: vai e elabora! Uma questão de confiança. Além disso, após tudo aquilo, meu corpo abriu e é uma outra dinâmica que estou tendo de corpo. E eu me aprofundei muito mais no silêncio e na compreensão do silêncio, o que quer dizer segurar muito a minha retórica.

Essas coisas me deixavam nervoso e eu não trabalhava minha potencialidade na amplitude que ela pode alcançar. Isso foi muito importante! O desprendimento que surgiu foi muito importante, este mantra de perseverar, de continuar e de ultrapassar as limitações que se tornam abismos. O que é esse corpo? O que é o cansaço? Como é trabalhar a mente? É o corpo se sabotando e muitas vezes não temos esta percepção da sabotagem que o corpo faz… E como é trazer uma tranquilidade do raciocínio em ação? Estas coisas acresceram muito a mim, sem contar que o dinheiro estava muito na risca! (risos) Então, foi muito foco e direcionamento nas coisas. Por fim, na trilogia P.A.C.K.A.G.E FIM O, finalmente eu consegui encontrar o meio. Foi ótimo!

Você tem uma proposta de “ter liberdade da pesquisa”. O que você foi pesquisar nesta viagem?

A cultura Maia é toda envolvida na natureza. A Mãe Natureza, os deuses são materializados em natureza, a numerologia e o traçado em geral são muito congruentes com o trabalho que desenvolvo, porque o P.A.C.K.A.G.E FIM O foi todo desenhado na cabala, numerologia e congruência de signos, por exemplo. É o meu lado judeu de ser. Eu fui neste sentido de estar conectado com o que faltaria em mim no equilíbrio de ser humano e artista, pra que eu pudesse juntar estes dois canais de pensamento e começar a ter potência. Eu queria trazer este imagético.

A questão que mais me inquietava era: como deixar de lado a obrigação antropológica de um só lugar masculino-feminino? Como permitir sensibilizar-me já que criado e envolto à masculinidade tóxica estou e estamos? Como não abrir um debate efusivo adentrando em uma área que ao homem é renegada pelo sistema? Como não me interpor às lutas de gênero e não acentuar a segregação que há no fazer que ao homem é outorgado em lei e subjuga todos aqueles que sensíveis se permitem ser? Como romper com essa masculinidade tóxica?

Pois lá houve contato, também, com as filosofias budista e hinduísta, que junto com a filosofia maia, levou-me a perceber a questão inata no ser humano do ser de luz que habita em nós, em espírito, e toda ação que ele desencadeia. Primeiro, num contato real corpo-espírito-alma… Eu mudei a ordem por acreditar que a alma está muito condicionada ao espírito que ao corpo! (risos) A mente não é só a mente deste cérebro, desta matéria que se findará daqui a pouco. Não! Ela vai muito mais além. E lá na Fazenda Mística de Yoga eu pude fazer esta conexão energética e passei a ver esta amplitude de energia, que é gerada pelo espírito, que reverbera no corpo e no ambiente em que este corpo está inserido. Por exemplo, mudar a temperatura de um ambiente… Se a gente pensa em um grande mestre de yoga, de artes maciais, vamos descobrir o chi… E eu pude lá começar a pisar neste trecho do conhecimento.

Para uma pessoa que gosta de se contaminar, de metástases, o que você pretende fazer a partir de agora com toda esta contaminação.

Eu gosto muito do A.E e do D.E. … Antes da experiência e depois da experiência (risos). Antes de sair de Cuiabá eu me reuni com cinco mulheres que passeiam na dança, passeiam no teatro, pesquisadoras ótimas. Tem mestrandas, mestras e doutorandas nesta turma. Eu propus a elas de trabalharmos juntos, por nove meses, numa gestação. Eu gosto muito do que gera… Por exemplo, como é receber uma carta de alguém? O que é abrir uma carta? Tem cheiro naquele papel? Se tem cheiro, como meu corpo reage a este cheiro? Como aquelas palavras tocam meu corpo? O que elas podem gerar? Por isso, estamos trocando cartas pelo correio, inicialmente.

Em paralelo, tem o Sesc. Vou inserir esta linha num projeto no qual participo há anos, que é o Leituras de Movimento. Mas, o principal é que tirei toda limitação de mim e o receio que eu tinha de abordar tal tema… O receio terminou.

O que você pensa fazer com todo esse aprendizado?

Estou começando a escrever, também, um esquadro técnico de movimentação a partir do yoga. Como é se acordar para o pé? Qual é a funcionalidade do pé? Como é entender este pé no meu corpo? Como eu ativo este pé para movimentar este corpo, numa movimentação que parte do cotidiano e entra nesta transformação que é o artístico? A base pode ser o balé ou pode ser uma academia de ginástica. Mas como é pensar este pé como base da ação física, sendo os pés as raízes.

Na Fazenda Mística de Yoga o primordial era: tire os sapatos. Como é este conectar coma terra? Passei dias em vivências descalço e agora estou tendo dificuldade de enfrentar os sapatos! Como é alinhar corpo às pedras, quando isso passa a fazer parte da naturalidade no cotidiano? E se o pé é a raiz, vai ramificando e isso é um canal muito frutífero para linhas de técnicas corporais.

Enfim, tem o tempo-corpo e o tempo-mente, como é fazer estes tempos cooperarem com este tempo que está posto? O mais importante nisso tudo é trabalhar com eficiência, em paralelo a este tempo. Isso vai trazer, com certeza, um desdobramento artístico.

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