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Rapper cuiabana ganha a vida nos trens de São Paulo

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Rapper cuiabana ganha a vida nos trens de São Paulo

Arquivo Pessoal

flor costa

A cuiabana Flor Costa hoje fortalece o rap em São Paulo como MC e comunicadora

Quando Flor partiu do cerrado para descobrir o país, talvez não imaginasse que o ‘rolê’ que gostava de fazer com os amigos se tornasse seu ganha pão. Hoje, em São Paulo, ela se revela no rap, gênero musical e movimento social que fortalece como MC e comunicadora. Em entrevista para o LIVRE, a jovem contou essa história começou e como ganha a vida, além de falar de suas impressões da cena cuiabana e sobre ser mulher em um duelo de rimas.

Flor Costa, 24 anos, começou no rap como público da Batalha da Alencastro, em Cuiabá, que reúne a galera do hip-hop semanalmente no Centro da cidade. “Eu já ouvia rap há algum tempo, mas não era o que eu mais ouvia. Eu gostava de colar nas batalhas, porque eu tinha amigos que batalhavam”.

Quando concluiu sua graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 2016, a jovem passou um tempo viajando de ‘mochilão’ e treinando capoeira na Bahia. Ela se encantou de vez pelo rap quando visitou uma batalha em Florianópolis (SC). “Toquei berimbau com o beat e foi mó ‘daora’”, conta.

No mesmo ano, com uma forcinha da internet, Flor conheceu o MC Paue Ovelha Negra que hoje é seu marido, com quem se juntou para ganhar a vida São Paulo. O desejo de rimar veio como consequência da aproximação com a cena na cidade, mas o começo foi marcado não só pelo amor, mas pelo receio. “Eu tinha muito medo e vergonha, rimava só na minha cabeça, não conseguia nem na frente dele [Paue]”, completa.

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flor e paue

Flor Costa e o companheiro MC Paue

Flor só tomou coragem de mandar a letra em público quando descobriu a Batalha Dominação, depois de ser apresentada às rappers da cidade. “Elas começaram a me chamar para rimar junto, até aquelas que também tinham vergonha”. Na quarta vez que assistiu a batalha onde atua até hoje, topou o desafio e se saiu bem, motivada com a experiência.

Ela, que até então só conhecia batalhas de sangue, onde o MC deve atacar verbalmente o seu adversário, duelou com um homem pela primeira vez em uma batalha de conhecimento. “Foi outra coisa que me ajudou muito, porque eu tinha muita dificuldade de atacar”, explica. Diferente da primeira, este tipo de batalha é temática e não envolve ataques pessoais.

“Desde público, até que comecei a andar com meu marido e me envolver na cena, conhecer um monte de gente e um monte de batalha, fui percebendo que eu também podia rimar, mas eu era muito insegura e o rap foi uma vitória, venci meus medos, minhas inseguranças de falar em público”, resume.

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batalha dominação (sp)

Flor Costa na 56ª Batalha Dominação (SP) com a MC Gabi Nyarai

Cena feminina

“As minas estão tomando a cena, essa é a real”, afirma Flor que é mais um exemplo de mulher que se revela na cena em batalhas exclusivamente femininas, por ser um espaço confortável, onde encontram referências.

“Os caras engolem, não é suave você chegar em batalhas mistas e ouvir as fitas que eles mandam, e quando se atacam é xingando a mãe e a mulher do outro”, explica. “Você vai engolindo, criando ódio, ficando blindada e depois vai revidando para que eles entendam nosso espaço”. Espaço que, para ela, foi conquistado com muita resistência e atitude.

“São minas que já rimam há mais tempo e me inspiram muito, comparada a elas eu tenho muito a melhorar nas minhas letras, mas já é uma satisfação muito grande escrever e aprimorar meus conhecimentos com elas”, ressalta.

Ela ainda lembra as conterrâneas que estão despontando em Cuiabá, como Kessidy Kess, que já batalhava na Alencastro, e PachaAna que vêm fortalecendo a Batalha das Minas em Cuiabá. “A gente faz muito bem o bagulho, as minas são muito talentosas, em técnica e conteúdo. A batalha feminina, por exemplo, é a melhor de São Paulo”, completa.

Flor Costa

wutremclan

Primeira oficina de MC com Jonatha Bombem oferecida pelo WuremClan na Ocupa Ouvidor 63, em São Paulo

Audiovisual e rima no vagão

Mesmo iniciante em uma cena que já vêm se fortalecendo há muitos anos, Flor já desenvolve projetos importantes, realiza trabalhos em prol do rap na sua área de formação e paga as contas com arte nos transportes coletivos.

Além de MC na Batalha Dominação, ela também faz parte da equipe de audiovisual do DMNA, um coletivo de rap da cidade, desenvolvendo trabalhos de divulgação e fotografia. Ela retomou o Bonde das Sanguinárias, programa que realiza e apresenta sobres batalhas de mulheres, no Youtube  do coletivo.

O grande projeto que investe é o Wu Trem Clan, coletivo dos rimadores que faz rap nos vagões dos trens e metrôs de São Paulo e também realiza shows e oficinas – e é sua maior aposta. “Comecei fortalecendo com assessoria, fiz uns releases, organizava ata de reunião e hoje é de onde eu tiro o meu sustento”.

Ela é a primeira mulher entre os dez MCs que integram o coletivo e conta que também foi convidada para dar peso na organização e produção. “Virei produtora e MC ao mesmo tempo”.

“O Wu Trem Clan é meu emprego, eu rimo todo o dia, pelo menos duas horas sozinha e três/quatro horas em dupla, com as meninas que eu levei para rimar comigo e os meninos do coletivo, passando boné, fazendo freestyle. É assim que eu pago minhas contas, assim como meu marido e todos os membros do coletivo”, conta.

No final do ano passado, Flor foi convidada pela Monomito Filmes, uma produtora independe de um casal que movimenta a cena na Zona Leste, para fazer um vídeo de uma letra sua. “Vai virar um som, acho que vai ser o primeiro só meu”. Ela conta que ainda não tem nenhum trabalho lançado, mas releva que novidades estão por vir este ano. “Música minha com o Paue, com minhas parceiras e músicas do Wu Trem Clan”.

Flor acredita que teve sorte em entrar em projetos e conhecer pessoas que para ela são referências de batalha, freestyle e escrita. “Os meninos têm muitos anos de estrada, todos eles têm carreira solo, CD lançado, e estou aproveitando para aprender”, afirma.

“Eu falo que eu cheguei no metrô, sentei na janela, pedi um suco e tô suave, mas a ideia não é ficar suave, é usar a oportunidade para aprender e sempre melhorar”, completa.

Reprodução/Batalha Dominação

flor costa

Flor Costa: “Cuiabá foi minha inspiração”

Hip-hop cuiabano

Mesmo com as referências diretas que acompanham Flor em São Paulo, a cuiabana afirma que suas raízes estão com os MCs da Alencastro. “Cuiabá foi uma inspiração, foi onde tive meu primeiro contato com o rap”.

Para ela, retornar à cena cuiabana agora como MC sempre lhe gera um sentimento de grande responsabilidade. “Rimar em casa me deixa muito nervosa, porque é muito emocionante”, afirma.

Ela relembra algumas com carinho algumas figuras, grupos e movimentos importantes como os meninos da Batalha da Alencastro, os grupos Família THC Rataria, e a rapper Kessidy Kess. “As minas estão puxando pesado aí também”. Hoje Cuiabá e Várzea Grande têm batalhas de rap a semana inteira, inclusive com a Batalha das Minas.

Flor ainda destaca a importância da primeira representação mato-grossense em uma batalha nacional através do MC Caco. “É um MC muito foda, meu parceiro. Eu lembro dele nas batalhas quando ele ainda mandava mal e agora está mandando pesado e para mim é mó alegria”, brinca.

Ela também se revela uma entusiasta do rap cuiabano é otimista com o trabalho realizado na cidade. “Desde quando eu saí, até hoje em dia, só vejo crescimento”, afirma. “Cuiabá está cada vez mais próxima da cena do resto do país, está crescendo com o esforço do pessoal que acreditou no bagulho desde quando não tinha nada”, completa.

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