Nascido em Carazinho (RS), Léo Heck, nome de batismo, é uma lenda viva dos tempos em que centenas de brasileiros se aventuraram na Amazônia em busca de terras e ouro, num cenário de ganância, tensão e muita violência.

O LIVRE entrevista Léo Heck, que desbravou o Nortão de MT nos anos 70 e controlou garimpos no Sul do Pará

No meio da tarde de um dos últimos dias do verão, cruzei a divisa entre os Estados de Mato Grosso e Pará. O sol encoberto por nuvens de chuva e as curiosidades ao longo da BR-163 serviam como distração enquanto eu contava os quilômetros para chegar a um distrito de Altamira (PA).

Do lado esquerdo da rodovia, uma base da Força Aérea Brasileira (FAB) chama a atenção enquanto relembro o acidente aéreo que ocorreu há dez anos com um avião da Gol.

O jato Legacy que colidiu com o Boeing no ar – causando a morte 154 pessoas – permaneceu por cinco anos ali desde o fatídico 29 de setembro de 2006. À minha direita, toda beleza da Reserva Biológica da Serra do Cachimbo, mata verde e densa, quase intocável mesmo após a chegada do asfalto.

Na década de 70, centenas de brasileiros se aventuraram na Amazônia em busca de terras e ouro, num cenário de ganância, tensão e muita violência 

Desse ponto em diante, cerca de 100 quilômetros me separavam de Castelo dos Sonhos (PA), onde eu tentaria uma entrevista com temido Onça Branca.

Nascido em Carazinho (RS), Léo Heck, nome de batismo, é uma lenda viva dos tempos em que centenas de brasileiros se aventuraram na Amazônia em busca de terras e ouro, num cenário de ganância, tensão e muita violência.

Segundo relatos de historiadores e amigos, Heck sempre impôs respeito e, por anos, conseguiu controlar milhares de homens que se espremiam no leito do rio Curuá na disputa por metais preciosos.

Logo na entrada do pequeno povoado que Onça Branca fundou, avistei borracharias, postos de combustível e uma grande churrascaria. Mais adiante, à direita, percebi um dos poucos imóveis de dois pisos na esquina que dá início a avenida Santo Antônio, a principal via de Castelo dos Sonhos. Com um vermelho desbotado, foi possível ler “Organizações Heck Imobiliária”. Tinha chegado ao meu destino.

Ednilson Aguiar/O Livre

Castelo dos Sonhos, distrito do município de Altamira
Vista da Organizações Heck Imobiliária para quem passa por Castelo pela BR-163 no sentido Cuiabá-Santarém

Estacionei o carro em frente ao estabelecimento. Agora, apenas uma porta de vidro com fotos dos cartões postais da cidade me separava de Heck. Abri devagar e, para minha surpresa, encontrei um homem franzino com rosto fechado e olhos azuis expressivos que marcavam a minha chegada e meus passos, apenas quatro ou cinco em sua direção.

Sentado em um sofá preto, aquele homem de camisa social e calça jeans nem de longe parecia um garimpeiro. Nenhum cordão ou anel de ouro. Apenas um relógio preto e dourado no punho esquerdo.

Sem nenhum cordão ou anel de ouro, aquele homem de camisa social e calça jeans nem de longe parecia um garimpeiro

Perguntei se ele era um dos maiores garimpeiros que já existiu no Pará. Ele respondeu que não. “Apenas abri algumas pistas de pouso e cantinas”, negou.

Insisti. Disse que gostaria de ouvir a história dele e estava pronta para receber uma negativa, mas, novamente Onça Branca me surpreendeu. “Venha até a minha sala”, decidiu.

Passamos por um salão cujas paredes estavam cobertas por mapas, discos e fotos antigas. Uma delas em destaque era da esposa Irene Carolina, que faleceu há poucos anos. No chão, vários pacotes pardos com centenas de exemplares de sua biografia – encomendada – lançada em dezembro do ano passado.

Entramos em uma sala simples e quase tropeço. No chão, um busto do Onça Branca que o prefeito mandou fazer em sua homenagem para, futuramente, colocar numa praça no distrito. O cômodo tem ainda uma mesa de madeira amarelada e um mapa de loteamento na parede ao fundo da cadeira. De frente para Heck, uma estante com troféus, lembranças e uma foto de Márcio Martins, um personagem muito importante nessa história.

leo heck
No chão do escritório, ele guarda um busto seu que mandou fazer para colocar na praça

“Eu resolvi meter a cara, ir para Amazônia”, começa, contando como foi parar a dois mil quilômetros de onde morava. Onça Branca passou a infância em Foz do Iguaçu. Lá, ajudava o pai na construção de casas e numa pequena lavoura. Também ali conheceu Irene Carolina, por quem deixou o Exército e se casou. Vieram quatro filhos, três meninos e uma menina.

Em 1974, dois corretores de terras cruzaram o caminho de Heck, e ele foi convidado para conhecer uma nova cidade: Sinop, distante 480 quilômetros de Cuiabá. “Levamos oito dias para chegar até lá. Ainda não era uma cidade, tinha apenas um canteiro de obras em meio à floresta”, lembra.

Do Paraná ao Norte de Mato Grosso, foram oito dias de estrada: “Resolvi meter a cara,  ir para Amazônia”

À época, a abertura da BR-163 fazia parte do Plano de Integração Nacional do governo militar, o objetivo era ocupar a Amazônia com o discurso “Integrar para não entregar”. “Vi naquele lugar uma oportunidade de realizar meus sonhos, voltei apenas para buscar minha família”, conta.

Em cima de um caminhão F600 vermelho, a família seguiu rumo ao Centro-Oeste do país. Chegando em Sinop, o filho mais velho ajudou o pai a montar um barraco de madeira e lona. “Só tinha umas vinte casas construídas”.

Mesmo trabalhando na colonizadora, a estadia da família em Sinop durou só um ano. Heck queria ir além, em busca de uma terra só dele. Conta que partiu sozinho. “Não tinha estrada, era só um picadão. Fui subindo, entrei no Pará, passei a Serra do Cachimbo e parei próximo a um rio quando não vi mais posseiros”.

A cada frase, o homem franzino parecia reviver os momentos de solidão em que passou em meio à mata fechada, onde a maior inimiga era a onça pintada. “Passei a andar sempre com um facão. Um dia, sozinho, abrindo a mata, uma onça apareceu e mostrou os dentes para mim. Enfrentei o bicho e estou vivo para contar essa história”, comemora. Ele diz que foi a partir daí que nasceu o apelido Onça Branca. Mas há quem diga que a alcunha nasceu da fama de mau.

Ednilson Aguiar/ O LIVRE

Leo Heck
Onça Branca lembra que, nos anos 80, a vida da família Heck mudou com a chegada de garimpeiros que buscavam ouro na região

Depois de montar um barraco de madeira, Heck voltou a Sinop para buscar a família. “Essas terras eram nosso paraíso particular. Tínhamos terra, peixes e alimentos que cultivávamos. Mas em 80, tudo mudou”, relembra.

Segundo ele, em 1984, dois homens apareceram no barraco da família dizendo que estavam à procura de ouro. “Deixei que explorassem minhas terras. Em troca, pediram comida e uma arma de fogo”. Os homens, conta Heck, eram “Paraibinha” e “Gaguinho”. Entraram na mata e só voltaram semanas depois. “Eles já não tinham mais roupas, estavam todos sujos, machucados, mas, trouxeram a notícia que mudaria minha vida. Tinha ouro aqui”.

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