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O silêncio dos companheiros

Diante de uma situação tão delicada, sinto falta de três importantes atores sociais: a igreja, profissionais ligados aos direitos humanos e os parlamentares eleitos representantes do espectro político dos militantes presos

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O silêncio dos companheiros
(Foto: Kat Smith / Pexels)

A esquerda brasileira sempre teve entre suas prioridades na agenda política a defesa dos infratores, dos desviantes, podemos dizer assim. De certa maneira, é uma agenda importante, pois os desviantes também têm seu direitos e muitas vezes são maltratados de uma maneira não congruente com a lei e com seus direitos enquanto seres humanos.

Mas a esquerda também sempre foi impiedosa com seus adversários. Uma parte dela chega a tratá-los como inimigos e, sendo assim, muitas vezes vira as costas para seus direitos. Infelizmente.

O vandalismo que tomou a esplanada dos ministérios no domingo é inadmissível numa democracia, como qualquer depredação de patrimônios, sejam eles públicos ou privados. E, de uma perspectiva estratégica, foi algo inconsequente. Invadiram, fizeram uma quebradeira e saíram. O que isso significa? Quais eram as exigências? O único simbolismo que ficou foi de pessoas quebrando vidraças e danificando o patrimônio. Em termos políticos um desastre. Jogaram fora toda a energia de mais de 60 dias de concentração, discussões e orações na frente dos quartéis que poderia ser transformada em outra coisa.

Mais de mil pessoas foram presas. Ajuntadas em um ginásio. Mães com filhos, idosos, pessoas com comorbidades, pessoas que estavam na manifestação e pessoas que tinham ficado na frente dos QGs. Informações de parlamentares como o senador Marcos do Val (Podemos-ES) mostra a inadequação do ginásio e permite questionar a estratégia de punir por atacado. Porque uma vez que a pessoa foi levada para o ginásio já está de certa forma sendo punida. O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) falou da realidade das mulheres encaminhadas para a Colmeia, prisão feminina do DF. Uma situação preocupante.

Diante de uma situação tão delicada ou tão anômala, sinto falta de três importantes atores sociais: 1. A igreja, via CNBB, e os evangélicos; 2. Profissionais ligados aos direitos humanos e aqueles que costumeiramente prestam assistência a indivíduos em situação parecida, entre eles os parlamentares, geralmente da esquerda política; e 3. Parlamentares que foram eleitos como representantes do espectro político a que pertencem os militantes presos.

A CNBB, que em 2013 emitiu nota apoiando as manifestações, agora condenou o vandalismo na Esplanada dos Ministérios, mas parece não estar nem aí para a situação dos militantes presos. Nem uma manifestação sobre suas condições ou pedido nessa direção.

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania emitiu uma nota em que afirma que “golpistas são, invariavelmente, violadores de direitos humanos e detratores da cidadania. A verdadeira defesa dos direitos humanos, portanto, exige o repúdio ao golpismo e à violência promovida por grupos antidemocráticos e orientados pelo fascismo”. Os militantes são golpistas e detratores da cidadania, portanto, merecem ser tratados como tal.

A ala evangélica até o momento não se manifestou. Por que? Nesse momento, não se trata concordar ou discordar do que fizeram, mas de ampará-los. Mais do que nunca precisarão de ajuda.

Parlamentares de esquerda ou defensores de direitos humanos, a maioria que permanece em silêncio, tende a explicar os direitos de pessoas acusadas de homicídios e outros crimes, sempre a partir da sua condição social. A ideia é que precisamos entender a posição socioeconômica do indivíduo para avaliar o que ele fez.

Mas, agora, nessa situação, não. Os manifestantes são golpistas. Portanto, merecem os rigores da lei. Na verdade, quando isso acontecia antes, não havia tanto rigor assim na punição, né? Na universidade, tivemos vários episódios de invasões e depredação do patrimônio público, mas a busca pelos culpados sempre era considerada uma tarefa difícil e muitos dos colegas professores terminavam por legitimar o ato.

O silêncio dos parlamentares de esquerda é compreensível na medida em que eles tendem a ver os militantes presos a partir de categorias políticas que os desumanizam. Nesse sentido, os direitos humanos só seriam aplicáveis aos não adversários. Mas, e os outros parlamentares? Por que não se manifestam? Até mesmo muitos dos eleitos na onda bolsonarista estão calados. Por que?

Dizer que agora é melhor ficar quieto não é um bom argumento. Pode-se manifestar, por exemplo, procurando ajudar aqueles que compartilham muitos dos valores que esses parlamentares defendem. Deixá-los sozinhos agora parece-me uma estratégia muito conveniente, mas politicamente muito ruim. E muito cruel, do ponto de vista dos direitos humanos.

André L. Ribeiro e Lacerda é sociobiólogo e psicólogo, e professor de sociologia na UFMT

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