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O retorno da UDN

Percebendo nitidamente o agravamento da situação brasileira ante a incompetência, a inoperância e a perfídia, eis que ressurge a UDN

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O retorno da UDN
Carlos Lacerda (Imagem de arquivo)

O partido da eterna vigilância, nascido da luta contra uma ditadura e que cresceu apesar das derrotas nas urnas, sempre em nome dos ideais liberais-conservadores, está prestes a retornar ao cenário político-eleitoral brasileiro.[1]

A União Democrática Nacional[2], criada à sombra do Estado Novo de Getúlio Vargas (Carta Constitucional “polaca” de 1937), no ato de sua fundação em 07/04/45, reuniu diversos segmentos sociais da época. Coincidentemente sua fundação se deu num dia tão importante para o liberalismo brasileiro: 07 de abril.

No mesmo dia, mas no ano de 1831, o Imperador D. Pedro I abdicaria do trono em favor do seu pequeno filho, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, também conhecido como  D. Pedro II, muito em razão de pressões advindas dos liberais.

Dirá Teófilo Ottoni em 1860: “o sete de abril foi uma verdadeira journée des dupes. Projetado por homens de idéias liberais muito avançadas, jurado sobre o sangue dos Canecas e dos Ratcliffs, o movimento tinha por fim o estabelecimento do governo do povo por si mesmo, na significação mais alta da palavra” (Nabuco, 1975).

Em 1945 a palavra de ordem dos udenistas era uma só: a reconquista das liberdades democráticas. O elenco, forçosamente heterogêneo, formava uma unidade milagrosa no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, reunindo os derrotados do golpe getulista de 1930; os que apoiaram o golpe de 1930, mas desaprovaram o Estado Novo de 1937; aqueles que participaram do Estado Novo e desaprovaram os seus frutos e; grupos liberais regionais.

Desde o ex-presidente Arthur Bernardes, Pedro Aleixo, Júlio Prestes, Otávio Mangabeira, membros da Aliança Liberal, chefiados por Borges Medeiros, Virgílio de Mello Franco, Milton Campos, Bilac Pinto, Raul Pilla, Afonso Arinos Filho, Armando Salles de Oliveira, Júlio de Mesquita Filho, Prado Kelly, dentre outros importantes personagens da época, marcaram presença no ato de fundação da UDN.

Influenciados pelo Manifesto dos Mineiros (datado de 24/10/43), os membros do novo partido da sociedade civil foram um dos maiores responsáveis pelo fim da ditadura getulista e convocação das eleições presidenciais de 02/12/45.

O governo do General Eurico Dutra (30/01/46 a 30/01/51), que venceu o candidato da UDN, Brigadeiro Eduardo Gomes em 1945, também derrotado nas eleições de 1951 pelo próprio Getúlio Vargas que então retornou ao poder, aproximou o partido da eterna vigilância do poder e buscou promover uma estabilidade no país através de coalização partidária.

Muitos udenistas deram coro a Virgílio de Mello Franco, em direta crítica a aproximação de alguns membros ao governo Dutra: “A conciliação como coalisão e fusão de partidos, para que se confundam os princípios, para que se obliterem as tradições, é impraticável, e mesmo perigosa, e por todos os principias inadmissível”.

Ficou pacificado na reunião do Diretório Nacional da UDN que: “a UDN não quer cargos, quer encargos“, como dizia Mangabeira, reforçando a decisão oficial de que “são ministros udenistas no governo, mas não é o partido que está no ministério“.

Nas eleições de 03/10/50, na qual a UDN lançara novamente o Brigadeiro Eduardo Gomes, Carlos Lacerda pregava no jornal Tribuna da Imprensa sobre Getúlio Vargas: “Esse traidor profissional aí está (…) morrerá algum dia de morte convulsa e tenebrosa. Pois ninguém como ele para morrer de morte indigna, da morte de mãos aduncas em busca do Poder, ó pobre milionário de Poder, ó insigne tratante, ó embusteiro renitente! Ele louva e lisonjeia um povo que, de todo o seu ser, ele despreza. Ele não tem com o povo senão a mesma relação que teve com esse mesmo povo a tuberculose, a febre amarela, a sífilis. É uma doença social, o getulismo”.

Com a vitória eleitoral de Getúlio, a UDN passou a realizar uma oposição sistemática. No Congresso, a UDN atuou através da “Banda de Música”, grupo formado por Adauto Lúcio Cardoso, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, José Bonifácio, entre outros, que, sentados na primeira fila do plenário, com sua oratória inflamada, aparteavam ou discursavam diariamente contra o governo Vargas (Benevides, 1980).

De denúncia em denúncia, instauração de CPI, investigações, críticas e ferrenha oposição através dos meios de comunicação, somado a conjuntura da crise econômica, social e política com a inflação e declínio na taxa de produção industrial; intensificação dos movimentos reivindicatórios, radicalização da polêmica militar em torno da questão do petróleo e instabilidade governamental, com mudanças nos Ministérios do Trabalho, da Fazenda e da Viação, o governo getulista passa a perder apoio e popularidade (Moisés, 1953).

Para finalizar de vez o desastroso governo de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda sofre um atentado (“atentado da rua Tonelero”), no qual morreu o Major da Aeronáutica Rubens Vaz, no dia 05/08/54, radicalizando o país, já que Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio, apontado como mandante do crime, confessa sua participação.

Carlos Lacerda passa então a pregar abertamente a renúncia de um “governo imoral, ilegal, do banditismo e da loucura” (Tribuna da Imprensa, 05/08/54) e mantém seus ataques pessoais ao presidente: “Getúlio Vargas não é mais o chefe legitimo do governo. É o espectro de seus crimes que paira sobre a nação… no seu sibaritismo silencioso, é hoje uma promessa de maldição sobre o rosto puro e aflito do povo brasileiro” (09/08/54).

O líder udenista, Afonso Arinos, discursa na Câmara dos Deputados: “Eu falo a Getúlio Vargas como presidente e como homem (…) tenha a coragem de perceber que o seu governo é hoje um estuário de lama e de sangue”.

O suicídio de Getúlio, em 24/08/54, sobre ser uma solução trágica, resolve, com uma saída politicamente audaciosa além de constitucionalmente inatacável (Benevides, 1980). Assume o vice-presidente Café Filho para o período de transição.

Na Convenção Nacional de abril de 1955 a UDN apóia inicialmente o ex-governador de Pernambuco, Etelvino Lins, mas indica Juarez Távora como candidato da “união nacional” para as eleições de 03/10/55, que acaba consagrando Juscelino Kubitschek (presidente) e João Goulart (vice-presidente) vencedores. A herança getulista voltava ao poder.

Na Convenção Nacional da UDN, em 1957, ficou decidido que: “O ponto principal de nossa ação política consiste em manter a linha de oposição e acentuar o propósito de luta crescente contra ‘as forças que há tantos anos dominam o poder, na corrupção administrativa e comprometendo as bases morais da vida política“.

Em 1960 foram eleitos Jânio Quadros (presidente) e João Goulart (vice-presidente), tendo o primeiro apoio da ala de Carlos Lacerda durante o período de campanha, embora tal tenha se distanciado nos primeiros meses do curto governo de sete meses. Aparentemente, no entanto, a UDN chegara ao poder. A Primeira Convenção Nacional da UDN, após a posse de Jânio, foi chamada de “Convenção da Vitória”.

Entretanto, a política de aproximação com a África e o intercâmbio com o leste europeu e a favor de intervenção militar direta em Cuba, todos ligados ao comunismo da URSS, aliado a condecoração ao Ministro cubano Ernesto Guevara e intensa infiltração comunista no país,[3] fez com que a UDN rompesse com Jânio e retornasse à oposição política, que perdurou durante todo o governo de João Goulart até o curto período de apoio a revolução de 1964, intensamente aclamada e defendida pela sociedade civil (como nas diversas “marchas da Família com Deus pela Liberdade”).

Em sua primeira nota oficial, logo após a queda de Goulart, a UDN se congratula com as Forças Armadas pela “vitória contra a ameaça da ditadura comunista e contra a subversão dos ideais cristãos“, propondo-se a continuar “na luta contra a inflação e o câncer da corrupção e do empreguismo” (03/04/64, Arquivo UDN). Para a UND, tal momento seria uma etapa necessária visando o retorno à democracia em 1965, com novas eleições presidenciais.

Entretanto, o recrudescimento do regime militar e a prorrogação do mandato do presidente Castello Branco, fizeram com que Carlos Lacerda assumisse diversas críticas e promovesse intensa oposição a ditadura que se instalava.

Em 12/02/65, em cadeia de rádio e TV, Lacerda desafiou o governo a realizar eleições afirmando: “Se não querem eleições, façam a revolução que não fizeram; se não querem fazê-la, façam eleições, porque ainda é uma forma de fazer alguma coisa” (NOGUEIRA, 2000).

Passando pela organização do Partido da Renovação Democrática, o PAREDE, contra o AI-2, que forçou o bipartidarismo nacional (ARENA e MDB), cassando o registro eleitoral da UND, pela Frente Ampla e União Popular, Lacerda ainda tentou resistir, mas foi vencido pelo AI-5 e pela prisão, tendo os seus direitos políticos suspensos por 10 anos. Na tradução da obra “O Triunfo” de John Kenneth Galbraith, Lacerda usaria dos elementos paratextuais para apresentar sua visão política do momento vivido (Euzébio, 2007).

Assim, acompanhada esta muito resumida trajetória da UDN, verificamos o cumprimento do proclamado por Virgílio de Mello Franco em 1946: “Nossa mística é a da liberdade, e seu preço é a eterna vigilância“.

Num momento semelhante ao atualmente vivido na política brasileira, surgia a UND com o objetivo de construir uma ordem democrática estável, a ordem com liberdade, a disciplina consentida, o esforço conjunto em buscar soluções honradas aos problemas concretos, distanciadas do feitiço delirante das ideologias autoritárias, infelizmente ainda abertamente defendidas no Brasil.

Neste cenário, surge o projeto de recriação da UDN, pela necessidade de possuirmos um partido genuinamente liberal, temperado por uma base moral e estética de índole conservadora, sustentando tais valores na vida pública; defensora da ordem democrática, do Estado de direito e dos princípios cristãos, opositor ferrenho do comunismo e demais ideologias totalitárias; defensor da liberdade individual, do direito de propriedade privada, da liberdade econômica para que também tenhamos liberdade política, contrário ao populismo e a demagogia, doenças cancerígenas da democracia.

Nas palavras de Carlos Lacerda: “prezamos, acima de tudo, a conservação da liberdade e, porque não somos utópicos, desejamos fazer do mundo alguma coisa capaz de melhorar e não alguma coisa com cuja perfeição pereçam suas próprias possibilidades de melhoria verdadeira […] despertar nos seio do país as forças morais, apelar para o poder da consciência, entorpecida, mas talvez, ainda não morta, falar a essa intuição de justiça, a essa avidez de sinceridade, a essa simpatia pelo desinteresse, que não se extingue na índole das nações cristãs”.

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[1] Lucas Gandolfe é advogado e jornalista.

[2] Existem duas tentativas de volta da UDN registradas no TSE, denominadas: UDN e Nova UDN, respectivamente. A liderança da Nova UDN, Marco Antonio Vicente Júnior, também ingressou com uma demanda judicial no TSE pedindo, basicamente, a anulação da Resolução TSE nº 7.764, de 08/11/1965, editada com base no Ato Institucional n° 2, do governo militar, que extinguiu a UDN (União Democrática Nacional).

[3] O nome União Democrática Nacional foi sugerido por Caio Prado Junior, historiador, geógrafo, escritor, filósofo, político e editor brasileiro.

[4] Remeto o leitor ao livro “1964: o Elo Perdido. O Brasil nos arquivos do serviço secreto comunista”, de Mauro “Abranches” Kraenski e Vladimir Petrilak.

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