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O negociado sobrepondo-se ao legislado: mais restrições aos direitos trabalhistas

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O negociado sobrepondo-se ao legislado: mais restrições aos direitos trabalhistas
(Foto: Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre )

Carla Reita Faria Leal*
Débhora Renato Gonçalves*

Desde 2017, o mundo jurídico trabalhista discutia a validade de alteração da CLT, trazida pela Reforma Trabalhista, que trata da possibilidade de normas coletivas, ou seja, acordos e convenções coletivas, prevalecerem sobre o texto legal, mesmo quando limitam ou suprimem direitos trabalhistas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou questão recentemente e fixou tese com repercussão geral, ou seja, entendimento que vai ter que ser aplicado para todos os processos com mesmo tema, os quais estavam suspensos aguardando a posição do STF, no seguinte sentido: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

No processo em que houve a discussão, questionava-se decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que havia considerado inválida cláusula de norma coletiva que suprimiu o direito às horas in itinere, as chamadas horas de itinerário. O TST havia entendido que o fato de a mineradora reclamada estar instalada em local de difícil acesso e de o horário do transporte público não ser compatível com a jornada de trabalho fazia com que fosse devido o pagamento das horas gastas com o deslocamento pelos trabalhadores.

A empresa, em suas razões recursais, sustentou que, ao negar validade à cláusula, o TST teria desrespeitado o princípio constitucional da prevalência da negociação coletiva.

Ao apreciar o recurso, o Ministro Gilmar Mendes, cujo voto foi acompanhado pela maioria dos demais ministros, ressaltou que a jurisprudência da Corte Constitucional reconhece a validade de acordo ou convenção coletiva de trabalho que verse acerca da redução de direitos trabalhistas.

Todavia, também destacou que a supressão ou diminuição de direitos laborais deve, em qualquer situação, observar os direitos indisponíveis, assegurados constitucionalmente, o que ele chamou de patamar civilizatório mínimo, integrado, no nosso entendimento, não só por normas ditas constitucionais, mas também por tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro que, mesmo com status infraconstitucional, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.

Especificamente quanto às horas in itinere, o relator consignou que, consoante a jurisprudência do STF, a questão está diretamente relacionada a temas pertinentes ao salário e à jornada de trabalho, os quais podem ser objeto de normas coletivas de trabalho, conforme autorização do Texto Constitucional, ficando vencidos a ministra Rosa Weber e o ministro Edson Fachin.

Apesar do julgamento pelo STF, o tema está longe de ser pacificado, pois não temos dúvidas que haverá uma intensa disputa pelo que deve ser considerado como direitos absolutamente indisponíveis e aqueles que podem ser limitados ou suprimidos nas negociações entre os sindicatos patronais e de empregados.

Sobre esse ponto, importante lembrar que a Reforma Trabalhista de 2017, em seu artigo 611-B, trouxe uma lista do que constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando disser respeito à supressão ou à redução de direitos.

Ainda quanto à norma citada acima, em que pese essa possa ser considerada como um fator positivo, ou um ponto de partida, lembramos que ela é muito combatida quando estabelece em seu parágrafo único que as “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto”, o que é totalmente rejeitado pela doutrina e jurisprudência, pois, afinal, se esses dois temas (duração do trabalho e intervalos) não forem relacionados à saúde e à segurança, o que mais será?

Outro ponto que causa apreensão e dúvidas é o enorme poder que passa ter o sindicato com a decisão do STF, particularmente no nosso atual cenário do movimento sindical. Isso porque os sindicatos, em especial os dos trabalhadores, em sua maioria, há anos têm vivenciado uma crise de representatividade, na qual os trabalhadores não os veem como um organismo importante para a defesa de seus direitos e interesses, havendo o esvaziamento de seu quadro de filiados e o afastamento dos trabalhadores das discussões e decisões ali travadas. Problemas que são motivados não só pela crise econômica e pelo desemprego, mas também por diretorias com atuações totalmente descoladas dos anseios dos trabalhadores, muitas vezes cooptadas pelas empresas; diretores com mandatos que se repetem infinitamente, quase vitalícios; ausência de transparência na gestão das entidades e dos recursos, entre outros.

Aguardemos, então, os desdobramos do julgamento do STF que comentamos e dos inúmeros que ainda estão por vir sobre as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista!

*Carla Reita Faria Leal e Débhora Renato Gonçalves são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.

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