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Morte de mulheres: o que há por trás do assassínio gratuito

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Morte de mulheres: o que há por trás do assassínio gratuito

Marcelo Jr/Agência Brasil

violência contra mulher

Morte de mulheres: de 2016 para 2017, em Cuiabá, os casos dobraram, indo de três ocorrências consumadas de janeiro a setembro do ano passado, para sete neste ano

O assassinato de mulheres em razão do gênero, apenas por serem mulheres, e normalmente em condições de violência doméstica, tem aumentado tanto que até um novo termo foi criado para isso: “feminicídio”. 

De 2016 para 2017, em Cuiabá, os casos dobraram, indo de três ocorrências consumadas de janeiro a setembro do ano passado, para sete neste ano.

A delegada Juliana Chiquito, responsável pelo inquérito de vários destes casos na Capital, contou que esse aumento tem preocupado e deixado os servidores da segurança pública em alerta.

Através do caso de Ana Paula Assunção da Silva, 28 anos, morta a facadas na noite de sexta-feira (13), após ter uma briga com o marido, o vigilante Abel Cassimiro da Silva, 32 anos, a delegada mostrou muito do que há por trás do “feminicídio”.

O inquérito é presidido pelo delegado Marcelo Miranda, mas como ele está de férias, a delegada Juliana Chiquito comanda as investigações temporariamente. Ela foi a responsável por interrogar o acusado.

“O Abel confessa a autoria do crime, foi ele quem esfaqueou, mas ele fala que teve um surto psicótico, que não estava no juízo perfeito”, contou.

Ednilson Aguiar/O Livre

Delegada Juliana Chiquito Palhares

A delegada Juliana Chiquito, reponsável por vários inquéritos em Cuiabá

Em depoimento, Abel disse não se lembrar de nada, nem como se iniciaram as lesões, nem se foi no interior da casa, nem de ter ido atrás da vítima e a esfaqueado várias vezes.

À época, a mídia divulgou que a morte seria por Ana Paula ter descoberto uma traição do marido e querer se separar. O marido negou a traição, disse ter apenas conversado com uma mulher por WhatsApp.

Segundo a delegada, Abel afirmou que eles procuraram a igreja e ele acreditou que Ana Paula o teria perdoado, mas que ela ficava sempre relembrando o suposto caso e o estava ameaçando de morte por mensagens.

Ele também declarou que eles queriam se separar, mas estavam discordando a respeito da casa, que ela queria vender e dividir o dinheiro, mas ele queria reformar e deixar a casa para a esposa.

Abel também negou que Ana Paula já tivesse sido agredida anteriormente, disse que eles apenas discutiam muito. “Ele falou que a Ana Paula era muito agressiva com ele e que ele nunca partiu para cima dela, nunca a ofendeu”, disse a delegada.

“É muito comum em crimes de violência doméstica, especialmente em feminicídio, esse tipo de comportamento do agressor, de tentar depreciar a vítima, de tentar justificar sua postura com comportamentos da vítima, como se não bastasse um mero divórcio, em que você vai na justiça e briga. Acaba justificando a conduta criminosa, imputando à vítima condutas que a desonram, é isso que o Abel fez no relatório dele”, completou a delegada.

O acusado se entregou na Delegacia Especializada de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) no dia 20 deste mês, sete dias após o crime. Abel foi ouvido e encaminhado ao Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), antigo presídio do Carumbé, onde se encontra preso.

Ele afirmou à delegada que não tinha bebido, nem ingerido nenhum tipo de drogas no dia do crime, mas que sua mente bloqueou, que escutava um barulho e foi como se estivesse fora de si.

“É muito comum em crimes de violência doméstica, especialmente em feminicídio, esse tipo de comportamento do agressor, de tentar depreciar a vítima”

“Em relação a esse surto psicótico, é bom designar que a profissão dele é vigilante e ele passa por exames psicotécnicos, então, se ele estava apto para ser vigilante, acredito que essa alegação não vá prosperar”, afirmou Juliana Chiquito.

Junto, o casal tinha três filhas, uma de seis anos, uma de três e outra de seis meses, que Ana Paula ainda estava amamentando.

As crianças estão temporariamente aos cuidados da avó e tia materna. Segundo a delegada Juliana Chiquito, a família carece de ajuda e tem recebido doações de alimentos, leite e fraldas. O outro filho de Ana Paula, de um relacionamento anterior, está morando com o pai.

Mas, além do apoio material, a delegada fez questão de frisar a necessidade de apoio psicológico e de que a guarda das crianças seja resolvida, para que a avó e a tia possam receber benefícios sociais, como o bolsa família.

Outros casos
A delegada citou outros casos, como o da estudante Ivone Oliveira, de 24 anos, morta espancada, estrangulada e esfaqueada pelo ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento, em março deste ano.

Ivone teve o rosto e pescoço dilacerados, algo também muito comum em crimes de feminicídios, quando o assassino tenta descontruir o feminino da mulher, em ataques à face, aos seios, ou ao ventre. Além de que a maioria dos casos são resultado de uma tentativa de separação, pelo homem ter a ideia de que “se não for dele, não será de mais ninguém”.

Outro caso bastante chocante lembrado pela delegada foi o de Dinéia Batista Rosa, de 35 anos, que foi morta a tijoladas pelo ex-namorado, Welington Fabrício de Amorim Couto, 31 anos, em maio deste ano, pelo mesmo motivo que o caso de Ivone: a tentativa de pôr fim ao relacionamento.

Juliana Chiquito foi a responsável pelos dois inquéritos e relembra da crueldade aplicada em ambos os casos. A delegada ainda citou o caso da travesti Michele, de 47 anos, que foi morta pelo companheiro com um tiro no pescoço e cujo caso também está sendo investigado como feminicídio, visto que ela inclusive já estava sob a proteção da Lei Maria da Penha.

“Nós estamos em alerta com esses números. Essa preocupação chegou ao nível estratégico já, eu tenho conhecimento que o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher já levou à Secretaria de Segurança Pública e à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos essa problemática e nós temos que como sociedade repensarmos algumas ferramentas de apoio à mulher”, disse.

“Tudo é muito sigiloso, as pessoas não gostam, é vergonhoso, mas nós precisamos falar cada vez mais sobre violência doméstica”

A delegada vê a Lei Maria da Penha como um avanço, mas acredita que ainda falta muitas políticas públicas para o combate à violência doméstica.

“Tudo é muito sigiloso, as pessoas não gostam, é vergonhoso, mas nós precisamos falar cada vez mais sobre violência doméstica. Porque o feminicídio é o ápice dessa violência, quando é subtraída a vida da mulher. Quais são os mecanismos que nós temos – a família, a sociedade, o Estado – para amparar essa mulher antes que isso aconteça?”, indagou.

Ela acredita que esse fenômeno deveria ser tratado em várias vertentes, além da segurança pública, como uma fase preventiva desde a educação, citando que uma criança que cresce em um ambiente com violência doméstica irá reproduzir essas atitudes na escola, na vida adulta e em seu relacionamento afetivo.

“Nós precisamos romper com alguns princípios que estão arraigados ainda na nossa sociedade, como o machismo, o preconceito, a questão de resolver as coisas através de violência”, disse.

Juliana defende que a violência doméstica deva ser enfrentada por diversos setores. Começando pela segurança pública, em que criticou a baixa efetividade dos atendimentos, visto que, por exemplo, não há um plantão especializado nesse tipo de violência.

“As mulheres por vezes não conseguem ter o atendimento que merecem. Não é por deficiência das pessoas que lá estão, mas da estrutura estatal. Não há uma política pública voltada a esse fenômeno hoje, que seja eficiente. A gente não quer um núcleo de feminicídio, a gente quer que não aconteça o feminicídio, porque é o ápice, é o fracasso”, afirmou.

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