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Maior devedor de tributos de MT trabalha como fiscal da Sefaz

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Maior devedor de tributos de MT trabalha como fiscal da Sefaz

Junior Silgueiro/GCom-MT

Sefaz

Sede da Secretaria de Estado de Fazenda: maior devedor do Fisco atua como fiscal de tributos

O ex-administrador da empresa apontada como a maior devedora do Fisco mato-grossense, com mais de R$ 3 bilhões em débitos inscritos em dívida ativa, é hoje fiscal de tributos da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz-MT) e recebe um salário de R$ 23.551,92.

Agostinho Hideaki Nohama, juntamente com os sócios da empresa Santa Cruz Industrial, Comercial, Agrícola e Pecuária Ltda, Márcio Rogério Pinheiro e Antônio Darcílio Rodrigues Perestrelo, teve a indisponibilidade de seus bens decretada pela Justiça no dia 22 de junho.

Na decisão, a juíza Adair Julieta da Silva, da Vara Especializada da Fazenda Pública, concedeu liminar reconhecendo o fiscal como “contribuinte solidário” por ter “participado ativamente” do milionário esquema de fraudes operado pela empresa entre 2003 e 2004 e que ficou conhecido como “soja papel”.

“Embora não conste no contrato social como sócio da empresa requerida, consigna-se que exercia papel de administrador da ré, além do que no Processo Administrativo Tributário nº 149/06 foi arrolado como contribuinte solidário por ter participado ativamente dos fatos lá apurados”, afirmou a juíza.

Aprovado em concurso público realizado pela Sefaz em 2004, Nohama foi convocado a assumir a vaga de fiscal por meio de um edital publicado no Diário Oficial do dia 12 de dezembro de 2006. Sua nomeação foi assinada pelo então governador Blairo Maggi no dia 5 de outubro de 2007.

“Se conseguirmos recuperar 20% desse valor, considerarei uma grande vitória”

Além do salário, segundo consta da decisão judicial, ele também recebe uma verba indenizatória que varia entre R$3.000,00 e R$6.000,00. Parte desses valores também foi alvo do bloqueio determinado pela Justiça.

“Merece acolhimento o depósito em juízo dos valores que seriam pagos ao mesmo a título de verba indenizatória (…) De igual forma, é de se acolher o bloqueio cautelar da décima parte do salário do senhor Agostinho Hideaki Nohama, eis que na condição de servidor público estadual é aplicável a espécie Lei Complementar nº 04/1990”, afirmou a juíza.

O LIVRE está tentando contato com o advogado que defende o fiscal.

Soja papel

A operação da Santa Cruz se desenrolava em vários Estados. Envolvia oficialmente a compra e venda de grãos de soja, mas se valia de uma sequência de fraudes destinada a tornar realidade fiscal e contábil o que era apenas uma movimentação de papéis.

Com matriz no Distrito Federal, onde dispunha de três endereços de fachada, a empresa teve sua filial mato-grossense constituída em março de 2003 e instalada em modestas salas de um edifício comercial na rua Barão de Melgaço.

Até dezembro de 2004, pouco antes do esquema ser desmontado por uma investigação conjunta entre as secretarias de Fazenda e os ministérios públicos de São Paulo e Mato Grosso, a empresa movimentou cerca de R$ 512 milhões em operações fictícias de compra e venda de grãos.

“Bem no início, a empresa até operou com movimentações reais, em quantidade reduzidas, mas logo passou a operar só com papel”, relata o procurador Luiz Combat, coordenador do Grupo de Inteligência e Recuperação Fiscal (GIRF) da Procuradoria Geral do Estado (PGE-MT).

Divulgação

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A primeira etapa da fraude era a compra de soja pela Santa Cruz. Notas frias eram emitidas pela empresa simulando a aquisição de grandes quantidades do grão em propriedades rurais e empresas desativadas de outros Estados, principalmente de Goiás.

Em São Paulo, outros participantes do esquema davam continuidade ao plano por meio da Master Consultoria Tributária S/C Ltda, que procurava empresas para oferecer um serviço chamado de “performance tributária”.

“Iam atrás de clientes e ofereciam um tratamento tributário diferenciado, com significativa redução de tributos estaduais e federais”, relata Combat.

Entre as empresas que firmaram contratos com a consultoria à época constavam nomes de grande porte como o Grupo Pão de Açúcar, a sucos Del Valle, a rede Casas Pernambucanas e a fábrica de tubos e conexões Tigre.

Os clientes da consultoria concordavam em participar de uma operação de compra de grãos, beneficiamento e exportação de derivados de soja que, ao final do processo, resultava em um excedente de créditos tributários.

Depois de reunir seus estoques de soja fictícia, a Santa Cruz revendia o “produto” às empresas participantes do sistema. Duplicatas eram então emitidas em desfavor de cada uma, descrevendo valores por tonelada muito acima dos praticados no mercado.

“A operação gerava créditos de ICMS, porque, pela legislação, o tributo só pode incidir na última etapa, ou seja, somente naquele valor pago ao consumidor final”, explica o procurador. “Só que, neste caso, tinha a exportação, que é o segredo do negócio. A exportação é imune e a Constituição prevê que, após a exportação, você fique com esses créditos de ICMS”.

A próxima etapa consistia no envio dos grãos virtuais a indústrias beneficiadoras de óleo e farelo de soja. A PGE não revela nomes, mas documentos relativos à investigação do Fisco paulista, aos quais a reportagem teve acesso, citam nessa etapa as empresas Sperafico da Amazônia S/A, de Cuiabá, Sperafico Agroindustrial LTDA, de Bataguassu (MS) e Rubi S/A Comércio Indústria e Agricultura, de Osasco (SP).

“Essas beneficiadoras recebiam pela industrialização, como se esta estivesse acontecendo. Havia uma entrada financeira sem lastro”, relata Combat.

Depois de reunir seus estoques de soja fictícia, a Santa Cruz revendia o “produto” às empresas participantes do sistema

A conclusão da fraude consistia na venda da carga às empresas exportadoras Axis, de Amparo (SP), e à Cooperativa Agropecuária Norte Pioneiro (Canorp), com sede no Paraná.

Nestes locais, notas fiscais regulares de exportação eram clonadas para acobertar a fraude.

“Depois da industrialização simbólica, havia a venda, também sem pagamento, para essas firmas exportadoras. Elas utilizavam notas de exportações reais e as duplicavam. Pegavam uma nota parcialmente preenchida, antes de colocar a origem, tiravam uma cópia e depois inseriam outra origem”, relata o procurador.

Um detalhe crucial, nessa etapa, era que a venda para a exportação se dava, no papel, com prejuízo. A duplicata dessa venda, mesmo após a etapa do beneficiamento, era emitida num valor abaixo do que a Santa Cruz havia vendido originalmente às empresas arregimentadas pela consultoria.

“Como a primeira operação era inflada, e a venda era abaixo desse valor, nós tínhamos no final duas duplicatas, uma contra e outra a favor da empresa beneficiária”, relata o procurador. “A diferença entre as duplicatas, a beneficiária pagava à Santa Cruz”.

Funcionava assim: a duplicata original, que representava o débito a pagar à Santa Cruz, era quitada com a duplicada seguinte, com os créditos a receber da exportadora. A diferença era paga em dinheiro e representava, no final do processo, o lucro dos organizadores do esquema.

“Mesmo tendo de pagar uma parte em dinheiro, o modelo era vantajoso para as empresas participantes, que tinham um abatimento de ICMS e outros tributos federais muito maior. O que elas pagavam à Santa Cruz era em torno de 20% do que recebiam em créditos tributários, que depois eram usados para abater impostos”.

Bilhões
No caso de Mato Grosso, as operações irregulares da Santa Cruz resultaram, na data da constituição definitiva do crédito (18 de janeiro de 2008), em perdas tributárias de R$ 57.159.828,18, aos quais foram acrescidos correção monetária, juros, multas e honorários advocatícios (FUNJUS).

Em nove anos, o débito triplicou: de R$ 1.004.406.504,00 para R$ 3.089.276.266,05 – o equivalente a 10% de toda a dívida ativa de Mato Grosso. Na busca por bens que ajudem a amenizar o prejuízo do Estado, o GIRF vem fazendo um pente fino em cartórios de imóveis de todo o país.

“Se conseguirmos recuperar 20% desse valor, considerarei uma grande vitória”, afirma o procurador.

Segundo ele, a possibilidade de um esquema nestes moldes se repetir hoje é remota. “Hoje temos a nota eletrônica e o controle das exportações é muito mais rigoroso. Uma operação como aquela seria impraticável”.

 

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