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LatinX – Como os gringos estão “woke-explaining” a nossa língua

Americanos certamente não são conhecidos por sua humildade e, neste caso, claramente a academia americana expõe a sua arrogância

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LatinX – Como os gringos estão “woke-explaining” a nossa língua

Existe uma forte pressão para que os estudiosos da área de humanidades aceitem a convenção que representa o campo de estudos latinos, e tudo o que se refere ao povo latino pelo neologismo Latinx, substituindo a vogal de gênero, presente na maioria dos substantivos por um X.

Desde que ouvi a primeira vez a ideia me causa náuseas. Acadêmicos latinos vão rapidamente se manifestar contra este absurdo, era minha expectativa. Mas não o fizeram. Ou pelo menos não fizeram barulho suficiente para fossem ouvidos. O absurdo Latinx permanece impune.

Mas um pequeno artigo no USAToday [1] do jornalista Giancarlo Sopo me deu um fôlego novo para abordar o assunto. Sopo mostra que o problema vai além do mundo acadêmico. Ele menciona um estudo feito pelo pesquisador a Yale University Cydney Dupree [2], que estudou mais de duas décadas de discurso político.

Dupree expõe a falácia de que o progressivismo seja uma cosmovisão  inclusiva, pelo que é, uma maneira condescendente de diminuir e estereotipar as minorias. Dupree observa que progressistas, por causa de suas “boas intenções” são mais propensos a de maneira paternalista modificar seu discurso para comunicar de uma maneira “mais fácil” com estas minorias obviamente vistas por eles como tendo status e competência inferiores.

Este paternalismo abjeto está se espalhando cada vez mais  entre as instituições americanas. Políticos, a mídia, corporações todos aderiram à linguagem Latinx. Mas as criticas da comunidade latina são muitas. Várias organizações latinas nos EUA manifestam sua rejeição à nova norma.

Mas quem manda na língua afinal de contas? Seria de se esperar que pelo menos o mundo acadêmico tivesse algum respeito pelas instituições encarregadas pela norma culta da língua, antes de se meterem a impor ao espaço público  mudanças linguísticas sérias como esta.

A Academia Real Espanhola segundo o jornal El Clarin [3] já se pronunciou radicalmente contrária à adesão ao modismo. Dario Villanueva, o diretor diz que o problema não está na língua em si, mas em confundir a forma gramatical com machismo.

Americanos certamente não são conhecidos por sua humildade e, neste caso, claramente a academia americana expõe a sua arrogância impondo o seu modismo anglicista sobre a autoridade acadêmica máxima na gramática da língua espanhola.

Soto toca nas implicações sociais da necessidade de se mutilar a linguagem de um grupo étnico para torná-los “aceitáveis”. Muitos jovens latinos já perceberam que ao invés de empoderamento estão recebendo adestramento anglicista em nome da cultura woke.

Novamente o latino é posto numa condição inferior, tendo que se submeter à mutilação linguística para se adequar à moral estabelecida pelos anglo-saxões. Este quadro é bem conhecido pelas população latina na América.

Posso acrescentar ao que diz Soto outras fortes objeções  linguísticas. O gênero é parte integrante da morfologia de todos os substantivos (substantivos) em português, espanhol, francês, italiano etc. Para remover o gênero dos substantivos do idioma português, por exemplo, eu precisaria alterar o idioma inteiro, pois existe nenhum gênero neutro. Cada substantivo e adjetivo teriam que ter um X imposto sobre eles, tornando-os impronunciáveis.

As línguas românicas seriam deformadas perdendo seu fluxo natural, os falantes teriam que fazer um esforço enorme para apagar da linguagem a concordância entre adjetivos e substantivos. Imagine  a literatura, a poesia, toda a herança linguística latina marcada pela letra escarlate do “inapropriado” e quem sabe até do “imoral.”

Este desastre linguístico-político vai criar com certeza uma  insegurança linguística em toda uma geração de jovens e com ela um sério comprometimento cognitivo. Eu já trabalhei com povos indígenas muito pequenos que ficaram no meio entre a adoção da língua de fora e a fluência de sua língua materna. Eram um povo de meia-língua, não tinham o domínio de uma nem de outra.

O estrago que a mutilação de uma língua faz com o povo é enorme, já que o processo cognitivo está intrinsecamente ligado à  linguagem. É esse o preço que nós, latinos, temos que pagar pela inclusão nas normas woke de viver? Temos que tornar nossos filhos em criaturas estúpidas, incapazes de falar suas próprias línguas nativas?

O que os estudiosos de des-gênero estão efetivamente tentando transformar português e espanhol em  inglês, ou alemão,  línguas em que  a maioria dos substantivos é neutra, exceto aqueles que se referem a seres humanos específicos.

Na academia, a adesão cega a esse incômodo de des-gênero que agora é quase uma tendência obrigatória nas humanidades, pelos estudiosos de língua espanhola e portuguesa, na minha opinião, apenas exemplifica mais um exemplo de subserviência intelectual.

Ao invés de iniciar um diálogo sobre o assunto, ou pelo menos em discutir a aplicabilidade dessa ideia em línguas cuja estrutura morfológica requer o uso do gênero,  a maioria dos estudiosos latinos apenas inclinou a cabeça e aceitou as novas regras, como fizeram nossos ancestrais nos tempos coloniais.

Deixo aqui o meu apelo para que os brasileiros não sigam o exemplo dos latinos na América, mas que trabalhe para extirpar este modismo da nossa academia e da vida pública.

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[1] https://eu.usatoday.com/story/opinion/2019/10/25/latinx-race-progressives-hispanic-latinos-column/4082760002/

[2] Dupree, C. H., & Fiske, S. T. (2019). Self-presentation in interracial settings: The competence downshift by White liberals. Journal of Personality and Social Psychology, 117(3), 579-604.

[3] https://www.clarin.com/sociedad/todes-real-academia-espanola-puso-freno-lenguaje-inclusivo_0_Z7Xon96OQ.html

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