Judiciário

Google é obrigado a excluir das buscas nome de vítima de vazamento de vídeos íntimos

Caso foi atendido pela Defensoria Pública de Mato Grosso, que agora luta por uma indenização de 200 salários mínimos para a vítima

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Google é obrigado a excluir das buscas nome de vítima de vazamento de vídeos íntimos
(Foto: Assessoria Defensoria Pública de MT)

De um dia para o outro a gerente comercial Asha Miranda*, 35 anos, teve sua vida virada de ponta cabeça. Foi avisada por um colega de trabalho que vídeos e imagens íntimas dela estavam expostos em um dos maiores sites de pornografia do mundo. Seu nome e foto eram associados a eles na busca do Google.

Desesperada, ela procurou a delegacia e a Defensoria Pública de Mato Grosso. Este mês, teve sua primeira vitória na Justiça. O site de busca terá que tirar qualquer menção ao nome dela associado às imagens íntimas e a sites pornográficos.

O Google tem cinco dias após a notificação para cumprir a determinação. Caso contrário, terá que pagar multa diária no valor de R$ 1 mil.

Responsável pelo caso, a defensora pública Kelly Christina Veras Otácio Monteiro ainda pediu que a empresa indenize Asha no valor de 200 salários mínimos (R$ 1.045), por danos morais. Um pedido que ainda será julgado.

Pesadelo

O drama de Asha tem origem num namoro que, ela conta, teve início há 10 anos. Ela conheceu pelo Orkut um carioca que dizia se chamar Bruno Spinelli. Eles começaram a se relacionar virtualmente e, um ano depois dos primeiros contatos diários, ele pediu que ela se mostrasse.

“Naquela época eu não tinha celular, ele ligava na minha casa. Nos falávamos todos os dias, ele me pediu em namoro, nos víamos pela webcam e me mostrei em duas ocasiões. Depois disso, pedi que ele viesse para Cuiabá para nos conhecemos, o pressionei e ele sumiu por três meses. Quando voltou, veio dizendo que era um hacker e que se eu não o ajudasse a criar 20 perfis falsos no Orkut e 20 e-mails falsos, para atrair mulheres, ele exporia minhas imagens”.

Asha afirma que se negou e pediu ajuda a um amigo formado em Tecnologia da Informação.

“Esse amigo olhou meu computador disse que tinha um programa espião instalado, o que permitia a ele acessar meus dados. Ele conversou com o Bruno, como se fosse eu, dizendo que iria na Polícia. Então, ele falou que tinha mais de 100 vídeos de mulheres de todo o país e os boletins de ocorrência delas. E que, se eu fosse, não daria em nada, não era crime. Que ele tinha meu endereço e eu que perderia com a exposição”.

Asha, então, mudou de estratégia: disse que ao hacker que ele poderia fazer o que quisesse com as imagens. E deu certo. Ele respondeu que, deixá-la em pânico era seu objetivo e, já que ela não ligava, não via mais graça em expor os vídeos.

“Apaguei os e-mails, apaguei tudo, ele sumiu. Meu amigo me alertou que eu lidava com um hacker profissional. Por seis meses tive medo que ele fizesse algo, mas com o tempo, o medo passou”.

Imagem Ilustrativa (Foto: Freepik)

O retorno

No dia 16 de maio deste ano, no entanto, um colega de Asha a procurou e deu a notícia: dois vídeos dela estavam no site pornográfico Xvideos e haviam sido baixados e circulavam entre os colegas do trabalho.

“Na hora fiquei em pânico, lembrei do Bruno. Conversei com um advogado e ele me orientou a procurar a Polícia, pois em 2018 a divulgação de imagens íntimas, sem consentimento, virou crime e, agora, eu poderia fazer alguma coisa”.

Nos dias seguintes, Asha começou a receber ligações em seu celular de homens perguntando o valor do programa.

“Fiquei assustada, disse para um deles que eu não era garota de programa e ele falou que se eu não era mesmo, que tomasse uma providência, pois um anúncio colocava meu vídeo e telefone num site de programas de Cuiabá”.

Foi quando ela resolveu procurar a polícia. Asha à Gerência de Combate a Crimes de Alta Tecnologia (Gecat), onde fez os primeiros relatos. Lá, mostrou que seus vídeos foram postados nos maiores sites de pornografia do país, em 80 links diferentes. Quando digitava seu nome na busca da Google, eles apareciam.

Com ajuda da Gecat ela conseguiu que os vídeos forssem retirados dos principais sites. E a investigação foi passada para a Delegacia da Mulher.

Hoje a polícia tenta identificar o hacker e os responsáveis por baixar os vídeos em Cuiabá e fazer o anúncio de prostituição.

“É uma situação muito humilhante em todos os sentidos, na delegacia, no trabalho. O preconceito e o julgamento contra a vítima desses crimes é muito grande”.

A empresa onde Asha trabalha a apoiou. Ela foi afastada nos primeiros dias e, em reunião com outros funcionários, explicou que o caso estava na Polícia Civil e na Justiça. Todos foram avisados que quem distribuísse o vídeo internamente poderia ser processado.

“Vou identificar os que baixaram e fizeram o anúncio e esses, vou processar. Tenho um filho de 13 anos e um de quatro e meu pânico era que o adolescente descobrisse”.

Danos morais

Defensora pública Kelly Monteiro, responsável pela ação (Foto: Assessoria Defensoria Pública de MT)

A gerente conta que desde que a história veio à tona, tem vergonha e medo de falar seu nome completo, que o namoro de quase dois anos terminou e que, moralmente, sentiu o julgamento dos que tomaram conhecimento da história.

“Todo mundo hoje faz buscas no Google e se menciono meu nome, ele está lá, associado à sexo e pornografia. Meu namorado não suportou a pressão e desistiu de mim. Por várias vezes, senti os olhares de julgamento de colegas, mulheres e homens, no trabalho. A forma que encontrei para não adoecer foi não pensar no assunto e entender que eu fui vítima de um criminoso que ganha a vida usando e abusando de mulheres”.

A defensora que atua no caso explica que entrou com uma ação de obrigação de fazer, com pedido liminar, além de danos morais contra a Google, pois a empresa foi acionada pela vítima em maio e respondeu que a solicitação estava “em análise”.

“Em 2018, foi inserido o artigo 218 no Código Penal que torna crime oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, foto, vídeo, audiovisual que tenha cena de estupro, ou algo que induza à sua prática ou cenas de sexo, nudez e pornografia, sem o consentimento da vítima.  Isso é crime e traz danos irreparáveis para a imagem da pessoa”, explica a defensora.

O que fazer?

Coordenador de Inteligência e Segurança Institucional da Defensoria Pública de Mato Grosso, Fernando Lopes alerta que a primeira providência a ser tomada por uma vítima de compartilhamento fotos íntimas, sem autorização, é procurar a Polícia Civil e registrar o crime.

Ele afirma que esse é um momento de extrema importância para falar sobre o tema, pois a pandemia nos afastou fisicamente e ampliou nosso contato por meios tecnológicos.

“O período nos levou a maximizar o uso da tecnologia e é importante que as pessoas se preservem, evitando expor intimidades para pessoas desconhecidas e mesmo conhecidas, das quais não se tem certeza sobre a índole. Ao ter contato virtual e desenvolver afinidades, é fundamental saber onde a pessoa trabalha, o telefone dela, o e-mail, investigar o máximo para saber se a pessoa é de verdade ou se é quem diz ser. O ideal é não compartilhar, mas ao fazer, tomar cuidados para não cair nas mãos de criminosos”.

O caso de Asha tramita em sigilo, na  9ª Vara Cível de Cuiabá. A decisão liminar contra a Google foi dada pela juíza Sinii Savana Ribeiro e esse caso chegou à Defensoria Pública de Mato Grosso pelo serviço de Atendimento Online.

*Asha é um nome fictício, usado para preservar a intimidade da vítima.

(Da Assessoria)

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