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Esmola de São Benedito reforça tradição cuiabana

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Esmola de São Benedito reforça tradição cuiabana

Ednilson Aguiar/O Livre

Festa de São Benedito, o santo festeiro da cidade de Cuiabá

O devoto Nilson Arruda carrega a bandeira de São Benedito à frente da comitiva que circula pelas ruas de Cuiabá

Iniciada no último dia 8, a esmola dos devotos de São Benedito marca o começo da comemoração em homenagem ao santo, uma das maiores e mais tradicionais festas da baixada cuiabana. Percorrendo as ruas da cidade, uma comitiva segue acompanhada de uma pequena banda abençoando os católicos e recebendo doações para a festa e para a igreja. A caminhada segue pela cidade até o dia da festa, marcada para 1º de junho.

Nascida e criada na região da igreja de São Benedito, a rainha da festa deste ano, Enir da Silva Moreira, atribui a uma escolha divina o fato de ter sido selecionada pela comissão organizadora para ser a patronesse. Filha de dona Nympha Escolástica da Silva, uma cuiabana de tchapa e cruz que faleceu aos 105 anos no final de 2016, ela se coloca numa missão de dar continuidade aos costumes que moldaram a cuiabania no século XX.

“Isso aqui está fazendo agora 297 anos e não pode se acabar do dia para a noite. Isso aqui é nosso, sempre aconteceu. Os que moram em Cuiabá têm que aceitar o que é Cuiabá, o que é a festa de São Benedito, o que é a festa do Senhor Divino, as pessoas precisam entender que isso é tradição nossa”, discursou. Minutos antes, com seu jeito falante e articulado, ela resolvia uma reclamação de um vizinho que fora à administração da paróquia reclamar dos fogos de artifício lançados nas redondezas da igreja para anunciar a saída da bandeira do santo.

Ednilson Aguiar/O Livre

Festa de São Benedito, o santo festeiro da cidade de Cuiabá

A rainha da festa de São Benedito em 2017, Enir da Silva Moreira, em frente à igreja que homenageia o santo

A caminhada é longa. No início da manhã, a bandinha Prato da Casa, formada por saxofones, trombone, caixa, bumbo e bandolim, se reúne em frente à igreja chamando os fiéis. Por volta das 8h, o grupo sai com a bandeira e a coroa de São Benedito e circula pelas ruas da cidade até o final da tarde ao som de músicas religiosas e releituras da canções populares ao estilo das bandas de fanfarra.

Nas ruas, os lojistas recebem a bandeira, pessoas param para filmar, tirar fotos e, como estamos em 2017, fazer ‘selfies’ com a comitiva. A coordenadora da banda, Deize de Carvalho, conta que é preciso “preparar a alma e corpo” para aguentar a maratona realizada todos os anos.

Uma parte da tradição é que os devotos recebam a comitiva em suas casas. Há cerca de 50 anos, dona Demethilde Costa Barros recebe a benção em sua casa oferecendo o tradicional chá com bolo a quem acompanha a bandeira. Por dificuldades de saúde, agora é a filha Ana Maria Barros quem organiza a recepção aos festeiros com salgadinhos, água, refrigerante e um dedo de prosa em volta da mesa da cozinha enquanto a bandinha descansa no quintal.

Ana Maria reclama da mudança de data na festa deste ano. Tradicionalmente, a festa de São Benedito acontece antes da celebração a Senhor Divino, realizada pela arquidiocese da Matriz de Cuiabá. Em 2017, as datas foram invertidas. “Tradição é tradição e não se pode mudar porque, depois, quando quiser recuperar, não consegue”, reclamou.

Ednilson Aguiar/O Livre

Festa de São Benedito, o santo festeiro da cidade de Cuiabá

Famílias cuiabanas tradicionais recebem a comitiva em suas casas

Além dos festeiros, há também quem acompanhe a procissão como forma de agradecimento ou para reforçar os pedidos ao santo negro. Marlene Campos pede a São Benedito que proteja seu filho Pedro Paulo, que é usuário de drogas e está atualmente internado em uma clínica de reabilitação em Rondonópolis.

Nilson Arruda é outro devoto que busca uma conexão com São Benedito durante a procissão pelas ruas da cidade. Falando manso e com sotaque tipicamente cuiabano, ele conta que a caminhada com a bandeira já o ajudou a alcançar um milagre.

“Participo desde criança e djá recebi graça dele. Eu tive um câncer incurável, o médico me deu só cinco dias de vida, aí fartava três dias pra eu coordenar a visita da bandeira em meu bairro. Ele me deu arta e me mandô embora pra casa, que eu podia preparar. Quando saí do hospital, faltavam três dias pra mim. O pessoar me trouxe de carro aqui, e nesse dia eu acompanhei a bandeira tudinho, o dia inteiro. Desde esse dia, comecei a andar, me alimentar. Até ali, eu não podia nem fazer a cirurgia. Então foi uma graça de Deus e de São Binidito, a cura divina”, testemunha o devoto.

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O santo

São Benedito nasceu no Sul Itália por volta de 1500 e simboliza a seus devotos os valores de humildade e penitência. Negro, veio de família pobre, descendente de africanos, e fez votos de pobreza, obediência e castidade.

A devoção ao santo chegou a Cuiabá com os escravos que vieram acompanhando os bandeirantes na exploração do ouro. A igreja batizada em sua homenagem foi fundada por volta de 1730 à beira do córrego da Prainha e é um marco na fundação da capital. A festa, que já foi realizada em casas de festeiros, acontece anualmente no pátio da igreja e em seu entorno, no centro de Cuiabá.

Além dos católicos, São Benedito também é cultuado por religiões de matrizes africanas, o que pode ser comprovado por diversas oferendas feitas a ele no pátio da igreja em sua homenagem.

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