Há os que preferem as redes sob as árvores. Apesar dos traumas causados pelas dificuldades na Venezuela e os desafios que têm pela frente no Brasil, os imigrantes afirmam que estão gratos por terem um local onde podem comer, tomar banho e dormir.Emoção
Casada e mãe de duas crianças pequenas, a vendedora de seguros Blanca Perosa, de 37 anos, emociona-se ao lembrar o que viveu nos últimos tempos e evita recordar o que enfrentou em Pacaraima, quando os venezuelanos tiveram barracas e pertences queimados por brasileiros, revoltados após um assalto.
Blanca apenas agradece por ter conseguido se salvar com a família e disse que espera se mudar em breve para outro estado do país para que seus filhos possam ter uma vida digna.
“[Espero que] sigamos adiante, que eles [os dois filhos pequenos] tenham uma boa educação, que eles possam se formar, profissionalizar-se e possam exercer sua carreira. Na Venezuela, por mais que estude ou tenha uma profissão, infelizmente, não é possível se sustentar”, afirmou Blanca.
A venezuelana conta que foi muito bem recebida no Brasil antes do conflito e que as agressões não se justificam. “Não queremos usurpar os benefícios dos brasileiros. Queremos poder contribuir para o desenvolvimento do país. Não queremos roubar nada, queremos lutar pela nossa liberdade e dignidade de ser pessoas”, acrescentou.
Desafios
Do lado de fora dos abrigos, a sensação entre muitos moradores de Boa Vista é de que o governo está privilegiando os venezuelanos em relação aos brasileiros. É comum encontrar nas ruas da capital de Roraima pessoas criticando a chegada dos venezuelanos. As expressões utilizadas para definir os imigrantes são “invasão” e “praga”, entre outras depreciativas.
Agentes sociais que trabalham na assistência aos venezuelanos também já foram hostilizados. Ricardo Rinaldi, coordenador de emergências e assistência humanitária da organização não governamental Fraternidade, que abriga venezuelanos em Boa Vista e Roraima, relata que já teve dificuldades de conseguir desconto ou doação no comércio local para os imigrantes.
“Às vezes, a gente para nosso carro e eles dizem ‘vocês estão ajudando essas pessoas que não merecem ser ajudadas’”, contou Rinaldi.
Segundo os técnicos que trabalham com os imigrantes, o sentimento de animosidade é ainda maior na fronteira, onde ocorreram as agressões. “Em Pacaraima, a situação é mais crítica. A população lá tem um grau de xenofobia maior, parece. A nossa equipe já foi bem insultada por algumas pessoas”, relatou Ana Maria Moreira Bruzzi, gestora de relações institucionais da Fraternidade.
Alerta
O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) alerta que o fluxo migratório venezuelano inspira preocupação, não só no Brasil, mas em outros países da região e reconhece os desafios e as dificuldades da população de Roraima, principalmente pelo caráter forçado da migração dos venezuelanos.
No entanto, a agência da ONU ressalta que, apesar das dificuldades, a resposta brasileira ao fluxo migratório venezuelano tem sido considerada um modelo positivo e o fenômeno da migração pode trazer benefícios e oportunidades para o Brasil.
“Experiências mostram que fluxos semelhantes podem contribuir para o crescimento econômico da região, a visibilidade internacional e um enriquecimento sociocultural. Isso pode ser verificado nos três estados [Amazonas, Roraima e Pará] que receberam refugiados nos últimos meses”, informou.
Com relação ao conflito recente de Pacaraima, o Acnur espera que os responsáveis pelas agressões físicas e verbais sejam punidos e avalia que as reações violentas são geradas por desinformação.