A aposentada Maria da Penha Campos, de 66 anos, tem preenchido seus formulários de dados pessoais com a informação “ensino médio completo” desde março deste ano. Esse marco na vida de Maria representa a superação de obstáculos, preconceitos e humilhações enfrentados ao longo de sua trajetória escolar, marcada por dificuldades na realização de provas escritas devido à dislexia, diagnosticada apenas aos 49 anos.
O retorno ao ensino formal ocorreu por meio da matrícula na Educação de Jovens e Adultos (EJA) oferecida pelo Serviço Social da Indústria (Sesi). Maria avalia como moderno o método da instituição. Segundo a estudante, os professores mostraram que grande parte dos conteúdos ela já dominava porque aprendeu na prática com suas experiências de vida. E, apesar do diagnóstico de dislexia, teve o tratamento igualitário. Durante as aulas, conseguia fazer os exercícios propostos porque o ambiente era silencioso e recebia respeito, bem como um tempo adicional para realizar as provas.
Uma vida sem diagnóstico
Rememorando sua infância, Maria revela ter enfrentado violência física e rótulos pejorativos, sendo chamada de “burra” e “preguiçosa”. Naquela época, os professores não tinham conhecimento sobre a dislexia. A dificuldade para ler só foi superada aos 14 anos, com a ajuda de uma professora que aplicou uma técnica especial. “Ela trabalhava com deficientes e conseguiu me alfabetizar. Eu sei que não falamos assim hoje, mas era assim que chamavam naquele tempo”.
Sendo assim, após concluir o ensino fundamental, Maria ingressou no mercado de trabalho, enfrentando desafios e alcançando posições destacadas. Contudo, a suspeita de dislexia surgiu quando uma chefe observou dificuldades na escrita dos relatórios de Maria. O diagnóstico foi confirmado aos 49 anos, após ela se identificar em uma reportagem sobre o tema na TV. A partir desse momento, a busca por ajuda médica resultou no diagnóstico de dislexia, revelando um caminho de superação.
A vergonha de não ter o diploma do ensino médio sempre permeou a vida de Maria, vinda de uma família de professores. Então, aos 65 anos, ela decidiu procurar o Sesi. Lá, ela compreendeu que fatores como barulho e cobrança na escola a afastavam do aprendizado. Na EJA, Maria encontrou um ambiente mais propício, sem pressões desnecessárias, onde os professores têm paciência para explicar os temas de forma atualizada e relacionada ao cotidiano.
Respeito aos estudantes com dislexia
A professora da EJA, Clariana Rosa da Silva Ferreira, destaca o trabalho realizado para adaptar Maria ao letramento digital. Portanto, o primeiro passo foi aprender a lidar com o computador e com a plataforma do curso. Essa habilidade é essencial para o desenvolvimento do aluno, uma vez que 80% das aulas são via plataforma e 20% são presenciais, com atendimento individualizado. Vale acrescentar ainda que a metodologia do Sesi reconhece os saberes adquiridos ao longo da vida do estudante, associando-os à grade curricular.
Maria concluiu o curso em fevereiro de 2023, eliminando disciplinas na primeira etapa e destacando-se como exemplo de superação. O Dia Nacional de Atenção à Dislexia, celebrado em 16 de novembro, destaca a importância da conscientização sobre o diagnóstico e tratamento precoce desse transtorno de aprendizagem, evitando estigmas e promovendo um ambiente inclusivo.