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Casos de estupro aumentaram 55% em Cuiabá em 2017

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Casos de estupro aumentaram 55% em Cuiabá em 2017

Reprodução/Pixabay

mulher medo

Em Mato Grosso foram registrados 28 casos a mais do que em 2016 

O número de casos de estupros registrados em Cuiabá aumentou 55% no último ano, pulando de 36 em 2016, para 56 em 2017. Em Mato Grosso, a realidade não é muito diferente: de 255 em 2016, os casos aumentaram para 283 no último ano. Uma realidade que assusta a todos, mas em especial quem já foi vítima.

Os dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), obtidos em primeira mão pelo LIVRE, chocaram a jornalista Luana*, de 38 anos, que em 2006 foi vítima de uma tentativa de estupro no estacionamento do trabalho.

“Quando eu vejo os números eu sinto muito. Primeiro porque a cultura do estupro passa por uma palavra muito simples, que se chama educação”, disse a jornalista.

Ela lembrou de diversos casos conhecidos da internet, como os estupros coletivos com meninas adolescentes, ou mulheres que são estupradas quando estão saindo do trabalho, e que, além do trauma da violência, ainda recebem dezenas de comentários como se elas tivessem alguma culpa.

“’Mas olha a roupa que ela estava vestindo’, ‘olha o horário que ela estava andando na rua’, ‘ah, mas se ela não estivesse, aí não ia ter acontecido isso’. Enfim, não interessa, ninguém pode tocar em uma mulher se ela não permitir”, disse.

“Então me entristece muito que as pessoas ainda não criem seus filhos para não cometer esse tipo de atrocidade, porque é um crime que fica para sempre na memória de quem passa por ele”, completou.

O Livre

Dados estupros

O caso em 2006

“Eu narro com a certeza de que foi um dos momentos mais difíceis e mais traumáticos na minha vida”, disse a jornalista, depois de lembrar de tudo que viveu.

Há 12 anos ela saía do trabalho, em um dos maiores jornais impressos de Mato Grosso, por volta das 17 horas, empolgada por ter conseguido uma entrevista exclusiva.

“Eu narro com certeza como se fosse um dos momentos mais difíceis e mais traumáticos na minha vida”

O estacionamento do jornal era do outro lado da rua e, como ela havia chegado muito cedo, seu carro estava bem no fundo do terreno. Um homem bem vestido a seguiu e, quando ela estava entrando em seu carro, ele se aproximou.

“Ele estava com um objeto no bolso, eu não consegui identificar se era uma faca, ou um revólver, e mandou eu ficar quieta”, conta Luana*.

Por achar que era um assalto, ela jogou a bolsa e a chave do carro e disse: “pode levar”. Porém, o homem continuou indo atrás dela, dizendo que, se ela gritasse, a mataria.

“E eu achava que ele continuava vindo porque queria pegar a bolsa e a chave que eu joguei, mas ele passou direto e, quando eu estava atrás do carro, ele me derrubou no chão e começou a tentar tirar minha roupa. Ele colocou o joelho em cima do meu diafragma de tal forma que eu mal conseguia respirar ou gritar”.

Ela lembra até hoje da roupa que estava vestida, um terninho branco. Quando o homem conseguiu tirar a parte de cima do terno e foi tentar puxar sua blusa, o joelho dele saiu um pouco do diafragma da jornalista, que conseguiu gritar.

“Foi nesse momento que ele começou a me bater muito; ele arrancou toda a lateral do meu cabelo e rasgou minha orelha. Ele batia na lateral e puxava. Numa dessas, quando ele foi colocar a mão na minha boca para eu não gritar, eu consegui morder a mão dele e aí que ele me batia mais e começou a me xingar: ‘solta, sua vagabunda, senão eu vou te matar’”, contou.

“Ele arrancou toda lateral do meu cabelo e rasgou minha orelha, ele batia na lateral e puxava”

O tempo todo, segundo Luana, tudo que ela conseguia pensar era em se preservar. Decidiu que entraria em luta corporal com o estuprador, que podia morrer, mas não seria estuprada.

O terror continuou até que um homem ouviu seu grito e entrou no estacionamento. Uma pessoa que ela diz ter sido um anjo na sua vida, mas que ela nunca descobriu quem era.

“Uma pessoa entrou no estacionamento e, como era cascalho, quando ele ouviu a pessoa andando, ele falou assim ‘solta minha mão agora e fica quieta aí, porque eu vou embora, senão eu volto pra te matar’”.

O estuprador saiu de cima dela e pouco depois ela conseguiu se levantar, toda ensanguentada, por causa do rasgo na orelha e do couro cabeludo arrancado.

“Aí eu gritei, pedi socorro, e esse cara – não tinha carro no estacionamento, ninguém sabe quem é – segurou ele e, nesse mesmo momento, o marido de uma funcionária do jornal, que era policial civil, vinha chegando para buscá-la no trabalho e conseguiu prendê-lo”, contou.

Ela correu e retornou para seu trabalho. Todos foram para a rua e as pessoas tentaram linchar o homem quando souberam que se tratava de uma tentativa de estupro.

Durante meses, quase um ano, Luana viveu as lembranças de um grande trauma: em qualquer lugar, se alguém se aproximasse, ela tremia, com medo de essa pessoa a fazer mal, ou a estuprar. Ela fez tratamento psicológico por um ano e, após a condenação, começou a superar.

Ele não foi preso pela tentativa de estupro, mas sim por outras passagens em vários outros crimes. À época, a lei ainda não tinha mudado e, se o ato não fosse consumado, não era julgado como “crime hediondo”. Desde 2009 a lei brasileira mudou.

2018

Com menos de um mês depois do início do ano, diversos crimes de estupro já foram registrados em Mato Grosso. Alguns deles, assim como o de Luana, associados a extrema violência física.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Somente nos primeiros 20 dias deste ano, mais de dez casos já foram registrados em MT

Na madrugada do dia 03, em Rondonópolis (214 km de Cuiabá), um homem pulou o muro de uma residência. A dona da casa foi olhar, achando que era seu marido, e encontrou o suspeito nu.

Ela se trancou no quarto. Ele tentou arrombar a porta e gritou, ordenando que ela destrancasse a porta, porque sabia que seu marido não estava e queria “conversar com ela mais intimamente”.

O suspeito levou alguns objetos, se vestiu de uma roupa na casa e fugiu. No outro dia, ele retornou e foi encontrado pelo marido da vítima, trancado em um dos cômodos da casa, sem roupa e com uma faca na mão. O homem será indiciado por tentativa de estupro e roubo.

Na noite do dia 06, em Pontes e Lacerda (449 km da Capital), uma mulher chamou a Polícia Militar. Ela foi encontrada com a roupa rasgada e muito assustada. A vítima contou as policiais que estava indo para casa, quando um carro parou e o motorista ofereceu carona para ela.

Ela pensou ser um vereador da cidade e aceitou. Ao entrar no carro, viu que era outra pessoa, tentou descer, mas ele a ameaçou, dizendo que se saísse passaria com o carro em cima dela.

O criminoso foi até um local isolado, parou o carro e a estuprou de todas as formas possíveis, batendo nela e a enforcando. O ato, segundo a vítima, durou mais ou menos uma hora, até que ela começou a lutar com o suspeito – que rasgou sua blusa – e correu. Durante a fuga ele ainda ameaçou matá-la.

A polícia encontrou o criminoso dentro do carro, a um quilômetro da cidade. Ele estava alcoolizado e com os pertences da vítima, como roupas íntimas, chinelo, bermuda e uma sacola com coisas que ela tinha comprado no mercado.

No dia 10, em Arenápolis (233 km de Cuiabá), uma mulher foi estuprada na casa do patrão. Ela trabalhava lavando roupas nas casas dos clientes.

No fim do dia, o patrão ofereceu bebida alcóolica para a vítima, que aceitou. Depois de um tempo, ele disse que queria ter relações sexuais com ela e que, se ela não aceitasse, a espancaria.

Ela se negou, foi espancada e estuprada. Após o crime, ele a libertou, porém, ela ficou bastante lesionada.

No último sábado (20), em Lucas do Rio Verde (322 km da Capital), uma mulher acordou em sua casa, bastante nervosa, sem suas roupas íntimas e com vestígios pelo corpo e nos lençóis de que houve uma relação sexual.

Ela havia ingerido bebida alcóolica junto ao suspeito, que acabou dormindo na casa. A vítima não se lembra do que aconteceu. Ter relações com uma mulher que não esteja consciente dos seus atos também é considerado estupro.

Ela e o marido, que não estava na residência no momento do crime, estão em processo de separação, mas ainda dividem o mesmo quarto, porém camas diferentes. Foi ele quem prestou queixa do crime.

Todos esses casos foram registrados – e o LIVRE teve acesso aos boletins de ocorrência não só desses, como de muitos outros casos de estupro em 2018. É por essas mulheres que Luana, a jornalista vítima em 2006, transformou sua dor em luta.

“Eu hoje procuro canalizar, da maneira que eu posso, tudo isso que eu vivi na defesa da mulher. A gente não é sexo frágil, mas infelizmente ainda estamos sujeitas a esse tipo de coisa”, disse.

* O nome Luana é fictício e foi utilizado para a preservação da identidade da vítima.

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