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A Privatização da Eletrobrás e a conta de energia elétrica!

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A Privatização da Eletrobrás e a conta de energia elétrica!

O Tribunal de Contas da União-TCU aprovou recentemente a continuidade do processo de privatização da Eletrobrás, maior empresa do ramo da América Latina, estatal que atua nas áreas de geração e transmissão de energia elétrica. Trata-se de uma empresa criada em 1962, de capital aberto, que tem como acionista majoritário o governo federal. Com a aprovação do TCU, a empresa, agora, deve passar pelo protocolo de operação na Comissão de Valores Mobiliários. A expectativa é que o a venda de ações renda cerca de R$ 67 bilhões à União.

A empresa possui cerca de 30% da geração (51 Giga Watts de um total no país de 175 Giga Watts) e cerca de 40% do sistema de transmissão no país (74 mil quilômetros de linhas da Rede Básica em alta e extra alta tensão de 230 a 800 kV de um total de 170 mil quilômetros no país). São números muito expressivos e representativos para o Sistema Interligado Nacional-SIN. Um terço da geração e quase metade da malha de transmissão de energia elétrica do país!

O sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidro-termo-eólico de grande porte com predominância de usinas hidrelétricas. O conjunto de vários fatores é que contribui para a existência de um bom sistema elétrico. No caso, é a capacidade de geração por diversas fontes associada a um sistema interligado composto de várias linhas de transmissão que interligam as várias regiões do país que possibilitam maior confiabilidade, continuidade, estabilidade, flexibilidade e segurança operacional. Temos robustez e flexibilidade operacional no sistema de transmissão e uma matriz de geração invejável composta por mais de 80% de fontes renováveis. Neste contexto, a Eletrobrás, presente em todas as regiões do país sempre alavancou os grandes projetos para o desenvolvimento e vem dando sua contribuição para o sucesso deste sistema elétrico. Mais de 90% da geração de suas usinas são de fontes limpas/renováveis com forte predominância de hidrelétricas (mais de 90%), com baixa emissão de gases de efeito estufa.

A grande maioria dos consumidores de energia elétrica desconhece os verdadeiros impactos na conta de energia elétrica que este processo poderá acarretar. A conta diminuirá ou não? É preciso que a sociedade se interesse em conhecer o que poderá vir pela frente! Quando foram prorrogadas as concessões de hidrelétricas que estavam vencendo em 2012 no governo Dilma, no regime de cotas, foi estabelecido um valor de R$ 75 reais por MWh (Mega Watt hora). Com a privatização, acaba gradativamente o regime de cotas ao longo de cinco anos (a cada ano 20% deixa de ser por cotas e vai para o mercado), ou seja ocorrerá a “descotização”, onde a energia elétrica será vendida a preços de mercado, algo hoje em torno de R$ 150 reais por MWh, ou seja, pelo dobro.

Especialistas têm alertado que a redução das tarifas de energia elétrica pode ser pequena e por pouco tempo. Do total que será arrecadado, R$ 32 bilhões serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético-CDE. Esse montante será pago ao longo de 25 anos, com R$ 5 bilhões no primeiro ano. A CDE é um fundo bancado pelos consumidores via tarifa de energia elétrica. A conta de 2022 foi orçada em R$ 32,1 bilhões. Então, espera-se que este valor destinado a CDE com a privatização não faça muita diferença. No primeiro ano pode ocorrer uma pequena redução, mas ao longo dos vinte e cinco anos este valor será diluído fazendo pouca diferença no preço das tarifas.

Por outro lado ainda, o processo veio com os “jabutis” inseridos no texto do processo de privatização pelo Congresso Nacional-CN. Estes “jabutis” incluídos distorceram a proposta original do governo. Assim, estas alterações do CN estabeleceram a contratação de usinas termelétricas movidas a gás natural para fornecimento de 8 GW (Gigawatts) de energia por 15 anos, com mais um absurdo, que as usinas estejam instaladas em localidades das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, em locais que não possuem ainda infraestrutura de transporte de gás natural, trazendo mais ônus para o consumidor arcar, como investimentos na construção de gasodutos e linhas de transmissão. “Todo esse investimento em infraestrutura e logística vai tornar as usinas térmicas financeiramente inviáveis. Não existe lógica por trás dessa decisão, que só vai beneficiar grandes empresários”, avalia o professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo-USP, Célio Bermann.

O Congresso Nacional também incluiu no texto a prorrogação, por mais vinte anos, dos contratos das usinas construídas no Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica-Proinfa, implementado em 2004. Sem dúvida um bom Programa, mas que já cumpriu seu papel depois de dezoito anos. De acordo com o professor Maurício Tolmasquim da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, “Essa decisão não tem fundamento. Com a quantidade de projetos, empresas privadas e usinas novas que temos hoje no país, renovar o contrato de usinas antigas, muito menos eficientes, não tem sentido. Quem vai pagar a diferença é o consumidor”.

Ora, existe a Empresa de Pesquisa Energética-EPE, responsável pelo planejamento do setor elétrico brasileiro que se utiliza de sofisticadas metodologias e o Congresso interveio gerando distorções neste planejamento causando aumento de custos para o consumidor de energia elétrica.

Ainda assim, o governo estima que pode haver redução de até 7,36% na conta de energia elétrica com a privatização da empresa, porém, especialistas do setor elétrico mão apontam isto. Para Hugo Lott, da Grid Energia “uma eventual redução na conta de luz seria pequena e temporária”. Ele explica que “parte do valor de venda da estatal será destinada ao barateamento das tarifas, mas o impacto só deve ser sentido nos primeiros anos após a privatização da estatal”.

A Eletrobrás representa cerca de 30% da geração e 40% da transmissão no país como ressaltado anteriormente, mas seus investimentos não chegam a 10% das necessidades do mercado, o setor elétrico como um todo está com a expansão limitada, dizem fontes de mercado. “Pelo tamanho e presença nacional que tem, a Eletrobrás deveria estar participando de mais projetos de expansão da matriz energética do país. Mas, hoje, a companhia não investe em crescimento, apenas na base. A privatização ajuda a tirar uma das grandes incertezas que o setor tinha, que era o direcionamento de uma empresa estatal num mercado liberalizado”, segundo Marcelo Sadri, sócio e analista da Perfin.

De acordo com José Antônio Sorge da Ágora Energia, a Eletrobrás é um ativo estratégico para o setor elétrico, mas este fato não deve ser motivo para que não seja privatizada. Os recursos para a expansão da oferta de energia atualmente feita através dos contratos nos leilões regulados ou através do mercado livre de energia são majoritariamente privados, e o governo deter o controle estatal da empresa, somente levará a continuidade da queda de market-share no mercado, e na atual incapacidade de investimentos novos da empresa”.

E o consumidor, como fica para além da privatização da Eletrobrás? Sabemos que energia elétrica é um serviço essencial, num cenário em que os consumidores assumem atualmente todos os riscos do negócio do setor elétrico e em contra partida as empresas vem apurando altos lucros dentro do regramento atual da ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica em 2020 e 2021, e em plena pandemia. Muitas com contratos de concessão onde seus custos são corrigidos pelo IGPM, um índice atualmente inadequado para este tipo de negócio. Mudanças são necessárias no atual modelo regulatório que é atrasado e ineficiente contribuindo para uma conta de energia elétrica cada vez mais cara.

É um grande desequilíbrio onde ninguém perde de um lado e do outro lado o consumidor paga por tudo na ponta deste negócio.
Os subsídios e encargos crescem a cada ano (vejam a conta CDE-Conta de Desenvolvimento Energético de R$ 32 bilhões para 2022, um aumento de 54% em relação a 2021), empréstimos e mais empréstimos, Conta Covid, Conta Escassez Hídrica e por aí vai, tudo nas costas somente do consumidor, vai tudo embutido na tarifa. Cada agente desta cadeia desde a geração da energia, passando pela transmissão, distribuição, governo e consumidor final deveriam assumir sua parcela de contribuição, nos riscos do negócio e não somente os já tão fragilizados consumidores. É preciso alocar de forma justa os custos e os riscos do negócio. Por exemplo, alguns encargos/subsídios não fazem sentido a não ser que sejam bancados pelo orçamento da União e não pelos consumidores, pois são destinados a manter e expandir políticas públicas e sociais, algumas legítimas (tarifa social para baixa renda) e outras não (carvão mineral altamente poluente, irrigação, sistemas isolados movidos a diesel, serviços de água/saneamento e etc). Em média os impostos (ICMS, PIS e COFINS) e Encargos/subsídios, representam quase 40% da conta de energia elétrica e seria um bom começo esta discussão pelo Congresso Nacional para se reduzir a conta de enrgia elétrica no país.

Este modelo tarifário atual, na verdade um monopólio natural está esgotado, precisa ser revisto e que possa ser mais justo e aderente à realidade econômica dos consumidores. É urgente a necessidade da modernização do setor elétrico e a abertura do mercado livre para todos os 88 milhões de consumidores cativos do país que atualmente somente podem adquirir sua energia das distribuidoras locais. Existe o Projeto de Lei PL 414/21 em tramitação no Congresso Nacional que engloba o antigo PLS do Senado 232/16 que trata dentre outras coisas da modernização do setor elétrico, da separação da energia da comercialização e abertura do mercado livre para todos os consumidores cativos. Um esforço grande deve ser feito pelo Congresso para aperfeiçoa-lo e aprová-lo sem prejudicar esta modernização, sem “jabutis”. É preciso compromisso com a racionalidade econômica, pois o atual modelo regulatório tarifário de energia elétrica está esgotado como ressaltado anteriormente. Os riscos do negócio atualmente recaem sempre para os consumidores gerando uma conta cada vez mais cara. O que vem sendo observado é o caminho mais fácil, “joga-se tudo para o consumidor pagar”.

Por fim, com a conta de energia elétrica tão alta, pesando cada vez mais no bolso do consumidor, recomenda um esforço de toda a sociedade, congresso e governo. Cada parcela da conta de energia elétrica merece ser analisada para se potencializar a redução da conta para o consumidor: energia gerada, transmissão, distribuição, impostos, encargos e subsídios. Somemos a isto a necessidade de se olhar pelo lado do consumo, explorando mais a eficiência energética para redução das perdas elétricas nos equipamentos e a necessidade de uma gestão do consumo em tempo real, que requer instrumentos eficientes e inteligentes de gestão à disposição dos consumidores, como a implementação já dos medidores inteligentes. Enquanto em vários países os consumidores concentram na palma da mão suas escolhas energéticas com recursos tecnológicos para economizar energia, seguimos atrasados. Não adianta privatizar a maior empresa e a mais estratégica do setor elétrico do país e o consumidor não ser beneficiado ou não ser devidamente considerado com uma tarifa mais justa e com qualidade da energia à altura que paga, pois é ele que remunera e mantém toda a cadeia funcionando. O consumidor deve ser o centro, com mais poder e autonomia, pagando uma conta de energia elétrica que seja mais justa para todas as partes envolvidas!

 

**Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-CONCEL MT.

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