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A liberdade religiosa e os contratos de trabalho

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A liberdade religiosa e os contratos de trabalho
(Foto: Arina Krasnikova / Pexels)

Carla Reita Faria Leal
Waleska M. Piovan Martinazzo

 

A liberdade de religiosa, ou a liberdade de crença, é assegurada pela Constituição Federal e deve ser respeitada por todos, aí incluídos os empregadores com relação aos seus empregados.

Todos sabemos que a religião sempre foi um assunto que despertou intenso debates, sendo que a diversidade de crenças e de opiniões faz com que seja ponto de discórdia e até mesmo pretexto para se matar ou morrer, sendo motor de várias guerras e de atos de violência ao redor do mundo.

A liberdade religiosa é o direito humano e fundamental de toda pessoa de escolher ter ou não uma crença, por sua íntima convicção. Escolhendo tê-la, tem o direito de exercê-la ou manifestá-la, sem qualquer limitação ou coação.

Trata-se de expressão da personalidade da pessoa, que possui base na dignidade humana, que, por sua vez, é um dos fundamentos da República brasileira. Assim, a liberdade religiosa não pode ser cerceada, por indivíduos, grupos ou mesmo uma autoridade pública.

Por outro lado, o trabalho é meio de sobrevivência das pessoas, constituindo-se em elemento que deve garantir vida digna para aqueles que dele dependem, sendo o empregador responsável em assegurar um meio ambiente do trabalho saudável, seguro e livre de qualquer discriminação ou intolerância, dentre elas aquela referente à crença religiosa.

Recentemente o TRT da 3ª Região, que tem jurisdição no estado de Minas Gerais, enfrentou o tema e condenou por danos morais um supermercado que dispensou uma trabalhadora após ela ter se recusado a participar de ritual religioso.

Na ação, a trabalhadora alegou que o gerente do estabelecimento passou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual religioso que ocorria antes do expediente. Passou ainda a persegui-la, até que houve a demissão por justa causa, também questionada e afastada na ação.

No curso do processo, testemunhas confirmaram que aqueles que não participavam do ritual religioso eram advertidos verbalmente.

Segundo o relator do processo no TRT 3, ficou claro pelas provas que o gerente desrespeitava as convicções religiosas dos empregados de forma habitual, impondo-lhes coativamente prática de culto. Ele chamou a atenção para o estado de sujeição em que se achavam os empregados, economicamente frágeis e dependentes da fonte de renda oriundo de seu empregador.

Diante disso reconheceu que a empresa impunha, de alguma forma, temor psicológico aos empregados. Afinal, caso não participassem do culto, acabavam sendo alijados da dinâmica da empresa, já que, durante o ritual, eram discutidos assuntos relativos às metas empresariais.

Por fim, entendeu-se que, ainda que não fosse imposta diretamente a participação no culto, a empresa fazia do ambiente de trabalho um espaço de promoção de crença religiosa, constrangendo a empregada a participar de seu ritual e violando sua liberdade de crença, a sua intimidade e a sua dignidade.

A constatação de que a empresa submetia coletivamente seus empregados a ritual de cunho religioso no local de trabalho, com violação de suas garantias individuais de liberdade de crença, ensejou determinação de expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para eventuais apurações e providências.

Fica claro pela leitura do julgado que, muito embora o empregador tenha o poder diretivo em relação ao empregado, dirigindo a sua prestação laboral, esse poder não pode ser exercido de forma abusiva, violando a liberdade de crença de seu empregado e o discriminando se este não aceita a crença que lhe é imposta. Da mesma forma, o empregado deve respeitar a liberdade de crença dos demais colegas, sob pena de também exceder em seu direito de crença e eventualmente responder por esse abuso.

*Carla Reita Faria Leal e Waleska M. Piovan Martinazzo são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

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