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Trabalhador perde dedos em triturador de ração e Justiça identifica trabalho escravo em Cáceres

Um trabalhador precisou ser socorrido por vizinhos após ter os dedos amputados em um triturador de ração.

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Trabalhador perde dedos em triturador de ração e Justiça identifica trabalho escravo em Cáceres

A situação do trabalhador ao dar entrada na emergência chamou a atenção dos profissionais da unidade de saúde de Cáceres. Com três dedos da mão esquerda amputados em acidente com um triturador de ração para gado, o homem era conduzido por vizinhos da propriedade rural onde trabalhava.

As circunstâncias do acidente, os empecilhos para conseguir socorro e as dificuldades relatadas pelo trabalhador levaram a unidade de saúde a acionar o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), que identificou indícios de trabalho análogo a de escravo.

A fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho confirmou a condição degradante a que o trabalhador era submetido. O alojamento, composto apenas por um cômodo sem ventilação, uma cama e um colchão, não dispunha de banheiro, obrigando-o a realizar suas necessidades fisiológicas ao ar livre e tomar banho no quintal. Os fiscais apuraram que, nos dias em que os donos estavam na propriedade, o trabalhador era trancado no quarto durante a noite.

A situação já perdurava por quatro anos quando o acidente ocorreu em agosto de 2021. O trabalhador operava um triturador com as partes energizadas expostas e sem proteção adequada. Sozinho na propriedade, buscou ajuda junto a um vizinho para os primeiros socorros.

Durante a inspeção, os fiscais encontraram o trabalhador sozinho na fazenda, mesmo necessitando de cuidados devido à amputação recente. A porteira estava trancada e o trabalhador não tinha acesso à chave.

O caso chegou à Vara do Trabalho de Cáceres por meio de uma Ação Civil Pública ajuizada em abril de 2023 pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pedindo a condenação do casal em diversas obrigações para proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, além de indenização por dano moral coletivo.

Locomoção limitada

Além de condições degradantes, o MPT destacou a limitada locomoção do trabalhador, que vivia isolado a 50 km da cidade, dependendo do empregador para deslocar-se. Ficou constatado que ele só conseguia ir para a cidade quando o empregador o levava na carroceria de seu automóvel.

O vínculo de emprego foi encerrado depois que o trabalhador retornou da internação após o acidente. Sozinho e incapaz de desempenhar suas funções, foi levado para a cidade e abrigado temporariamente na Casa de Passagem municipal.

O MPT relatou ainda que, apesar de instados por três vezes pelos fiscais do trabalho para regularizar a situação trabalhista do caseiro, os proprietários se negaram a fazer e que a omissão continuou mesmo após serem notificados.

Os fiscais constataram que além de caseiro, o trabalhador também era responsável por tratar os animais da propriedade, como gado, porcos e galinhas. No entanto, somente recebia o pagamento de diárias quando realizava outras funções, como consertos de cerca e roça de pasto. Nessas ocasiões, recebia R$25,00 pelo dia de trabalho, quantia que foi alterada para R$30,00 no último ano. “O empregado, além de não ter sua CTPS anotada e seus demais direitos trabalhistas, recebia montante bem distante do valor do salário mínimo”, frisou o MPT.

Trabalho escravo

O juiz Anésio Yssao concluiu que o trabalhador foi submetido à condição análoga a de escravo. “Existem provas suficientes no sentido de que a parte ré não observou os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho, função social da propriedade e a redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, ao submeter o trabalhador a condições degradantes no ambiente de trabalho, bem como sem qualquer instrução e/ou fornecimento de EPI”, destacou o magistrado.

O juiz também reconheceu que a conduta dos proprietários da fazenda contrariou os valores da coletividade e condenou ambos em R$ 50 mil por dano moral coletivo. “As violações comprovadas nos autos não estão ligadas apenas aos trabalhadores que ordinariamente laboram no estabelecimento empresarial, mas também de toda a sociedade, portanto, merecem reparos”, explicou.

A sentença impõe uma lista de obrigações aos empregadores. Dentre elas, não manter trabalhador em condições degradantes em qualquer de suas propriedades, sob pena de multa de R$50 mil, e garantir alojamento e moradias em condições seguras, além de instalações sanitárias com lavatórios, vasos, chuveiro e água limpa. Para cada item descumprido, foi fixada multa de R$20 mil.

A lista determina ainda que os proprietários forneçam máquinas e equipamentos com dispositivos e sistemas de segurança e que garantam aos trabalhadores EPIs e treinamento para utilização de maquinário, com multa de R$20 mil em caso de descumprimento.

Indenização ao trabalhador

O caso gerou ainda outro processo na Vara do Trabalho de Cáceres, com pedidos de pagamento dos direitos ao ex-empregado. Ajuizada pela Defensoria Pública, a reclamação trabalhista requereu a condenação do casal de proprietários ao pagamento de verbas e indenização por dano moral individual ao trabalhador rural.

O juiz reconheceu o vínculo de emprego na função de serviços gerais e determinou o pagamento de saldo de salário, aviso prévio, FGTS e o valor referente a um ano de estabilidade pelo acidente. Também condenou os proprietários a pagar 100 mil reais pelo dano moral decorrente do trabalho análogo a de escravo e 50 mil reais pelo dano moral resultante do acidente de trabalho.

Dia Nacional

28 de janeiro é o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data faz referência ao assassinato, em 2004, de três auditores fiscais do trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho durante averiguação sobre denúncias de trabalho escravo em fazendas de Unaí (MG).

Confira decisão

(Com Assessoria)

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