Educação

Piso dos professores: o dinheiro resolve a ineficiência do ensino público?

Novo piso de salários para professores, abaixo do que já é pago por alguns estados, mostra que a relação não é automática

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Piso dos professores: o dinheiro resolve a ineficiência do ensino público?
(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

O Ministério da Educação (MEC) atualizou na semana passada o piso dos professores para 2023, de R$ 3,845 para R$ 4.420. Reajuste de 14,95% em relação ao ano passado. 

A mudança não desagrada aos professores e sindicalistas representantes trabalhistas da educação, pois ela segue a política de salários. A agenda financeira é apontada como um dos principais fatores para alavancar a qualidade do ensino no país. 

Mas, essa conversão é automática? Há números que indicam que não. Mato Grosso é um dos estados com média salarial dos professores acima do piso nacional. Um professor com grade de aulas de 40 horas semanais recebe R$ 5.024,07. 

A avaliação

O salário acima do piso nacional, contudo, não reflete em ensino aprimorado. A nota média da aprendizagem no estado está dentre as piores. A situação estava ruim antes mesmo da pandemia, de 2020 em diante, segundo os resultados dos alunos em provas do MEC. Se contar todos os estados, Mato Grosso não passa da 20ª posição.

O resultado do Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021 ainda mostra uma situação ruim. A Secretaria de Estado de Educação (Seduc) disse na semana passada que em 2022 o índice melhorou. Ainda assim, a escala até ao topo da montanha é longa. 

Os números também mostram que o esforço para subir deverá ser grande. O resultado da aprendizagem dos alunos piora conforme eles avançam para o fim do ensino médio. A queda aparece nos dados do Ideb e da Seduc.

As notas são mais altas do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, com média na casa de nota 5, e mais baixas do 1º ao 3º ano do ensino médio. Nos três últimos anos da educação básica, os alunos não chegaram nem à média 4. 

O novelo embaraçado 

São esses dados que colocam em dúvida a relação salário e qualidade do ensino tão ressaltada por sindicatos. O doutor em educação e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Silas Monteiro diz que “a sobrevivência dos professores” deve ser um quesito importante a ser considerado.  

Como em outras profissionais, as condições precárias para se manter em pé afetam o rendimento de qualquer profissional. Mas, a qualidade desse rendimento não melhora simplesmente porque o salário subiu. 

“Triplicar o salário de hoje para o mês que vem não significa que o rendimento do profissional também vai melhorar. No caso do professor, é preciso uma formação contínua de atualização do conhecimento geral quanto na área específica de cada professor. Ele precisa saber lidar com as mudanças no mundo, com tecnologia, e ter uma linguagem apropriada para cada momento”, disse. 

O doutor aponta o tripé, associado a um bom salário, como fator para se começar a ter uma melhora consistente na formação do futuro. Um quarto critério é a condição social dos alunos. Se o ambiente familiar e social é precário, o rendimento do aluno deve ser ineficiente. 

O tempo é um quinto elemento a ser ponderado. O professor diz que não existe uma estimativa fechada de quanto anos são necessários, em um cenário ideal de ensino, para as mudanças começarem a mostrar resultados. Para Silas, uma década não é uma estimativa absurda. Pelo contrário, é projeção por baixo. 

“Problemas que começaram a ser discutidos no fim da década de 1960 estão em debate até hoje. E não há nenhuma mudança consolidada. É razoável se esperar 12 anos para que os resultados apareçam em qualquer alteração de trajeto no ensino”, comenta. 

Currículo das artes liberais e do ensino moderno 

As dificuldades não param por aí. O sistema de ensino parece contradizer a própria premissa. A aplicação de conteúdo organizada por complexidade de assuntos e por graduação de séries está distante. 

O modelo deveria capacitar o aluno a lidar com assuntos isoladamente de maneira satisfatória e a cruzar as conteúdos e informações entre disciplinas conforme a evolução para patamares superiores de aprendizagem. É a educação orgânica. 

O paralelo feito pelo doutor Silas Monteiro é com as artes liberais, presentes na grade de ensino escolar pelo mundo até o século XIX. Havia um desenvolvimento na aplicação de conteúdos, do trivium para o quadrivium, e os alunos precisavam concluir uma etapa para avançar. 

“Os jesuítas eram responsáveis por esse sistema. Mas, ele era meio que o dono da paróquia e dava aulas para quem frequentavam as paróquias, ele estava no controle. Hoje, vários professores dão aula para os mesmos alunos e espaço intelectual, por matéria, para ele trabalhar é limitado. Aquilo que era para ser sistematizado, tem pouca organização”, disse. 

Ele acrescenta ao problema a “suscetibilidade do ensino às agendas governamentais”. A avaliação é que o conteúdo aplicado em sala de aula caminha ao gosto e à coloração dos partidos e eleitos da vez. Com isso, a base educacional que deveria ser inteiriça se torna fragmentada.

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