Ao estudar a relação entre homens e animais silvestres em Cuiabá, a pesquisadora Eveline Baptistella viu uma cena que a incomodou: um tucano morador do Centro Político Administrativo (CPA) se digladiava contra o próprio reflexo nas janelas espelhadas do prédio da Promotoria de Justiça. A cena foi uma das inspirações da pesquisadora para o livro “Animais e Fronteiras” a ser lançado em outubro deste ano pela editora Appris.
O livro, baseado em sua dissertação de mestrado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), mostrará casos de animais silvestres que se “autodomesticaram” em Cuiabá. O termo refere-se a um fenômeno comum na cidade, quando os animais se adaptam ao meio urbano e a presença humana para sobreviverem. É como se, impossibilitados de retornar ao habitat natural, os bichos se domesticassem “na marra”.
Em seu livro, Eveline reproduz uma série de relatos sobre iguanas gigantescas, tucanos, corujas, macacos e até jacarés que vivem e sobrevivem em Cuiabá. Em todos os casos, no entanto, a pesquisadora verificou que os animais acabaram se tornando uma espécie de elemento de ostentação de moradores, ao serem fotografadas e exibidos nas redes sociais.
No prédio da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT), Baptistella encontrou um jovem jacaré-do-Pantanal, que já fez várias visitas ilustres aos funcionários, quando eventualmente é saudado com câmeras fotográficas e publicações no Instagram.
A poucos metros dali, um casal de tucanuçus construiu um ninho na caixa d’água da Promotoria de Justiça. As aves também são alvos recorrentes das câmeras dos funcionários da repartição.
A caça midiática aos animais urbanos faz com que os registros publicados online tornem-se uma forma de celebração de Mato Grosso e de Cuiabá. O que, segundo a estudiosa, funciona como um tipo de “animal ostentação”. Para ela, na maioria das publicações a vida dos animais é deixada em segundo plano e ignorada em nome de uma imagem ufanista da cidade e do estado.
“Involuntariamente, tucanos e jacarés, entre outros, são garotos-propaganda de um imaginário sedimentado na vida Cuiabá: a de que a convivência harmônica entre seres humanos e animais silvestres em espaço urbano acontece sem traumas ou prejuízos significativos para os bichos”, afirma a pesquisadora.
“É uma visão romântica porque as pessoas não se dão conta de que o animal está sofrendo. As pessoas precisam se questionar qual o custo desta adaptação do animal a cidades e aos humanos, tudo isto tem um custo”, questiona ela.