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Participação da OAB em investigação sobre grampos pode gerar conflito de interesses, diz MP

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Participação da OAB em investigação sobre grampos pode gerar conflito de interesses, diz MP

Ednilson Aguiar/O Livre

Mauro Curvo

Procurador-geral de Justiça, Mauro Curvo, em evento no Centro de Eventos do Pantanal

O procurador-geral de Justiça, Mauro Curvo, afirmou que o acompanhamento da seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT) no procedimento do Ministério Público Estadual (MPE) que apura grampos ilegais pode trazer um “conflito de interesses”. O Tribunal de Justiça decidiu na quinta-feira (13) pelo não arquivamento da notícia-crime da OAB-MT e determinou que Ordem deverá acompanhar a investigação, inclusive com poder de pedir diligências. Para o procurador, a ação da Ordem é uma “confusão” que “qualquer criança vê”.

O caso conhecido como “barriga de aluguel” foi denunciado pelo promotor de Justiça Mauro Zaque de Jesus, que à época dos fatos era secretário de Segurança Pública de Mato Grosso. Números de pessoas comuns teriam sido inseridos em interceptações telefônicas numa investigação pelo crime de tráfico de drogas, com o qual elas não teriam qualquer ligação.

Em sua notícia-crime apresentada ao Tribunal de Justiça, a OAB-MT incluiu casos em que promotores do MPE teriam cometido crimes: o vazamento de uma conversa entre o ex-governador Silval Barbosa (PMDB) e o desembargador Marcos Machado, além de uma suposta quebra de sigilo fiscal feita pela promotora Ana Cristina Bardusco e uma possível prevaricação da mesma promotora – ela teria tido acesso a informações de crimes do empresário Wesley Batista, da JBS, mas não o processou criminalmente.

A reportagem conversou com o chefe do MPE na última quinta-feira, na sede do órgão, logo após a decisão unânime do plenário do Tribunal de Justiça em não acatar o pedido de arquivamento feito pelo órgão. 

O LIVRE: O senhor acompanhou o julgamento?
Mauro Curvo: Pelo que eu entendi, de maneira prática, a única coisa que muda é o acompanhamento da OAB?

OL: Sim. E a questão do sigilo ficaria a cargo de quem preside o procedimento aqui no Ministério Público.
MC: Quê sigilo se vai ter a OAB? Mas está certo, né. Decisão judicial você não discute, você cumpre ou recorre. No nosso caso, nós vamos estudar os mecanismos para recorrer desta decisão porque, até onde eu sei, uma promoção de arquivamento feita pelo procurador-geral não tem como não ser acatada. Vamos ver se é o caso de ir ao STJ ou se for uma questão constitucional vamos ao STF. Mas pode ser que seja irrecorrível, mas vamos ver porque é algo inusitado.

OL: Durante o julgamento, os desembargadores falaram que arquivar o processo lá impediria uma investigação mais aprofundada da questão dos grampos e essa possível participação de membros do Ministério Público nesses casos apresentados pela OAB na notícia-crime…
MC: Pois é. É muito complicado de se falar, pois a própria OAB e a decisão [anterior do desembargador Orlando Perri, que desmembrou o caso da “barriga de aluguel”] deixam claro que isso não tem nada a ver com os grampos apresentados pelo promotor Mauro Zaque. É outra situação. O que ele colocou é que havia agentes públicos promovendo relatórios falsos para levar a erro membros do Ministério Público e magistrados em operações que efetivamente existiam e, em cima disso que está aí, obter o desvio de sinal para ouvir pessoas que não tinham nada a ver com a investigação. Se a gente entender que este é o escândalo dos grampos, o que a OAB trouxe, e que é objeto desta promoção de arquivamento que foi recusada pelo Tribunal, não tem absolutamente nada a ver. Isto já ficou provado, já é público, já saiu na imprensa. Os grampos funcionavam em um escritório alugado, totalmente fora das instituições. E precisa entender bem, a promoção de arquivamento não significa que não vai ser investigado. Está sendo investigado bem aqui ao lado, no Naco [Núcleo de Ações de Competências Originárias]. É que você não pode ter duas investigações tratando da mesma coisa, uma em um lugar totalmente equivocado. Porque quem investiga promotor de Justiça é o procurador-geral, quem investiga magistrado é a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça… Está na lei, não fui eu que fiz a lei.

OL: Qual a diferença então?
MC: O que a OAB trouxe? Três situações. Uma envolvendo o Gaeco em uma operação em que houve uma conversa telefônica envolvendo o ex-governador Silval Barbosa e o desembargador Marcos Machado, isto é uma situação. E outras duas situações envolvendo a doutora Ana Bardusco, que eu estou dando nomes porque todo mundo já falou, não sou eu que estou quebrando sigilo de nada. Estas duas situações, tanto da doutora Ana, quanto do Gaeco com o Silval, não têm nada a ver com Polícia Militar trabalhando em um escritório ouvindo clandestinamente os outros. Até porque se tivesse esta conexão, em um primeiro momento teria que mandar até para o STJ, porque quando o doutor Mauro Zaque falou que isto acontecia envolveu o governador. Como não tem nada a ver, e envolve promotor de Justiça, está aqui no Naco.

OL: Mas e agora?
MC: A única coisa prática dessa recusa do arquivamento é a participação da OAB-MT. Quando se fala em arquivamento dá a impressão de que não vai ser feito mais nada, ou que já foi feita uma investigação e terminou. Não é o caso. A gente estava arquivando lá porque já tem uma investigação cá. A única consequência prática é essa questão do acompanhamento por parte da OAB, é a única coisa na essência que vai mudar. Porque essa investigação é feita aqui no Naco, mas ela vai desaguar lá no Tribunal, porque quem está sendo investigado tem prerrogativa de função. Então ao final dessa investigação você tem dois caminhos: investigou-se e viu que não tem nada, promove-se o arquivamento; investigou e viu que tem coisa errada, oferece denúncia, lá no Tribunal. Esse é o funcionamento. Uma hora volta lá, até porque não é isso que querem dizer que é, mas que não é, que tem um ‘super poder’ e etc., uma hora tem que voltar para o Tribunal. Da mesma maneira que a investigação contra magistrados uma hora vem para o Ministério Público tomar conhecimento, não existe nenhum tipo de investigação quando se trata de fato, em tese, criminoso que comece e termine dentro da mesma instituição.

OL: A OAB tem colocado todas essas questões juntas…
MC: É uma confusão desnecessária e que não tem motivo para estar junto, qualquer criança vê.

OL: E como fica a Ordem acompanhando agora essa questão aqui? Existem advogados envolvidos no caso.
MC: Esse tipo de coisa que eu queria saber como vai ficar. Vamos imaginar, além de algum conflito de interesses que possa existir, não estou dizendo que há, mas dependendo de quem venha, pode existir. Mandam para cá representando a OAB alguém que está denunciado, alguém que já foi preso… e aí faz o quê? É ele que vai pedir diligência? Eu fico meio perplexo de não enxergarem determinadas situações, mas decisão judicial a gente respeita e se não concordar, recorre. Temos que analisar e ver para onde recorrer, até mesmo dentro deste choque de interesse, que pode não acontecer.

OL: Existem, claro, advogados atuando nas defesas de réus das operações movidas pelo Ministério Público nos últimos anos, e em alguns casos existem advogados na posição de réus destas mesmas operações. Por trás desta ação da Ordem, não poderia existir um certo ranço contra o MP?
MC: Não sei dizer. A questão é que, a partir do momento em que alguém coloca no papel e que coloca em xeque a idoneidade e a lisura da atuação de um membro do Ministério Público, nós temos o maior interesse em apurar para saber se aquilo que está sendo falado é verdadeiro ou não. Porque no momento em que a gente é responsável por processar os outros, a gente tem que dar o exemplo dentro de casa. Então, assim, independentemente de onde venha, vindo uma denúncia a gente tem que apurar. E é isso que a gente já vem fazendo nos últimos dias no Naco. Agora, não é só isso que o Naco tem para fazer. Tem isso e tem vários outros procedimentos, todos andam.

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