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O conservadorismo brasileiro merece ser financiado?

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O conservadorismo brasileiro merece ser financiado?

Quero começar com a pergunta: As duas horas que alguém passa para escrever e corrigir uma coluna com mil palavras, sem contar as muitas horas que passou pesquisando, valem mais do que “dez real” para você?

Valem tanto quanto um pastel com caldo de cana na pastelaria do China? Valem mais do que seu jardineiro te cobra por hora para cortar a grama de seu condomínio?

Por que a pergunta? Porque eu acredito que temos que pensar seriamente no futuro do movimento conservador brasileiro. E uma das principais considerações que temos que fazer é sobre como podemos desenvolver melhor nosso legado intelectual.

Valorização do ócio

Sem uma cultura conservadora forte, que alimente nossas estruturas democráticas, o movimento político de direita que vemos hoje não vai passar de um espasmo, uma tentativa efêmera de liberdade que pode durar quatro anos, se tanto, mas que não vai ter maiores consequências históricas.

Infelizmente, o brasileiro tem uma dificuldade enorme de valorizar a propriedade intelectual.

Engraçado: somos o país onde o trabalho braçal tem um status inferior, e que glamouriza o ócio. Quanto menos suor num trabalho, melhor; quanto menos esforço, mais “esperto” o sujeito se torna.

Seria de se esperar,  então, que o trabalho intelectual, o ato de se pensar, repensar, pesquisar escrever, reescrever e pesquisar mais, para então se expor ao escrutínio público, fosse necessariamente valorizado, já que não envolve esforço físico. 

Que nada. Parece que para nós, no Brasil, o “suor” intelectual não merece remuneração. 

“Dom divino”

Quando falamos de Pelé, enfatizamos sempre o seu “gênio”, sem levar em conta a incrível disciplina e esforço que o “Rei” manteve durante toda a sua carreira.

Existe  uma suposição cultural de que o gênio criador é um dom divino apenas, que independe do esforço da pessoa agraciada por ele. Se dado por Deus, deve portanto ser distribuído de graça. A ideia não iria colar no mundo do esporte, mas no mundo das letras, onde a produção é mais sutil, a ideia reina soberana.

A maioria dos sites que reproduzem textos de autores nacionais não querem pagar os colunistas pelo labor.

Livros são negociados com as editoras, depois de escritos, se o autor tem a sorte de encontrar uma publicadora que esteja disposta a lhe passar os míseros 10% do preço de capa.

Isto quer dizer que o escritor tem que se virar à pão e água enquanto “fabrica” o produto. E mesmo assim, depois de escrito e publicado o livro, em PDFs piratas rapidamente se espalham pela rede, através do clique de paladinos da justiça que pretendem estar prestando uma espécie de serviço ao público.

Estamos na aurora de um Brasil que pode vir a ter  uma cosmovisão política mais heterogênea. Pode ser que venhamos a ter um partido conservador sólido no país, capaz de ganhar da esquerda mais do que apenas uma eleição. Pode ser.

Mas a solidez deste movimento em tudo depende da produção intelectual de nosso time conservador.

Produção conservadora

Olhando para os Estados Unidos, por exemplo,  e observando como na terra do Tio Sam o pensamento conservador saiu de uma posição de inferioridade numérica e intelectual para disputar com os esquerdistas, secularistas e positivistas um espaço de influência nacional, chego à conclusão de que nos apoiando no trabalho voluntário  de intelectuais-de-fim-de-semana não vamos conseguir.

A produção conservadora americana sempre existiu como um representante legítimo do pensamento republicano, mas teve seus altos e baixos. Na forma atual tomou corpo na década de 50, debaixo da batuta de intelectuais como William Buckley Jr., que fundou a revista National Review, e Russel Kirk, entre outros, que ajudaram a popularizar e ao mesmo tempo elevar o nível do discurso conservador no país.

Outras revistas foram surgindo, assim como fundações de pesquisa como a Heritage Foundation, com sede em DC., nascida em 1977, seguindo o modelo de   thinktanks mais antigos como a  Brookings Institution e a Hoover Institution, esta ligada à universidade de Stanford, ambos focados em política pública, ambos fundados no início do século 20.

Essas instituições e fundações não funcionam com dinheiro público, mas não são pobres. Se você está curioso para saber quanto dinheiro eles movimentam, verifique no site oficial.

A prestigiada Hoover Institution, por exemplo, teve entre os seus fellows desde  ilustres intelectuais do calibre de Milton Friedman, tem hoje ainda  Thomas Sowell, até figuras de influência no panorama nacional como Henry Kissinger, Margareth Thatcher e hoje pessoas como Ayan Hirsi Ali.  

Só essa instituição recebeu 71 milhões de dólares no ano de 2018. Esse dinheiro paga a seus pesquisadores salários condizentes com o nível de sua pesquisa, paga publicações, conferências e a promoção das ideias geradas pelo instituto.

Além desses programas, os americanos contam com os jornalistas e comentaristas com presença na mídia grande, como Glenn Beck, Bill O’Rilley e Rush Limbaugh, presenças antigas na rádio e na TV Americana, assim como Dennis Prager, Larry Elder, e muitos outros da turma mais jovem, como Ben Shapiro, Andrew Klavan, entre outros,  que usam  podcasts como sua ponta de lança.  

Esses podcasts têm anunciantes fixos e, além disso, são sindicalizados, ou seja, regulamentados como um produto pago por rádio locais do país inteiro para serem reproduzidos, ou são liberados diretamente para o ouvinte que se inscreve por uma mensalidade. Em outras palavras, ninguém ali trabalha de graça.

Além deles temos uma infinidade de escritores estabelecidos, como a controversa Ann Coulter, os colunistas Jonah Goldberg, o escritor e agora cineasta que é um imigrante indiano, Dinesh D’ Souza, o provocador Mylos Yiannopoulos e por aí vai.

No universo americano, a lista é enorme e diversa – e na grande maioria tem muita qualidade.  

O importante aqui é entender que na América ninguém espera que esses profissionais trabalhem de graça,  ou que saiam por conta própria à custa de suados cliques.  

São profissionais remunerados – e muito bem. O mercado legitima e valoriza o tipo de “produto” intelectual que eles produzem. O futuro do país depende da criação cultural que eles são capazes de produzir. E os empresários, investidores, anunciantes, sabem disto e investem neles.

Independência de cliques

A produção intelectual séria não pode depender de cliques. A distinção entre um conservadorismo clickbait e um conservadorismo sério é importante.

Se o intelectual/comentarista depende de cliques, vai sempre guiar sua produção para provocar o ouvinte, atiçar o interesse momentâneo.

Bundas atraem cliques, sexo atrai cliques, brigas e feudos políticos atraem cliques, teorias de conspiração atraem cliques.

O conteúdo do tipo clickbaiting não vai construir uma cultura sólida e necessária para sustentar a cosmovisão política heterogênica da qual a democracia depende.

Esta é uma das razões porque a nossa mídia conservadora se tornou uma mera câmara de ecos, que se ocupa em repetir ad nauseaum as mesma bobagens sem muita consequência, pautada sempre pela obrigação de reagir à esquerda. A maioria de nossos bravos guerreiros da direita se ocupam em produzir respostas pavlovianas emocionais aos ataques histéricos da esquerda. E param por aí. 

Um economista menos preparado poderia ensaiar uma oposição à minha tese: “Mas o mercado tem ter demanda para um conteúdo melhor. Se tiver haverá investimento”.  Minha resposta é obvia: o mercado também vive daquilo a que se  atribui valor, criando a demanda. Quando a sociedade atribui valor ao conhecimento, investindo em produção de conteúdo de qualidade, cria um “novo sabor cultural,”  permitindo que ele entre em demanda.

Enquanto não surgirem  no Brasil mecenas conservadores que, com consciência e visão comercial, entenderem que investir na nossa cultura política é uma necessidade e não um luxo, não vamos formar uma classe intelectual conservadora de qualidade.  

Vamos continuar nos enganando, confundindo o  panfletismo histérico que só se preocupa com escândalos geradores de cliques  com o trabalho de propor críticas profundas e especializadas à cultura política da nação.

Seremos uma cultura tão pobre quanto são pobres os conservadores sérios que gostariam de viver de seu trabalho intelectual, mas não podem.

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