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Jornalismo e sabedoria

A crise no jornalismo tem raízes profundas - e sair dela exige uma postura heroica

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Jornalismo e sabedoria

Se existe uma salvação para o jornalismo, ou seja, se essa atividade profissional pode ainda trazer algo de bom e útil para a sociedade (a chamada “grande mídia” é certo que já não é capaz disso), ela — a salvação — está na sabedoria. 

Um jornalista, um indivíduo, talvez você que me lê, pode resgatar o verdadeiro sentido dessa profissão hoje tão justificadamente detestada e obter com isso uma autonomia, uma liberdade, que lhe permita pairar sobre o caos informativo em que vivemos. Já a grande imprensa é, não só no Brasil, mas em todo o mundo ocidental, uma das principais causas desse mesmo caos.

A crise do mundo moderno é visível e abrangente — e suas raízes e consequências já foram tratadas de forma sublime por homens como o Pe. Leonel Franca, Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Monir Nasser, Louis Lavelle, C.S. Lewis, G.K. Chesterton, Ortega y Gasset, entre outros. 

Num resumo bem simplificado — já que esse não é o assunto deste artigo —, a crise é resultado de uma visão fragmentária do ser humano, que vem desde os gnósticos da Grécia Antiga e que começou a ser maiormente disseminada no início do século XIV (final da Idade Média). A “evolução” da ciência deu ao homem a ilusão de que podia ele próprio, ao dominar a natureza (considerada “má, fruto de um deus mau”), ser dono do seu destino — e viver muito melhor sem as “amarras” da religião ou do conhecimento tradicionais.

A “religião” de hoje se chama Positivismo.

O homem perdeu as ligações que tinha com o Céu, com a História e com o seu próprio coração. Em uma palavra, perdeu sua alma, numa automutilação desastrosa, perdendo assim seu único órgão capaz de aderir à verdadeira existência, que é aquela consciente de que tem um princípio e uma finalidade — e portanto tem um sentido. 

Resumida a corpo e mente, a vida moderna é agora uma tentativa de encontrar maneiras de garantir o conforto de um e o alívio da outra. Todas as ciências — exatas, sociais ou psicossociais — foram direcionadas na busca desses dois propósitos. Só o que encontram, porém, são alívios momentâneos para uma angústia permanente, pois não há conforto, bem material, droga ou prazer que preencham o vazio deixado em um corpo-mente alijado de alma.

Natureza intelectual

Ora, o jornalista, assim como todos os outros profissionais, é vítima das mazelas desta época (a decadência da inteligência é observável em praticamente todas as atividades humanas, por mais que o progresso material possa dar a impressão do contrário). 

Mas, devido à natureza intelectual de seu trabalho — e dos extraordinários meios de que dispõe —, o jornalista é também um dos mais importantes agentes de disseminação dessa visão fragmentária e distorcida da realidade, contaminando as consciências com sua linguagem automatizada e estéril, com julgamentos arrogantes (que podem inclusive mudar de uma hora para outra), com a reprovação de tudo o que não for embasado pela ciência redutora e claudicante e, por fim, com a propagação — às vezes deliberada, às vezes advindas de um manipulador (pois o ser mutilado é facilmente manipulável) — de mentiras. 

É importante dizer, a esta altura, que, se pretendemos propor soluções para uma crise, o primeiro passo é fazer um diagnóstico preciso, duro, ainda que generalizado, da situação. A intenção, portanto, não é ofender, mas alertar; não é julgar, e sim mostrar que estamos no caminho errado e um desvio de rota é necessário.

Assim como o educador moderno, cujo trabalho tem sido o de deseducar e emburrecer seus alunos, o jornalista inconsciente contamina o seu público com arremedos de verdade — e tanto um quanto o outro colaboram para a perpetuação da ignorância geral. 

Não há hoje sequer um aspecto da vida humana que não ganhe — nos ambientes midiáticos e acadêmicos — um tratamento para distorcer, abstrair e tirar dele o que houver de realidade. Economia, história, política, cultura e religião, por exemplo, já viraram abstrações, termos sobre os quais ninguém pensa a respeito porque julga já conhecê-los em demasia. Na mídia, qualquer fato — por mais concreto e factual que seja (supondo que fosse possível graduar um acontecimento, o que não é) — qualquer fato, dizíamos, ganha uma roupagem, uma “narrativa”, para mudar, diminuir ou exagerar seu efeito e sua propagação é, a partir daí, mimetizada em todos as coberturas. 

A saudável concorrência entre veículos de comunicação já não mais existe. Tudo ganha uma interpretação uniforme, inclusive para justificar as omissões. O noticiário é uma mistura a demonstrar a total ausência de senso de valores ou de proporções de quem o produz — e gera repercussões distorcidas que se retroalimentam em todos os âmbitos políticos, na economia e no sistema judiciário. 

“Fiscal da cidadania”

Enquanto isso, em muitas redações, o jornalista oprime e é oprimido por seus colegas a não pensar. Nesses locais, ele é um pacote de emoções pronto a estourar em um acesso de histeria. E na histeria ou na psicopatia, em ambos os casos passa as informações com uma total ausência de responsabilidade pessoal. 

Em linhas gerais, arrogou-se o papel de “fiscal da cidadania”, e também do corpo alheio, achando-se no direito de determinar quando as pessoas devem ir ao médico, os exames regulares que devem fazer, o que podem ou não podem comer, os exercícios que precisam fazer, as palavras que podem ou não usar no dia-a-dia, as opiniões que podem e que não podem divulgar em redes sociais, a postura que devem ter no âmbito do trabalho, etc. Voluntariou-se, assim, a ser um assecla a serviço do Estado, um obediente vigia do comportamento alheio que nem o mais ambicioso regime nazista jamais sonhou em ter como aliado — muito menos sem que fosse preciso pagar. 

Ainda assim, o jornalista não carrega nenhuma culpa, nem pelos erros que, às vezes, é obrigado a admitir. Extremamente vulnerável, este ser está sempre suscetível a servir de massa de manobra, como de fato é. E quem ouse se levantar desse lamaçal, propondo, por exemplo, outros pontos de vista para determinado assunto, é logo censurado e passa a ser boicotado pelos colegas. 

A censura ao pensamento é, sem dúvida, a pior das censuras. Quanto aos boicotes, cabe notar aqui que eles se dêem principalmente entre mulheres, fazendo com que muitas desistam da profissão, ou migrem para assessorias em razão da opressão ou do boicote de colegas também mulheres.

Outro interessante fato em relação à mulher é como o desvio psico-ideológico denominado “feminismo” impregnou todas as redações na suposta defesa das mulheres, mas nada diz (pelo contrário, promove) em relação, por exemplo, à “cultura” funk, cuja essência é a objetificação da mulher, desde a infância, e o incentivo à pedofilia e à violência contra ela.

Do mesmo modo, facilmente encontramos o jornalista que critica a violência ao mesmo tempo em que aplaude iniciativas que geram impunidade, que promovem as drogas alucinatórias e que buscam justificativas para atos criminosos. 

Outra flagrante incoerência é a promoção diária, pelos veículos de comunicação, de pseudo-religiões e de superstições de toda ordem, ao mesmo tempo em que arrogam serem os porta-vozes da ciência mais rigorosa e verdadeira (outra coisa, aliás, que não existe).

Cabe notar também com que facilidade muitos jornalistas são atraídos para exercer papéis em esquemas fraudulentos, sobretudo em conluio com políticos — e também, por iniciativa própria, não pensam duas vezes para causar dolo à empresa em que trabalham ou já trabalharam — inimigos que são do empreendedorismo e da livre iniciativa, inimigos que são do sucesso alheio.

Niilista, cético, pessimista, o jornalista vive em um mundo à parte. Um mundo que já não tem conexão com o mundo real, que é aquele em que vive o seu público. Não há diálogo e nem tampouco aderência entre o que um divulga e o que o outro absorve. A mensagem não é clara, porque esconde uma distorção, um ruído. Só há uma tentativa de impor narrativas. E não importa o espectro ideológico: todas elas são falsas ou parciais.

(A criação de “agências de checagem” não é senão um sintoma dessa falta de conexão entre os veículos de comunicação e a sociedade. Elas são uma tentativa de impor a (des)informação a qualquer custo, dando uma nova embalagem ao produto que da primeira vez se revelou indigesto, num claro esforço de enganar o consumidor).

Saída heroica

Tal é o resumo da tragédia que se nos abate hoje — se não em todos os lugares, pelo menos na grande maioria deles — e não reconhecê-la é apenas mais um sintoma do estado de coisas. A crise do jornalismo não está na popularização da internet e das redes sociais, na queda de verbas de publicidade, não está nas chamadas fakenews (suposta desinformação gerada por terceiros) e muito menos na incultura do público: a crise está no não-cumprimento de uma promessa, a promessa de comunicar algo que seja essencial e verdadeiro. 

Entretanto, em um mundo onde reinam o banal e o virtual, nunca houve demanda tão grande para a informação essencial e verdadeira. O problema é que a forma de obtê-la está longe dos manuais de jornalismo e das atuais faculdades de comunicação: está no resgate intelectual (e porque não dizer, espiritual) não de toda uma classe, mas do próprio jornalista — algo para o qual se exige esforço, renúncia, coragem, sinceridade, humildade, responsabilidade e até uma boa dose de heroísmo. 

A busca pela verdade, que no fim das contas deveria ser a finalidade de qualquer trabalho intelectual, só é possível com autonomia, espírito livre e audácia. E ela se dá no âmbito pessoal, na medida em que o indivíduo firma, consigo mesmo, o propósito de se libertar da necessidade de ser aplaudido por seus pares e resgata, com estudo, resiliência e humildade, o verdadeiro sentido de sua profissão.

E se falamos inicialmente da decadência geral do mundo moderno, fato que é facilmente verificável, precisamos terminar dizendo que jamais, em toda a história, o jornalista, o intelectual, teve tantos recursos à sua disposição, seja para instruir-se de alta cultura, seja para disseminar informações e propagar suas ideias. Uma correção de rumo é perfeitamente possível para aquele que for capaz de avistar, por cima dos ombros da angustiada multidão, a trilha de luz que nos apontam os sábios, tanto os de hoje, quanto os do nosso passado.

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