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Em busca do perfil social dos extremistas do 8 de janeiro

Ainda não temos dados secundários representativos disponíveis, e necessitamos de dados primários que permitam entender a motivação dos manifestantes do movimento político chamado bolsonarismo

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Em busca do perfil social dos extremistas do 8 de janeiro
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O sociólogo Rudá Ricci traça um perfil dos extremistas do 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios em seu artigo “Perfil de extremistas do 8 de janeiro revela “revolta dos bagrinhos'”, publicado em 14 de janeiro no site Poder 360. Uma tarefa importante para a compreensão desse fato lamentável de nossa vida política. Mas, não vejo elementos suficientes nos dados apresentados por Ricci para um esboço do perfil do que ele chama de extremistas.

Aponto duas objeções ao perfil sociodemográfico traçado por Ricci. A primeira refere-se à amostra que ele utiliza e a segunda à relação que ele estabelece entre os dados do perfil sociodemográfico e a motivação dos manifestantes.

Os dados das 1193 pessoas detidas não permitem ainda fazer um perfil preciso dos “manifestantes extremistas”, pois não é possível considerar que a Polícia Federal (PF) tenha utilizado um método de coleta de dados como se fosse uma amostra probabilística. Não sabemos quantas pessoas estiveram presentes na manifestação, ou seja, qual seria a população de manifestantes. Sabemos que, grande parte das pessoas que estão presas, são pessoas que estavam acampadas na frente do Comando Geral do Exército. Mas, não sabemos ainda, qual a proporção de pessoas que estava na manifestação e que não estava no acampamento.

Dentre as pessoas que estavam na manifestação, qual a proporção de pessoas que são moradores de Brasília e qual a proporção de pessoas que são de fora de Brasília? E a PF tem feito prisões em outros Estados. São pessoas que participaram das manifestações em que nível? Participaram diretamente da depredação? Esses dados são importantes para desenharmos uma amostra que seja representativa da população de manifestantes.

Ricci traça um perfil sociodemográfico sem fazer distinções sociopsicológicas entre os manifestantes. Ele considera todos como sendo extremistas no mesmo nível. Ou seja, quem depredou e saqueou é tão extremista quanto quem estava na Esplanada dos Ministérios, mas não entrou em nenhuma das sedes dos poderes, assim como aqueles que não foram para a Esplanada, tendo permanecido no acampamento. Isso impede que se trace um retrato realista dos manifestantes.

Em relação à motivação, Ricci defende que o perfil sociodemográfico dos manifestantes indica uma “revolta de bagrinhos”, fundamentada no tédio de moradores de um Brasil profundo, interiorano, que teria sido acordado pelo bolsonarismo. Ele se baseia em duas variáveis, na idade e no sexo dos manifestantes, disponíveis nos dados do Seape-DF (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal).

Apenas a idade e o sexo são variáveis insuficientes para traçar a motivação dos manifestantes. É necessário ter mais informações. Muitos bolsonaristas queriam intervenção federal. Em que consiste essa intervenção? Alguns falavam em intervenção para reavaliar o resultado das eleições, outros em retirar quem está no poder. Existiam outras diferenças? Quais?

Em vídeos é possível ouvir manifestantes pedindo para não quebrar o patrimônio quando estavam na frente de um dos poderes. Havia divergência quanto a isso? Existia um grupo que defendia o quebra-quebra como método? Os moradores de cidades não interioranas teriam motivação diferente dos moradores do interior do Brasil?

São perguntas que só podem ser respondidas com entrevistas com os manifestantes. Inferências são possíveis e válidas, mas precisamos de uma amostra que possamos considerar representativa da população de manifestantes

A hipótese do tédio como uma condição que ajudou a criar engajamento no bolsonarismo pode ser usada como fundamento para a motivação dos manifestantes? Nem todos os “bolsonaristas” se engajaram nas manifestações. Existem diferenças entre os perfis dos bolsonaristas que participaram das manifestações e daqueles que não participaram? Se todos são extremistas no mesmo nível, conforme sugere Ricci, então não existe diferenças entre eles?

Finalmente, Ricci compara o perfil sociodemográfico de sua amostra de conveniência com o estereótipo do perfil sociodemográfico de terroristas. Na verdade, temos dois estereótipos porque não sabemos o quanto o perfil de Ricci é representativo da população de manifestantes.

Estereótipos são aplicados indiscriminadamente a todos os membros do grupo estereotipado, sem que haja lugar para diferenças individuais. Eles nunca são totalmente inverídicos, pois precisam de ter certa semelhança com as características do estereotipado, ou não seriam reconhecidos. Mas, eles são sempre distorcidos, porque eles exageram e generalizam algumas das características de alguns membros do grupo estereotipado.

Se queremos descrever o perfil dos manifestantes extremistas que vandalizaram a Esplanada dos Ministérios, precisamos de mais informações. Ainda não temos dados secundários representativos disponíveis, e necessitamos de dados primários que permitam entender a motivação dos manifestantes do movimento político chamado bolsonarismo que esteve em Brasília, em 8 de janeiro.

André Luís Ribeiro e Lacerda é sociobiólogo, psicólogo e professor de Sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Cuiabá (MT).

 

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