Reprodução Cuiabá de Antigamente
Registro entre as décadas de 1920 e 1930, divulgado pela página História do Carnaval Cuiabano, e que revela foliões de corsos, um tipo de agremiação que utilizava veículos nos desfiles; foliões realizavam as famosas batalhas de confetes e serpentinas
Hoje é dia oficial do carnaval 2018 e os foliões cuiabanos podem sair às ruas com orgulho e propriedade de quem celebra uma das festas mais populares da nação, há pelo menos 242 anos. A história é documentada por registros do Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, personagens que vivenciaram alguns dos pontos altos do carnaval cuiabano e que relataram sua vivência em entrevistas a jornais locais ou compartilharam suas memórias via redes sociais.
Impulsionada por uma publicação especial lançada em 1976 – a pedido do então prefeito Rodrigues Palma e que contou com pesquisa de Carlos Rosa e Neusa Bini (in memorian), imagens de Silva Freire e arte de Wlademir Dias-Pino – a reportagem de O LIVRE embarcou na máquina do tempo do carnaval cuiabano para evidenciar e reviver fatos e características que retratam a história regional, em diversas décadas. O documento original pode ser encontrado no Arquivo Público.
O DNA carnavalesco de nossos ancestrais parece manter a engrenagem de uma das festas mais populares e que continua levando milhares às ruas. Os corsos, cordões e a diversidade dos saudosos clubes que reuniam a nata ou as camadas menos abastadas já não existem mais. No entanto, o carnaval dos blocos está mais vivo do que nunca, não é mesmo?
Século 18
Reprodução Suplemento 1976/Ednilson Aguiar
Neste período, o carnaval tinha outro nome. Era conhecido como Entrudo. O carnaval esplendoroso era extremamente democrático e reunia na mesma festa, reinóis e funcionários da coroa junto aos “naturais da terra”, como ressalta a publicação. Um trecho do Anais do Senado da Câmara de Cuiabá, descreve os festejos carnavalescos de 1786: “comédias, bailes e danças com máscaras finalizaram o último dia do entrudo”.
Século 19
Em 1861 foi fundada a primeira sociedade carnavalesca, com estatuto próprio e sócios que contribuíam financeiramente. No período, eram realizados bailes em casas particulares. O combate dos confetes, comum a décadas futuras, era configurado pelo batlha dos limões de cheiro, feitos de cera, em diversas cores e que continham águas de colônia. Quando acabavam, os filões recorriam à agua pura em canecos, baldes e bacias. Mais tarde a prática foi alvo de críticas.
1900
A comissão de Os Estrambólicos, em publicação em periódico de 1902, convidava os foliões a prestarem homenagem ao grande “pandego deus Momo”. Convidava-se a “bela e luzida rapaziada cuiabana a reunir-se no Teatro Amor à Arte para deliberar sobre os festejos segenefláticos e repimponéticos” (adjetivos que já não constam nem em dicionário).
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
1910
O uso do lança-perfume consagrou-se nos carnavais cuiabanos da época. Ele era, inclusive, utilizado para batalhas, tais quais as de confetes. Com pouco vigor, neste período os cordões dominavam e alguns carros alegóricos começaram a surgir aí. Em 1914, os mascarados levavam para as ruas críticas ferinas, a ponto da Liga Católica da Companhia São Luiz solicitar em petição a autoridades locais que durante os festejos de carnaval não saíssem às ruas, carros, bandos ou máscaras ofensivas.
1920
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
Os bailes no extinto Cine Parisien (onde ficava o Teatro Amor à Arte e onde atualmente funciona o Banco Bradesco, na rua Barão de Melgaço) acolhia os bailes do Club Concórdia. Concursos carnavalescos despontavam, como em 1928, em que um destes premiou o saudoso Mé Coado (composto por rapazes) com a fantasia mais distinta. Entre as categorias do carnaval dos blocos, foram escolhidos ainda, o homem mais cínico, a moça mais graciosa o velho mais gaiato e até o rapaz mais bocó (simplório e acanhado).
Entre os prêmios, despontavam produtos cosméticos como a brilhantina e o pó de arroz, utensílios domésticos e tubos de lança-perfume. O desfile dos corsos também ganhava força. Foi neste período que ficou definido o trajeto que saía da Praça da República em direção à 13 de junho, Generoso Ponce e Joaquim Murtinho e vice-versa. Os carros deveriam ficar a uma distância de 3 metros e se locomoverem a uma velocidade média de 8 km/h. As regras foram estabelecidas por portaria especial da Delegacia de Polícia da época. A propósito, a reportagem encontrou dois boletins de ocorrência em 1923, cinco anos antes, que narravam a morte de duas pessoas, um menino e um senhor de mais idade.
1930
Arquivo Público
O período marca a fundação do Clube Feminino, grande incentivador dos luxuosos bailes à fantasia da elite cuiabana, dos ricos espetáculos e concursos de rainhas de carnaval. Aparecem no período também, os bailes infantis em que as melhores fantasias eram premiadas e os prêmios reforçavam o status dos pais. Nesta época, a elite afastou-se dos blocos e cordões, onde os populares predominavam.
1940
Com a II Guerra Mundial rondando o mundo, o carnaval cuiabano também sentiu seus efeitos e vivenciou as sensações do semi-isolamento. Mesmo com as dificuldades, manteve sua tradição, embora mais elitizada, especialmente, pelo agravamento da situação financeira dos menos favorecidos. Além do elitizado Clube Feminino, surgia o recém-inaugurado Grande Hotel, cenários dos carnavais da época. Foi no período que os concursos de canções carnavalescas tiveram maior força, sob a liderança de Zulmira Canavarros. Muitos blocos floresciam com seus nomes curiosos: Desconhecedores da Crise e Inocentes da Prainha eram alguns deles.
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
1950
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
O carnaval de rua teve destaque, com seus blocos e concursos. Surgia à época, o Clube Náutico para fazer duo com o Clube Feminino. Blocos como o Marinheiro, Sempre Vivinha, Turma do Morro, das Caveiras e o saudoso Coração da Mocidade ganhavam cada vez mais seguidores. Muitas das alegorias, segundo o historiados Aníbal Alencastro, eram feitas de pau, tais quais barcos e navios. O cuiabano possuía uma relação muito forte com o rio.
Reprodução/Acervo Aníbal Alencastro
Registro do Sempre Vivinha
1960
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
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O carnaval dos cordões/blocos continuava firme, marcados pelas concentrações dos blocos em que rolavam batalhas de confetes. Os veículos desfilavam enfeitados de serpentinas e os passageiros simulavam batalhas jogando confetes. Normalmente, cada bairro tinha o seu cordão, ou bloco, como também era chamado. Havia uma comissão de frente, os foliões e uma banda tocando atrás. De acordo com o jornalista Romeu Roberto Memeu (in memorian), os blocos se concentravam entre as Praças Santa Rita (atual Rachid Jaudy) e o Jardim Ipiranga (Praça Ipiranga). O desfile oficial acontecia na avenida Getúlio Vargas. Mas o carnaval do corso começava a ficar na memória, sendo substituído pelos desfiles e bailes que passavam a ganhar mais espaço neste período. O Clube Náutico continuava reinando!
Acervo Aníbal Alencastro
Clube Náutico na década de 1960
1970
Na década de 1970, as escolas de samba começam a mudar o cenário, uma espécie de evolução dos cordões. Os foliões influenciados pelo carnaval carioca foram mudando a cara do carnaval. A Deixa Cair foi a primeira escola de samba de Cuiabá. Logo, foram surgindo outras, como a Mocidade Independente Universitária que evoluiu da Banda U, da Universidade Federal de Mato Grosso, uma espécie de trio elétrico que acompanhou em 1974, a exemplo, a Deixa Cair. É nesse momento que as marchinhas passam a perder espaço para o samba-enredo.
Deixa Cair, primeira escola de samba de Cuiabá
Mas em 1976, começou uma nova movimentação em prol do carnaval com cara de Cuiabá. A convite do então prefeito, Rodrigue Palma, artistas colocavam em prática a estetização da cuiabanidade, como aponta a publicação organizada por importantes personagens da cultura cuiabana, como é o caso de Carlos Rosa, Neusa Rosa, Silva Freire e Dias-Pino que inspirou a diagramação e estampa o suplemento especial com a “Floração do Cerrado”.
Arquivo Público de Mato Grosso/Reprodução Ednilson Aguiar
À época as escolas de samba foram reforçadas e orientadas para que não se multiplicassem, enfraquecendo. Os blocos e cordões foram revividos, os mascarados, pernas de pau, o corso e as batalhas de confete.
E é claro, de lá para cá, registros dos carnavais são encontrados com mais facilidade, dada a democratização das máquinas fotográficas, da revelação de fotos e acervos pessoais, rapidamente localizados nas redes sociais. Uma página no Facebook a exemplo, a História do Carnaval Cuiabano reúne alguns registros – que contemplam períodos como os das décadas de 1980, 1990 e anos 2000 – a partir da colaboração de seus seguidores, bem como uma das comunidades mais acessadas, a Cuiabá de Antigamente. E a história de hoje, claro, é um caleidoscópio das fotos que você compartilha em suas redes sociais. É a história salvaguardada não só em acervos pessoais e arquivos públicos, e também, salvas na nuvem!