Crônicas Policiais

Desvio de cervejas: funcionários que não aceitavam participar de esquema eram ameaçados de morte

Segundo delegado, quem tentava permanecer honesto era coagido até sobrar apenas duas opções: pedir demissão, ou participar do esquema

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Desvio de cervejas: funcionários que não aceitavam participar de esquema eram ameaçados de morte
(Foto: PJC MT)

O desvio de cervejas da fábrica da Ambev de Cuiabá, divulgado ontem (13) com a deflagração da Operação Ceres, era cometido por diversos funcionários da empresa e aqueles que tentavam se manter honestos eram ameaçados de morte e coagidos até sobrar apenas duas opções: pedir demissão, ou participar do esquema.

Segundo o delegado Luiz Felipe Nascimento Leoni, da Delegacia de Roubos e Furtos de Cuiabá, o esquema de desvio de cervejas já acontecido há alguns anos.

“Os funcionários que eram contratados, automaticamente já eram corrompidos a participar desse esquema criminoso. Aqueles funcionários da cervejaria que fossem contra essa atividade criminosa, eram imediatamente alijados do processo, porque eram ameaçados se, por ventura, viessem a comentar sobre esse esquema criminoso”, contou o delegado Luiz Felipe, que presidiu o inquérito.

O delegado afirmou que a Ambev tentou conter o esquema algumas vezes, ao descobrir os desvios realizados por alguns funcionários e demiti-los. Porém, a ação não foi suficiente.

“Quando os proprietários da cervejaria tiveram o conhecimento que esse tipo de prática estava acontecendo, eles [funcionários] eram imediatamente demitidos. Mas o que chamou atenção é que os novos contratados acabavam praticando a mesma coisa. Então, era uma prática criminosa que se arrastava há algum tempo. Eram demitidos e novos funcionários também acabavam entrando no esquema criminoso”, contou o delegado.

A Polícia Civil ainda não tem a informação de quando exatamente o esquema teve início, nem de quantas pessoas ao todo faziam parte da organização, mas, somente na primeira parte do inquérito, 20 pessoas foram investigadas, entre conferencistas, porteiros, motoristas, ajudantes de motorista, carregadores, além de um empresário, que é apontado como líder do bando.

O empresário citado é proprietário de uma distribuidora localizada na avenida Arquimedes Pereira Lima, no bairro Jardim Renascer, em Cuiabá, e foi preso ontem (13). Na casa dele, a Polícia Civil apreendeu R$ 1.381 milhão, escondidos em uma caixa térmica.

Já na distribuidora dele, em um galpão anexo à empresa, que era fortemente protegido, foram apreendidos diversos engradados de cervejas desviados (cuja quantidade era tamanha que ainda está sendo contabilizada), engradados de cervejas adulteradas e 68 caixas de cigarros contrabandeados.

A Justiça ainda bloqueou R$ 12,8 milhões das contas do empresário. O valor foi apresentado pela cervejaria, a partir do sistema de controle de inventário, como o prejuízo causado somente entre os anos de 2021 e 2022.

O desvio de cervejas

A investigação do caso teve início após uma denúncia da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, de que estavam ocorrendo desvios frequentes de lotes das marcas Budweiser, Skol, Antártica, Brahma e Stella Artois em Cuiabá.

Diante da denúncia, a Polícia Civil deu início a uma investigação que, já de início, apontou que os funcionários desviavam engradados de cerveja que deveriam ser entregues em uma distribuidora para outra. E essas que eles escolhiam pertenciam ao empresário que foi preso ontem.

Além disso, o grupo também desviava mercadorias que eram devolvidas por clientes da cervejaria. Para isso, era falsificada uma declaração por parte do conferencista e do porteiro confirmando que houve a entrada dos lotes de cervejas na fábrica. Em seguida, as cargas das bebidas eram desviadas aos receptadores.

A distribuidora do empresário apontado como principal receptador tem relação comercial estabelecida com diversas empresas da Capital, inclusive com supermercados conhecidos, que compravam a mercadoria por menor valor.

No entanto, o delegado Luiz Felipe Nascimento Leoni afirmou que, até o momento, ainda não foi possível confirmar se esses mercados tinham alguma conivência com o esquema criminoso, o que será apurado ao longo do processo de investigação.

“O que me parece é que o preço que essa distribuidora fazia dos produtos era bem mais barato do que as outras distribuidoras, considerando os produtos desviados/furtados. Por conta do furto de cargas, eles conseguem colocar um preço que ninguém consegue competir”, disse o delegado.

A Polícia Civil já encontrou registros que apontam que as bebidas desviadas também eram levadas para outras duas distribuidoras além da pertencente ao empresário apontado como líder da organização criminosa. Elas também estão sendo investigadas.

Crimes apurados

Em coletiva concedida à imprensa hoje, o delegado Luiz Felipe afirmou que a participação de cada funcionário será analisada separadamente, para que não seja cometida nenhuma injustiça, devido à possível coação e as ameaças. Porém, deixou claro que participar dos desvios foi uma escolha dos acusados.

“Tudo vai ser analisado pontualmente para que não seja cometida nenhuma injustiça. Mas os que sofriam ameaça de morte saíam. E, que fique bem claro, ninguém é obrigado a fazer aquilo que não deseja. Se você faz alguma coisa, você pode ser responsabilizado por aquilo que pratica”, disse o delegado.

Para ele, o que foi descoberto até o momento é apenas “a ponta do iceberg” e muitos outros participantes do esquema ainda serão descobertos.

Os investigados até agora não possuem grandes fichas de antecedentes criminais, com exceção do proprietário da distribuidora preso ontem, que já é “conhecido da polícia”. Agora, ele responderá por receptação qualificada, adulteração de marca de produtos alimentícios e por lavagem de capitais. Segundo o delegado, ele não soube explicar a origem dos R$ 1,381 milhão em espécie encontrados em sua casa.

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