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Deixem-me nascer!

Nesta semana o STF decide se joga no lixo a própria Constituição Federal, condenando à morte os filhos de gestantes que contraem o zika vírus

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Deixem-me nascer!

Quem eu sou? Eu sou a Alice Morais Braga, nascerei dia 12/12/2020 e quero contar para vocês as minhas expectativas com relação à minha vida aí fora, sabe: todas as crianças recém-nascidas dependem em tudo dos pais, mas comigo será um pouco diferente.

Meus pais terão que se dedicar por mais tempo, pois eu terei um retardo no desenvolvimento motor e cognitivo, problemas de visão, na fala e na audição, porque eu tenho uma malformação congênita no cérebro, que se chama microcefalia.

Eu sei que meus pais estão com medo de todos esses problemas de saúde, mas algo em meu coração diz que, mesmo com medo, eles me amam e eu gostaria muito de lhes dizer que, apesar de todas as minhas ”deficiências”, terei uma alma grande para amá-los, amar meus irmãos, meus amigos, o mundo, a vida.

Esta semana será muito importante para mim: será julgada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 5.581, popularmente conhecida como ADI 5581, que requer, dentre outras medidas, a autorização para o aborto de nascituros portadores de microcefalia, sendo este o seu principal pedido.

Isto significa que os ministros do STF vão interpretar a legislação brasileira para averiguar se é inconstitucional ou não interromper a gestação quando a mãe for contaminada pelo zika vírus.

O que pouca gente sabe é a forma como esta ação faz o requerimento. Leva a pensar que se uma gestante contrair zika, obrigatoriamente o nascituro será portador de microcefalia. Além disso, desconsidera que existem outras causas para a anomalia, que ainda é pouco abordada na literatura médica.

Embora a medicina esteja pouco avançada neste assunto, é sabido que a zika não é a única causa da doença. Tampouco se pode afirmar que necessariamente toda gestante que for picada pelo mosquito contaminado com o vírus da doença terá um filho com esta deformidade. Daí um dos grandes equívocos em se recorrer ao aborto, tendo em vista a simples contaminação da mãe.

Para piorar a situação, há uma grande incidência de falso-positivos no diagnóstico pré-natal para microcefalia. Ou seja, o diagnóstico pré-natal não é preciso, encontrando-se muitos resultados falso-positivos, devendo ser confirmado logo após o nascimento, com base na medida do perímetro cefálico abaixo do percentil 10, enquanto os outros parâmetros antropométricos estão acima deste percentil.

Apesar de ainda não ter nascido, eu sei que sou um ser humano como qualquer outro. Sei também que todo ser humano é portador de uma juridicidade nata e, por isso, o Código Civil de 2002 dispõe em seu artigo 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Alguns direitos estão condicionados ao nascimento com vida, mas estes se referem aos direitos patrimoniais. E os direitos indisponíveis, como a vida e a saúde, não sofrem qualquer limitação quanto às condições particulares do ser humano que está sendo gestado, tampouco em se tratando de uma deformidade congênita que não o leva a óbito minutos ou horas após o nascimento, como ocorre em boa parte dos casos de anencefalia.

Ademais, a Constituição Federal de 1988 disciplinou que haveria isonomia entre os indivíduos, ao passo que o princípio norteador das relações sociais é dignidade da pessoa humana, conforme disposto no artigo 1º, inciso III.

Assim, vale frisar que não foram estabelecidas condições para se resguardar o direito à vida, tampouco se estipulou critérios de viabilidade ou não do indivíduo fragilizado em consequência de alguma particularidade.

Alemanha nazista

Deste modo, estabelecer critérios, como a microcefalia, para limitar o direito à vida dos portadores desta deformidade congênita, e consequentemente a descriminalizar o aborto nestes casos, é algo que se assemelha às políticas eugênicas da Alemanha nazista, pois a Constituição Federal, interpretada sistematicamente, protege a vida desde a concepção, com reflexos na legislação ordinária civil, que reconhece os direitos do nascituro a partir deste momento.

Importante frisar que se trata de um texto legal bastante recente, com apenas 30 anos, e, mais recente ainda tem-se o Código Civil, com 18 anos, o que significa que se o legislador não impôs restrições ao direito à vida do nascituro é porque de fato não queria fazê-lo, pois questões polêmicas, como a legalização do aborto no Brasil, já permeavam a sociedade no período em que estes textos legais foram escritos.

O grande embate é que cada vez mais o STF está sendo evocado por grupos que defendem a descriminalização do aborto em caso de nascituros com anomalias. Alegam que há margem para se interpretar os textos legais desta forma. Mas, como mencionado alhures, não é desta forma que o ordenamento jurídico se comporta.

Em vista disso, a atuação do referido órgão, de maneira ativista, não apenas interpreta a Constituição Federal, promulgada em 1988, mas também cria novos direitos, ou melhor, anula direitos já consagrados.

Ora, se uma toga não serve para salvar vidas humanas, então ela é inútil. Se uma toga se presta a condenar estas vidas, vê-se que o sentido de usá-la fora terrivelmente vilipendiado, em acolhimento a interesses outros, que em nada se confundem com o bem comum.

Portanto, eu suplico, deixem-me nascer!

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