Colunas & Blogs

De Totó Paes até a criação de Aquidauana

11 minutos de leitura
De Totó Paes até a criação de Aquidauana
(Foto: Museu da História Pantaneira Manoel Antônio Paes de Barros)

Quem já teve contato com a história de Mato Grosso, eventualmente já ouviu falar de Antônio Paes de Barros ou Totó Paes. Nascido em 15 de dezembro de 1851 em Santo Antônio do Rio Abaixo (hoje Santo Antônio do Leverger), foi um dos diversos filhos do casal Joaquim José Paes de Barros e Maria Vieira de Almeida.

Ficou eternizado na história do Estado quando em 1896 iniciou a construção de uma das mais modernas usinas de produção de aguardente e açúcar do Centro-Oeste brasileiro no final do século XIX – a Usina Itaicy. Com maquinários importados da Alemanha, foi o primeiro lugar a chegar luz elétrica em Mato Grosso, além de contar com escola primária, conservatório de música, biblioteca e moeda própria (a “Tarefa”).

Em 15 de agosto de 1903 o cel. Antônio Paes de Barros foi eleito Governador do Estado, porém, acabou sendo morto em 6 de julho de 1906 pelos seus opositores políticos na antiga “Fábrica de Pólvora do Coxipó”. Como se não bastasse o seu assassinato, seus adversários iniciaram uma verdadeira política de vilipendio e difamação de sua biografia que irradiam seus infaustos efeitos até a presente data.

Totó Paes de Barros
Totó Paes (Fonte: Letícia Sebba)

Poucas informações sobre os seus irmãos subsistem até os dias de hoje, sendo a principal fonte de pesquisa o trabalho do escritor Adauto Dias de Alencar, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso com o título “Coronel Antônio Paes de Barros: roteiro genealógico e projeção política” (IHGMT, 1991, p. 31).

Entre os irmãos de Totó Paes elencados por Adauto de Alencar neste artigo, um deles me chamou a atenção: seu nome é Manoel Antônio Paes de Barros. Segundo escreveu o saudoso genealogista, Manoel nasceu no dia 13 de junho de 1855 e se casou em 04 de julho de 1892 com sua prima D. Antonia Maria Vieira de Almeida (filha do Cap. Antônio Vieira de Almeida e de Joaquina Metello Vieira de Almeida).

Mas, por que ele despertou interesse? Ocorre que pesquisando sobre a história de Aquidauana/MS, descobri que o município foi fundado principalmente por 5 fazendeiros, sendo um deles conhecido pelo nome de Manoel Antônio Paes de Barros. Neste caso, estaríamos falando da mesma pessoa?

Tudo apontava para uma resposta negativa, principalmente por conta dos diferentes dados que encontrei sobre o seu matrimônio. Acontece que um dos mais importantes historiadores de Aquidauana, Cláudio Robba, indicava em seu trabalho “Aquidauana ontem e hoje” (TJMS, 1992, p. 88), que o Manoel Antônio que lá residiu se casou com Virgínia Trindade de Barros, e essa informação divergia com os levantamentos feitos por Adauto de Alencar no artigo que citamos, qual dizia que a esposa de Manoel Antônio (o irmão de Totó Paes) se chamava Antonia Maria Vieira de Almeida.

No anseio de pesquisar com maior profundidade essa questão, realizei uma expedição para Aquidauana/MS, entre os dias 6 a 8 de dezembro de 2023, no intuito de coletar maiores informações sobre os 5 fazendeiros que em 15 de agosto de 1892 fundaram a vila que, mais tarde, se tornaria esta bela cidade pantaneira de Mato Grosso do Sul.

Ao chegar, constatei que o município possui diversos tributos aos seus fundadores, a exemplo de ruas e avenidas que levam os seus nomes e o busto metálico de cada um, com o respectivo histórico biográfico, fixados na praça central em frente do largo da Matriz.

Na rua Cândido Mariano ainda existe o casarão que serviu de residência para o fundador Manoel Antônio Paes de Barros, qual foi construído pelo engenheiro italiano Nicola Cicalise no ano de 1918. Hoje o imóvel abriga o “Museu da Arte Pantaneira Manoel Antônio Paes de Barros”, possuindo um acervo diversificado de obras de artistas locais e objetos históricos diversos recuperados pelo Instituto Morro Azul do historiador Elbio Gazozo.

Nas paredes das suas dependências há uma exposição de fotografias antigas, entre elas, a do próprio Manoel Antônio. Um primeiro detalhe que notei, foi sua grande semelhança fisionômica com a dos irmãos santo-antonienses Antônio Paes de Barros (Totó Paes) e João Paes de Barros, notadamente com relação ao formato do seu pavilhão auricular, uma característica genética dominante naquela família.

Totó Paes de Barros, Manoel e João
Manoel, Antônio e João (Fonte: Museu da História Pantaneira Manoel Antônio Paes de Barros e Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso)

Sobre a biografia do Manoel Antônio de Aquidauana, ROBBA (TJMS, 1992, p. 88), AYALLA e SIMON (“Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso”, 1914, p. 408) salientam que ele foi proprietário de alguns imóveis rurais, sendo a mais importante delas a “Fazenda Boa Vista”, que, situada há aproximadamente 27 quilômetros da cidade, era dotada de maquinários para produção de aguardente e açúcar, além de possuir um entreposto comercial para atendimento das embarcações que vinham principalmente de Miranda e Corumbá.

Outro imóvel de sua propriedade foi a “Fazenda Pirainha”, atualmente denominada “Fazenda Roma”, que é localizada a 34 quilômetros do Município de Aquidauana/MS via MS-419 e estabelecida nas proximidades da “Fazenda Taboco” fundada pelo Cel. José Alves Ribeiro – “Cel. Jejé”.

A existência de maquinários para produção de açúcar e aguardente em sua propriedade foi mais uma característica indicativa de seu possível parentesco com os Paes de Barros de Santo Antônio do Leverger, cujo interesse industrial é decorrente da forte influência recebida na infância com a vivência na Usina Conceição, o primeiro estabelecimento do gênero concebido pelo patriarca da família o Comendador Joaquim José Paes de Barros.

Para além de suas atividades comerciais, ROBBA (TJMS, 1992, p. 41 e 88) lembra que Manoel Antônio também atuou no campo político administrativo, ocupando o cargo de Prefeito de Aquidauana no ano de 1930 e de Deputado Estadual. No viés religioso, foi um dos fundadores e integrantes da “Irmandade de Nossa Senhora da Conceição”, entidade que levantou recursos para a construção da primeira capela da cidade.

Na atividade militar, integrou a Guarda Nacional, chegando até a patente de Coronel, tendo integrado o “Batalhão Patriótico”, chefiado pelo Cel. Felippe de Brun, Bento Xavier da Silva e Cel. José Alves Ribeiro, que no ano de 1901 lutou contra as forças revolucionárias do Cel. João Ferreira Mascarenhas (“Jango Mascarenhas”) em defesa do governo do Cel. Antônio Pedro Alves de Barros.

Porém, ao entrevistar alguns moradores de Aquidauana, a questão da dupla informação acerca de sua esposa ainda permanecia um problema irresoluto, deixando certo grau de dúvida na pesquisa. Ninguém reconhecia o nome de D. Antônia Maria Vieira de Almeida (citada por Adauto de Alencar) como sendo sua cônjuge, e todos apontavam somente D. Virgínia Trindade de Barros como a única consorte conhecida de Manoel Antônio Paes de Barros, fundador daquela cidade.

Foi quando decidi realizar uma visita até o Cemitério Municipal de Aquidauana e o cenário começou a aclarar. No local encontrei o túmulo de Manoel Antônio Paes de Barros e constatei a seguinte inscrição na lápide: “Manoel Antônio de Barros – n. 13.06.1855 e f. 18.11.1939”.

Aquidauana
Túmulo do fundador Manoel Antônio Paes de Barros (Fonte: João Paes)

Surpreendentemente a data de nascimento indicada em sua lápide era exatamente a mesma constante do artigo “Coronel Antônio Paes de Barros: roteiro genealógico e projeção política” de ALENCAR (IHGMT, 1991, p. 33), o que representava um forte indício de que realmente estávamos falando da mesma pessoa, ou seja, que o Manoel Antônio de Aquidauana era, de fato, um dos irmãos de Totó Paes.

Na sequência, me desloquei até as atuais instalações da “Fazenda Boa Vista” (20°15’13.9″S; 55°52’36.0″W). Atualmente administrada pela empresa “Fit Agro” (com acesso via MS-170), evidenciei que as antigas estruturas da usina de aguardente e açúcar já não existem mais no local, o que vai de encontro com os anúncios que identificamos no jornal “Correio do Estado” (Corumbá, 14 jul. 1909, ed. 19), em que Manoel Antônio anunciava a venda dos maquinários de sua fábrica nos seguintes termos:

“O abaixo assinado, querendo tratar exclusivamente da indústria pastoril, vende por preço razoável o maquinismo que tem para moagem e fabricação de aguardente. Compõe-se de caldeira de vapor, motor, engenho com transmissão para serra circular e bombas, um bom alambique contínuo de serviço a vapor, sistema alemão, com capacidade para 120 litros por hora, tanques de fermentação e outros acessórios. A caldeira de sistema aperfeiçoado, tem força suficiente para receber turbinas e outros aparelhos para a fabricação de açúcar.”

Aos fundos da propriedade, ainda permanece incólume ao tempo o pequeno entreposto comercial construído nas proximidades das margens do Rio Aquidauana, que realizava a distribuição de mercadorias diversas para as embarcações que trafegavam naquelas águas.

Aquidauana
Entreposto Comercial da Fazenda Boa Vista (Fonte: João Paes)

Pouco depois, seguindo a indicação do responsável da fazenda – Sr. José Luiz, encontrei um túmulo antigo cercado por correntes e muito bem conservado (20°15’05.0″S; 55°52’18.5″W). Para a minha total surpresa, nele constava as seguintes inscrições: “Aqui jaz os restos mortais de D. Antonia Maria Vieira de Barros, nascida em 29 de setembro de 1864 e faleceu a 21 de junho de 1899. Saudades do esposo e filhos”.

Túmulo de Maria Vieira de Barros na Faz. Boa Vista (Fonte: João Paes)

Ou seja, na fazenda que um dia pertenceu ao Manoel Antônio Paes de Barros de Aquidauana (cuja esposa os populares conheciam como sendo D. Virgínia Trindade de Barros), se encontra o jazigo de D. Antonia Maria Vieira de Barros (ou Antonia Maria Vieira de Almeida – nome de solteira). Isso definitivamente era o ponto final nas incertezas decorrentes da duplicidade de informações sobre o seu matrimônio. Em outros termos, a existência dessa sepultura na “Fazenda Boa Vista” foi o elo necessário que uniu os trabalhos de ALENCAR (IHGMT, 1991, p. 33) e ROBBA (TJMS, 1992, p. 88).

Com isso, pude concluir com equilibrada certeza que Manoel Antônio Paes de Barros, um dos fundadores de Aquidauana, é verdadeiramente um dos irmãos de Antônio Paes de Barros (Totó Paes), sendo D. Antonia Maria Vieira de Barros a sua primeira esposa, que faleceu em 1899, há menos de 7 anos da fundação do município, em 1892. Com seu óbito ocorrendo pouco depois da criação da cidade, a população de Aquidauana praticamente não a conheceu, o que explica o atual desconhecimento sobre sua pessoa naquela urbe.

Com o falecimento de Antonia Maria, Manoel Antônio contraiu novas núpcias com D. Virgínia Trindade de Barros, filha do cel. Antônio Inácio Trindade e D. Elisa Pinheiro Trindade, com quem conviveu até o seu passamento em 18 de novembro de 1939. Virgínia viveu até seus 69 anos de idade, falecendo em virtude de complicações cardíacas em São Paulo, no dia 22 de setembro de 1950.

João Paulo Lacerda Paes de Barros é escritor, advogado, oficial de Justiça do TJMT, produtor musical e audiovisual, pesquisador de história regional e diretor associado da Casa de Cultura Silva Freire.

É autor do livro “Reescrevendo o diário de Luiz Pedroso Pompeo de Barros” (Entrelinhas, 2021), coautor de “A sétima dimensão da morte” (Amazon, 2018), e um dos organizadores do terceiro volume da trilogia cuiabana do poeta Silva Freire “Ossatura da Cuiabania – Cultura & Busca de Identidade”.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
11
Feliz
Surpreso
2
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
8
Inspirado

Principais Manchetes