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As alterações trazidas pela Medida Provisória 1108/2022 ao teletrabalho

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As alterações trazidas pela Medida Provisória 1108/2022 ao teletrabalho
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Carla Reita Faria Leal*

 

Como vem acontecendo há algum tempo no Brasil, os governantes de plantão usam e abusam da emissão de Medidas Provisórias (MP), mesmo que os temas nelas tratados não sejam urgentes e relevantes, que são os dois pressupostos exigidos pela Constituição Federal para sua adoção e validade.

Pois bem, na última semana foi publicada mais uma MP que, ao nosso ver, não cumpre esses requisitos, portanto, eivada de inconstitucionalidade. A MP 1108/2022 trouxe alterações para a disciplina do teletrabalho e do auxílio alimentação. Nesta coluna,  trataremos apenas de alguns pontos do teletrabalho.

Como já dissemos em ocasiões anteriores neste espaço, o teletrabalho é aquele realizado fora dos estabelecimentos do empregador, por meio do uso de tecnologia de informação e telecomunicação. Importante registrar que tanto a Constituição quanto a CLT estabelecem que não pode haver distinção entre os diversos tipos de empregado, isso com relação aos direitos a esses assegurados, claro que guardando as suas devidas especificidades.

O teletrabalho já tinha sido objeto de regulamentação pela reforma trabalhista, no auge da pandemia por MP e, agora, mais uma vez é objeto de alteração, também por MP. Nela o Governo Federal resolveu mexer em questões muito sensíveis e que, em uma análise ainda superficial, devido a sua recente publicação, parece violar alguns princípios constitucionais e convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.

A primeira alteração a ser destacada é aquela que sofreu o artigo da CLT que estabelecia que o teletrabalhador estaria excluído do regime de limitação de jornada, portanto, não receberia horas extras se ultrapassasse a jornada ordinária, previsão muito controvertida e combatida na Justiça do Trabalho, pois o que define a exclusão do trabalhador é a impossibilidade de controle das horas trabalhadas, o que não acorre no teletrabalho, uma vez que a vigilância da jornada é facilmente exercida.

Agora, pelo texto da MP, a exclusão da limitação da jornada somente ocorrerá se o trabalhador receber por produção ou tarefa. O que, no nosso entendimento, viola o princípio da igualdade, pois todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de contratação da remuneração, desde que possível o controle de jornada, devem receber as horas extras, caso trabalhem além da jornada legal, sendo que, no caso dos que percebem por produção ou tarefa, é devido apenas o adicional de horas extras.

A segunda alteração a ser destacada é aquela que trata da adoção de modelo híbrido, quando no mesmo contrato a prestação de trabalho pode ocorrer de forma remota ou por teletrabalho, e presencialmente, o que anteriormente somente era admitido de forma esporádica. Assim, o teletrabalhador pode ser obrigado a comparecer à sede da empresa, mesmo com habitualidade, para realização de atividades específicas. O que pode ser extremamente prejudicial a este, uma vez que impossibilita a organização de sua rotina e vida pessoal.

Outra alteração, que tem tudo para gerar muitos questionamentos, é a que permite o teletrabalho para estagiários e aprendizes. Isso porque são modalidade de contratação destinadas à vivência profissional do jovem e do estudante no dia a dia da empresa, exigindo, para sua validade, a orientação e supervisão do aprendiz e do estagiário, o que se torna difícil ocorrer pela modalidade telepresencial, abrindo margem para discussões no judiciário trabalhista sobre eventual desvirtuamento da finalidade destes contratos.

A MP também dita que um acordo individual poderá estabelecer os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que respeitados os intervalos legais, no caso, o chamado direito à desconexão. Por outro lado, prescreve que o uso de ferramentas digitais, como aplicativos e softwares, fora da jornada de trabalho, não configura tempo à disposição do empregador, não deixando claro, entretanto, se esse uso seria para o interesse particular do empregado ou para a realização de tarefas relacionadas ao trabalho, o que, caso configurado, é sem dúvida jornada de trabalho.

A MP também esclarece que as atividades de telemarketing e teleatendimento, que possuem normas próprias, principalmente com relação à saúde dos trabalhadores, não são consideradas como modalidade de teletrabalho.

Por fim, a MP pontua que trabalhadores com deficiência, ou com filhos de até quatro anos de idade, devem ter prioridade para exercer o teletrabalho.

Assim, nós, operadores do direito do trabalho, empregados, empregadores e o pessoal lotado no setor de Recursos Humanos das empresas, temos mais essas novidades para entendermos e aplicarmos, sabendo que o Congresso Nacional pode acolhê-las, transformando-as em lei, rejeitá-las ou mesmo deixar escoar o prazo constitucional sem apreciá-las, resultando em sua vigência transitória, o que causa mais confusão ainda.

 

*Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

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