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Abrigados da Valentes de Davi fazem manifestação contra interdição da casa

Moradores da casa não concordam com a proposta de ir para um abrigo da prefeitura e consideram o risco de voltarem para as ruas

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Abrigados da Valentes de Davi fazem manifestação contra interdição da casa

Cuiabá pode ter 380 novos moradores de rua a partir da próxima segunda-feira (13). Isso é o que dizem os abrigados na Casa Valentes de Davi, em Cuiabá, por conta de uma decisão judicial que reforçou a interdição do local e a realocação dos acolhidos no início da semana que vem. Porém, eles se negam a ir para um abrigo municipal e se preocupam com o risco de retornarem às ruas.

Segurando cartazes e batendo tampas de panelas, debaixo de uma chuva fina, o grupo chegou à praça Alencastro, nesta sexta-feira (10), pedindo para falar com o prefeito Emanuel Pinheiro. A pauta seria o pedido de revogação da decisão judicial e a solicitação de ajuda para melhorar as condições da Casa, sem precisar realocar os quase 400 abrigados atualmente.

Por 15 anos, as ruas foram o lar de Allan Christopher Stecklein, de 45 anos. Há três, encontrou na Valentes de Davi, a segurança de poder fechar os olhos e dormir tranquilamente. Agora, com a proposta de realocação, o homem se vê preocupado com o futuro.

“Eu fui tirado das ruas, agora tenho uma casinha, ventilador, cuido de dois gatinhos, não passo frio”, conta. “E agora, vamos para a rua, para debaixo da ponte?”, questiona o homem.

Valdeci Oliveira de Mattos, de 25 anos, comenta que perdeu os pais e não tem nenhuma relação com os irmãos. Enquanto morava na rua, soube da existência da casa e decidiu ir para lá. “Na Casa somos aceitos sem julgamentos. Se fechar, o jeito vai ser ir para a rua, praticamente não tenho família, não tenho outro lugar para ir”, diz Val, como é conhecida a jovem mulher trans.

Entenda o caso

A casa é alvo de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público e apoiada pela Defensoria Pública do Estado, devido às condições estruturais precárias. Os órgãos frisam que o local não tem salubridade para abrigar as pessoas.

Atualmente, grande parte dos acolhidos moram em barracos de madeira que eles mesmos construíram, em uma parte do terreno da casa. Após uma decisão judicial proferida em 2018, que também determinou a interdição do local, um banheiro foi construído ali com a ajuda de doações.

A casa, inclusive, se mantém através dessas doações e da renda obtida com a venda de pizzas produzidas pelos abrigados ou vendas de sacos de lixo. O governo do Estado entrega alguns sacolões e cobertores para os acolhidos.

“Por que não fornecem os materiais para a gente arrumar ali e melhorar essas condições? Só precisamos de material porque mão de obra é o que mais tem ali. Eu mesmo participei da construção do banheiro”, relata Alípio Batista da Rocha Neto, de 36 anos.

Há 12 anos, Neto, como é chamado pela comunidade da casa, conheceu a pastora Fatima Correa Mendonça, quando ainda estava preso. Ao sair da prisão, foi para a casa, onde está há 8 anos.

“Ali dentro eu trabalho ajudando com o serviço de manutenção da casa e ajudando o pessoal que mora lá também. Se sair dali, eu não tenho para onde ir. O jeito é ir para a rua mesmo”, diz indignado.

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Por que não ir ao abrigo?

Para o cumprimento da decisão judicial que prevê a realocação do abrigados, será apresentada pelo Comitê Intersetorial da Política Municipal, a possibilidade de ser levado para um abrigo municipal.

“No abrigo não temos o cuidado de uma pessoa com a outra, a atenção quando está doente. E mais, não podemos ficar no abrigo durante o dia, então, o que fazer nesse período? Ali na Casa, pelo menos temos algo para ocupar a mente, como as pizzas que fazemos”, diz um rapaz de 35 anos, que estava preso por roubo e tráfico de drogas, e conseguiu sair da prisão há menos de uma semana.

Direito de escolha

(Foto: Natália Araújo / O LIVRE)

Com um cartaz nas mãos, José Crispim da Conceição, de 30 anos, questiona sobre o direito de escolher onde ficar. “Lá eu consigo me controlar, tenho apoio e não sofri nenhuma recaída nesses 9 meses”, afirma o jovem sobre a dependência em álcool.

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O que diz a Prefeitura?

A Prefeitura de Cuiabá, por meio de nota, reforçou que o local não tem condições de abrigamento e por isso, a Justiça determinou o fechamento. Portanto, em cumprimento ao Plano de Ação previsto na Justiça, o Município vai disponibilizar o acolhimento em um novo espaço, com 150 vagas, na região do CPA.

A gestão municipal lembra que a oferta de acolhimento é garantida, mas não obrigatória.

Confira a nota na íntegra.

“Quanto à Comunidade Terapêutica Valentes de David, a Prefeitura de Cuiabá informa:

– Mediante e inexistência de condições de abrigamento no local, a Justiça Estadual determinou processo de fechamento da comunidade terapêutica;

– Considerando a questão social complexa atinente a direitos fundamentais, foi instituída uma Comissão Intersetorial (com a participação de diversos órgãos da sociedade civil, Município, por meio da Secretaria Assistência Social, Direitos Humanos e da Pessoa com Deficiência e a Secretaria Municipal de Saúde, Ministério Público e Defensoria Pública) versando a construção de um Plano de Ação de Realocação com proposições a serem cumpridas em curto, médio e longo prazo;

– O Município, em seguimento ao Plano de Ação, disponibilizará a oferta de acolhimento aos residentes da Comunidade. No total, o novo espaço que funcionará região do CPA, disponibilizará total de 150 vagas.

– O quantitativo é suficiente para o acolhimento em razão de levantamento realizado no local onde constatou-se a presença máxima de 135 ocupantes na Comunidade.
– Contudo, é necessário ponderar que a oferta de acolhimento é garantida, mas não é obrigatória aos moradores da Comunidade. O aceite ao processo de acolhimento é facultativo.

– Na data de 7 de junho de 2022, foi realizada nova audiência de validação do Plano de Ação de Realocação. A audiência foi presidida pelo juiz Bruno de Oliveira Marques, da Vara Especializada em Ações Coletivas de Cuiabá, que deliberou as datas de 13 (treze), 14 (quatorze), 20 (vinte) e 21 (vinte e um) do mês de junho, sejam realizados os trabalhos in loco pela equipe do Comitê Intersetorial para o cumprimento das ações determinadas no plano de ação para realocação.

– Oportuno esclarecer ainda que todas as audiências sobre a questão contaram com a participação dos responsáveis pela comunidade terapêutica, sendo de pleno conhecimento dos responsáveis todas as medidas a serem promovidas a curto, médio e longo prazo.”

 

 

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