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A dor de não saber: como é a vida de famílias com pessoas desaparecidas

Além do desaparecimento, é comum a essas famílias um misto de sentimento que vai da tristeza à esperança por um reencontro

7 minutos de leitura
A dor de não saber: como é a vida de famílias com pessoas desaparecidas
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

A dor por não saber e a esperança pelo reencontro. Esse é o misto de sentimentos que cerca quem tem parentes desaparecidos. Não importa há quanto tempo. A dúvida nunca deixa de acompanhar essas pessoas.

É assim que vive Cleonide Martins de Sousa, de 50 anos. Costureira, ela mora em Fortaleza, no Ceará. Sonha conhecer o pai, Antônio Justino da Silva. Ele saiu de Tauá, no interior do Estado, em 13 de dezembro de 1972. Buscava uma oportunidade de trabalho. Mato Grosso foi um de seus destinos e, segundo informações que a família conseguiu reunir, ele chegou a Cuiabá. Mas isso é tudo. Há 5 décadas, não há mais notícias do nordestino.

“Minha mãe conta que ele disse que buscaria a gente”, conta a mulher que tinha 5 meses de vida quando o pai saiu de casa. A promessa nunca foi cumprida. Os 4 filhos que ficaram no Ceará, aliás, sequer foram registrados por Antônio. No registro consta o nome do sogro dele. Uma das filhas faleceu em 2021, sem rever o pai.

A esperança

Em 2020, Francisco Marsuelio de Araújo, de 33 anos, passou por Cuiabá e decidiu avisar a polícia: estava à procura do tio-avô. A crença em um final feliz, para ele, tem mais motivos. Outro familiar que passou mais de 30 anos desaparecido, foi encontrado.

“Esse não estava longe. Saiu de casa após um problema familiar e ficou 33 anos distante. Em 2020, foi encontrado”, conta o rapaz.

A avó de Francisco, Alzenir Rosa do Nascimento, 77 anos, é irmã de Antônio, que hoje deve estar com 80. Ela torce para que o reencontro possa acontecer o quanto antes.

“Ela acredita que ele está vivo e que ainda vai vê-lo. Ele tinha um irmão gêmeo, que ainda está vivo. Ele (Antônio) era muito cuidadoso com a saúde, então pode estar bem”, diz Francisco.

Antônio e o irmão não são gêmeos idênticos. Já Cleomar Martins Sousa, de 52 anos, se parece muito com o pai, que ele também procura há décadas.

O pintor de automóveis não tem lembranças de Antônio. Era muito pequeno (tinha pouco mais de um ano) quando o pai saiu de casa. Mesmo assim, ainda acredita na chance de um reencontro.

“Moça, fico até emocionado em pensar num negócio desse”, disse.

Cleomar sonha encontrar o pai desaparecido (Foto: Acervo pessoal)

Nenhum rastro

Desde 13 de outubro de 1992, Maria Aparecida da Silva Lima Fiuza, de 46 anos, espera reencontrar o pai. Anedino Gonçalves de Lima, deve ter 69 anos. O homem foi visto pela última vez na avenida 31 de março, em Várzea Grande.

A auxiliar de serviços gerais conta que o pai morava com a mãe dele, em Cuiabá, no bairro Santa Isabel. No dia anterior ao desaparecimento, foi visitar as filhas que moravam na região de chácaras na cidade vizinha.

“Ele já tinha um netinho, de cinco meses, e ia até lá para ver o bebê. Ia a pé para a nossa casa”, conta.

Anedino saiu da casa de uma das filhas e não foi mais visto há 30 anos (Foto: Divulgação / PJC-MT)

Anedino chegou à tarde, ficou ali na companhia da família, jantou e dormiu. No dia seguinte, saiu sem ninguém ver. As filhas entenderam que o pai teria voltado para casa. Porém, ao irem até a casa da avó, foram informadas que o homem nunca tinha chegado.

Maria Aparecida, que na época era uma adolescente, lembra da busca nos hospitais, no Instituto Médico Legal (IML), no percurso que Anedino faria. Nenhum rastro foi identificado. Ningúem, nunca mais teve notícias dele.

Agora, que o país conta com um banco genético, ou seja, um cadastro de DNA, a auxiliar de serviços gerais forneceu material para que seja feito o cruzamento com dados de pessoas mortas na época do desaparecimento. Mas isso não apaga a esperança de Maria Aparecida: reencontrar o pai bem.

“Em meu coração, sinto que ele está vivo e me apego nas memórias que tenho dele”, comenta.

Mãe à espera

Valdemir sumia por alguns dias, mas sempre retornava para casa (Foto: Divulgação / PJC-MT)

Há 24 anos, a mãe de Valdemir Moreira dos Santos espera o retorno do filho. “Ela guardou em uma sacola uma roupa para que ele possa usar quando voltar”, conta a filha Valdineide Moreira dos Santos, de 50 anos.

Hoje, o cabeleireiro deve ter 53 anos. Desde o dia 2 de novembro de 1998 a família não tem notícias sobre ele.

Valdemir saiu de casa dizendo que iria cortar o cabelo de um cliente. Detalhes sobre quem seria essa pessoa e onde seria o encontro não foram informados.

Valdineide conta que o irmão tinha o costume de desaparecer, mas em dois ou três dias reaparecia. A família até suspeitava que ele estivesse usando drogas.

“Ele era muito vaidoso, caprichoso, mas começou a ficar muito fechado. Sumia por uns dias e retornava descalço, sujo e com muita fome”, relata a irmã.

Porém, os dias passaram e Valdemir não retornou, como de costume. A família realizou buscas pela cidade, falou com amigos, mas ninguém tinha notícias do rapaz. Nem mesmo em hospitais ou no IML.

Praticamente um ano após o desaparecimento de Valdemir, o pai do jovem faleceu. A família decidiu fazer anúncios, na expectativa do rapaz reaparecer. “Pensamos que ele poderia ver e retornar para casa, mas isso não aconteceu”.

Depois de tanto tempo de espera, a mulher diz que a mãe, uma idosa de 77 anos, sente que o filho está vivo. Os irmãos não consideram mais essa chance, mas precisaram fazer o registro policial por conta de um inventário.

“Nós consideramos que ele possa não estar mais vivo, mas ela tem a esperança que ele vai voltar para casa”, diz.

Os registros

Desaparecidos há mais de uma década não são registros tão incomuns diz a Polícia (Foto: PJC MT)

Registros de desaparecidos há muitos anos não são tão inéditos assim, segundo Jannaina Paula Silva, escrivã do Núcleo de Pessoas Desaparecidas da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), em Cuiabá. Em 2022, 11 ocorrências foram de casos ocorridos entre 1975 a 2002. Uma outra é de um desaparecimento em 2015 e outro de 2018.

Normalmente, essas ocorrências são feitas nos aniversários dos desaparecimentos ou da pessoa desaparecida, ou ainda nos períodos festivos do final de ano. Ou seja, em épocas em que a emoção fala mais alto. Em outros casos, o registro é feito por conta de inventário de herança. Mas o importante é poder colocar um fim nesse capítulo da história.

O que dificulta o trabalho de busca nessas ocorrências, comenta a policial, é a dificuldade em obter as informações devido a longa passagem de tempo. Há ocorrências em que nem mesmo uma foto do parente desaparecido existe. A busca é por um rosto desconhecido na multidão.

O quanto antes

Nesse contexto, o responsável pelo Núcleo, o delegado Roberto Pereira Amorim, esclarece que a espera de “24 horas após o desaparecimento para fazer o registro na polícia” é um mito. A orientação policial, na verdade, é completamente na contramão: registre o quanto antes que a pessoa saiu de seu comportamento habitual.

“Precisamos começar a trabalhar em busca dessa pessoa o mais rápido possível”.

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