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Professores da Unemat pediram extinção da Faespe em 2008

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Professores da Unemat pediram extinção da Faespe em 2008

Edson Rodrigues/O Livre

Faespe sede Cácerers

Investigada pelo Gaeco, Faespe foi criada para dar agilidade que supostamente faltava à Unemat e recebeu nos últimos três anos mais de R$ 128 milhões do poder público 

O dia ainda não havia chegado à metade naquela sexta-feira (28) quando perambulávamos de carro em busca do endereço. As ruas cacerenses, estreitas e de sinalização confusa, tornavam a tarefa, aparentemente simples, um desafio. Já enganados uma vez pelo GPS, perguntávamos a quem estivesse por perto sobre o paradeiro da Fundação de Apoio ao Ensino Superior Estadual (Faespe). As respostas também vinham em forma de dúvidas.

Depois de mais um desencontro de informações – e pensando em deixar a procura para mais tarde – , inesperadamente, um motociclista encosta. Abaixa o capacete para falar melhor e, antes de seguir adiante, nos diz para “virar a direita, ir até o final, pegar a esquerda, contar duas quadras e virar à direita novamente”. Rota adentro, poucos minutos depois chegávamos ao destino. Mas a intenção de conhecer a Faespe por dentro e conversar com alguém da direção acabaria frustrada: as portas estavam fechadas.

Talvez pelo fato de que, naquele dia, o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) de Mato Grosso dava prosseguimento à segunda fase da Operação Convescote e cumpria 13 mandados de condução coercitiva. Através do vidro fumê da acanhada sede da fundação, que em três anos recebeu mais de R$ 128 milhões do poder público, contudo, era possível ver o movimento de algumas pessoas. Após algumas batidas de leve no vidro sem qualquer retorno, fomos embora.

“Reina no interior da Faespe
um grande silêncio, não só entre os diretores, mas
também entre os servidores”

Silêncio
Sediada em Cáceres, a Faespe se apresenta como “instituição de direito privado sem fins lucrativos, que tem como objetivo apoiar programas e projetos inerentes ao desenvolvimento socioeconômico e cultural, fomentando a produção do conhecimento científico e tecnológico no estado de Mato Grosso”.

Criada há 24 anos para dar à Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) a agilidade que supostamente lhe faltava, a Faespe é investigada pelo Ministério Público Estadual (MPE) pela suspeita de ter sido empregada em um esquema de desvio de dinheiro por meio de convênios firmados com instituições como a Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas (TCE) de Mato Grosso, Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra), prefeitura de Rondonópolis e a própria Unemat.

Os promotores questionam o tipo de serviço prestado pela fundação, quem são as pessoas que realizam os trabalhos e a razão dos valores envolvidos nos convênios. Indagações que, para uma categoria, não chegam a ser surpresa.

Docentes da Unemat ainda hoje alegam desconhecimento quanto ao funcionamento da Faespe, bem como a relação mantida entre a universidade e a fundação. Sob o argumento de falta de transparência, em 2008, durante o encerramento do II Congresso Universitário – evento que acontece a cada quatro anos e que, em tese, serve para se discutir as micropolíticas universitárias – a Associação de Docentes da Unemat (Adunemat) aprovou uma resolução exigindo a extinção da Faespe. A medida, no entanto, acabou engavetada pelo então reitor da Unemat, Taisir Karim. 

“Nessa época, já apareciam indícios suspeitos de que havia algo errado. A gente já percebia que a universidade não tinha controle sobre a Faespe e que a fundação era uma verdadeira caixa-preta. Não tínhamos conhecimento sobre os serviços prestados, o dinheiro movimentado, os convênios estabelecidos. E não mudou nada de lá para cá. Os órgãos colegiados da Unemat não têm informação alguma sobre essas questões”, afirmou o presidente da Adunemat, Domingos Sávio da Cunha Garcia, que também é doutor em economia e vinculado ao departamento de História.

O argumento de Domingos é corroborado por Acir Montecchi, professor efetivo da instituição há 20 anos. Para ele, na falta de uma maior transparência, o que prevalece na fundação é o silêncio. “O tempo passa e a gente vai notando que os problemas da falta de apresentação de resultados, de prestação de contas, vão persistindo. Reina no interior da Faespe um grande silêncio, não só entre os diretores, mas também entre os servidores”, reiterou.

Na investigação do Gaeco, pontuam os professores, o que chama a atenção são os valores envolvidos nos convênios, o que, segundo eles, indicam que pessoas influentes possam estar por trás das práticas ilícitas.

“Parece pouco crível que, pela quantia envolvida nos convênios, que os principais responsáveis sejam essas pessoas que já chegaram a ser presas. Acho que a investigação pode revelar figuras ainda
muito mais influentes”

O Gaeco aponta que, ao menos, R$ 3 milhões tenham sido desviados, porém, o rombo poder ser bem maior. A Assembleia Legislativa pagou R$ 56 milhões à fundação e, em depoimento, Lázaro Gonçalves de Amorim, um dos presos na primeira fase da operação, informou às autoridades que 30% do serviço estipulado no contrato com a Casa de Leis não foi executado.

“Parece pouco crível que, pela quantia envolvida nos convênios, que os principais responsáveis sejam essas pessoas que já chegaram a ser presas. Acho que a investigação pode revelar figuras ainda muito mais influentes”, asseverou Domingos.

Prestação de contas
Em maio deste ano, a Controladoria Geral do Estado (CGE)  apresentou uma recomendação técnica à Unemat que apontava irregularidades em 16 convênios de 2011 a 2015 firmados com a Faespe. Sete deles venceram sem que houvesse a prestação de contas final e, no restante, a comprovação foi apenas parcial. Os valores dos convênios totalizam R$ 4,6 milhões.

Dados do Sistema Integrado de Planejamento e Finanças do Estado do Mato Grosso (Fiplan) revelam que, de 2014 até abril de 2017, a Unemat repassou à Faespe por volta de R$ 19,5 milhões. Somente neste ano, foram mais de R$ 726 mil pagos pela universidade à fundação. A CGE observou que a Unemat infringiu a legislação ao continuar com a celebração de convênios com Faespe, mesmo diante da falta de prestação de contas.

Por conta disso, a Unemat informou que acatou a recomendação da CGE e suspendeu temporariamente os convênios com a fundação, até a situação ser regularizada.

Edson Rodrigues/O Livre

Unemat Cáceres

Unemat pagou R$ 19,5 milhões à Faespe em três anos, mesmo diante da falta de prestação de contas por parte da fundação, como apontou a Controladoria Geral do Estado 


“Unemat é quem paga”
Domingos enfatizou que, ao longo dos anos, os sucessores de Taisir — Adriano Silva e Ana Maria Di Renzo, atual reitora — deram prosseguimento à política de fortalecimento da Faespe, estimulando a assinatura de convênios da fundação com a Unemat o que, em sua avaliação, tem contribuído para a perda gradativa da autonomia da universidade, além de deixar a instituição mais vulnerável quanto a eventuais falhas que possam vir a ocorrer. “No geral, as pessoas não fazem mais qualquer tipo de separação entre Faespe e Unemat”, argumentou.

O professor observou que a universidade deixou de, por exemplo, organizar processos seletivos, apesar de possuir uma diretoria de Concursos e Vestibulares. Em 2010, a Faespe, com a anuência da Unemat, se encarregou de realizar o concurso público do governo do Estado e acumulou diversos problemas no dia das provas, que resultaram no cancelamento do certame. O concurso foi realizado depois pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

“Aquilo foi um desastre sem igual para a Unemat, que teve a imagem profundamente desgastada em nível nacional e sua credibilidade colocada em xeque, embora tenha sido a Faespe a responsável pela organização e realização do concurso”, pontuou Domingos. “A Unemat deixa de arrecadar recursos e, ainda por cima, no caso de algo dar errado com a Faespe, não é a fundação a mais atingida, é a universidade”.

“No geral, as pessoas
não fazem mais qualquer
tipo 
de separação entre
Faespe e Unemat”

Ex-presidente da Adunemat em duas ocasiões, Acir enumerou que a associação, ao longo dos anos, tem realizado enfrentamentos para cobrar uma postura mais transparente por parte da Faespe, mas que os esforços não ecoam pela reitoria da universidade. “A diretoria da fundação é indicada pela reitoria e nota-se uma confluência de interesses”, diz.

Defensor das fundações, o vereador por Cáceres Cézare Pastorello (PSDB) ressaltou que o problema encontra-se no desvio de finalidade. “A Faespe é necessária para as instituições, o mal está em quem tenta tirar vantagem dos convênios. Por conta disso deve-se ter uma maior fiscalização da fundação, o que sabemos que ainda não ocorre”, disse.

“A Câmara está aberta. A Unemat já veio prestar contas, deputados e prefeitos já vieram prestar contas. A Faespe, por ser ligada à universidade, seria interessante ter essa publicidade. Ninguém sabe o quanto vai para lá”, resumiu.

Sem resposta
Ao longo dos dois dias em que esteve em Cáceres, a reportagem ligou diversas vezes e mandou mensagens para o diretor geral da Faespe, Marcelo Geraldo Coutinho Horn, mas não obteve resposta. A reitora da Unemat, Ana Maria Di Renzo, também foi procurada diretamente e por meio de sua assessoria, porém, também não se manifestou.

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