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Filhos de pai sapateiro, irmãos exercem o dom da família há 44 anos no centro de Cuiabá

A Consertos Silva abriu as portas em 1978 e, até hoje, segue no mesmo endereço, no centro de Cuiabá

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Filhos de pai sapateiro, irmãos exercem o dom da família há 44 anos no centro de Cuiabá
(Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

Se pode Deus, neste já avançado e caótico século 21, ainda criar seres mais afeitos ao conserto, e não ao descarte de coisas velhas, Ele, Deus, os fez materializar em uma simples porta de um simples negócio no centro de Cuiabá.

Ao entrar na Consertos Silva, localizada na Rua Campo Grande, no Centro Sul, em Cuiabá, questionei: “Quem é o Silva?” e tive como resposta: “Os dois”. Sim, o famoso local de conserto de bolsas, malas e bolas do centro de Cuiabá é um negócio de família, que abriu as portas pela primeira vez em 1978.

Aliás, para contar essa história, precisamos ir muito antes, no senhor Lucas Evangelista dos Santos, pai dos irmãos José Gonçalo da Silva Santos, 55 anos, e Dejair da Silva Santos, 72, mais conhecido como Quati. Afinal, foi ele quem começou o caminho da família para o dom da sapataria, que permitiu que os filhos hoje fossem pespontadores de sucesso.

Lucas trabalhava na Sapataria Trindade, na Rua 13 de Junho e, inclusive se aposentou como sapateiro. Dejair aprendeu um pouco com o pai; já José não teve tempo, porque ainda era muito pequeno.

Mas foi com um patrão que Dejair teve mais tempo de aprendizado. Aos 16 anos ele começou a trabalhar na Artefatos Alves, que ficava um pouco acima de onde hoje é a Conserto Silva e pertencia a Fernando Bispo Alves, mais conhecido como Baiano.

Dejair trabalhou com Baiano por cerca de 10 anos, consertando sapatos e fabricando bolsas e cartucheiras. Ele conta que estudou somente até a primeira série e, depois disso, apenas trabalhou.

“Comecei a trabalhar cedo, comecei a ganhar dinheiro e gostei. Desde os meus 15 anos meu pai não gastava mais nada comigo. Tudo era eu que fazia”, contou.

Dejair é o irmão mais velho e ensinou o ofício ao irmão (Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

Quando Baiano fechou a Artefatos Alves, Dejair, que tinha 27 anos, resolveu abrir sua própria empresa. Mas não quis sair da rua Campo Grande. Então, encontrou o endereço ideal a apenas duas portas do emprego anterior.

Antes de começar sua empresa, porém, ele chamou José Gonçalo, que tinha entre 11 e 12 anos, para embarcar junto na ideia e ensinou o ofício ao irmão. E deu certo! Os dois já estão há 44 anos no mesmo local.

Na Conserto Silva, Dejair não fabrica mais, apenas conserta. E sapatos só pega muito esporadicamente e apenas para trabalhos específicos, como uma costura, ou uma colagem. O forte mesmo são as bolsas, malas, pastas e bolas.

A Consertos Silva fica na Rua Campo Grande, no Centro Sul, em Cuiabá (Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

Clientes

José Gonçalo contou que o movimento da Conserto Silva sempre foi muito bom. Principalmente no começo do ano, quando, devido à volta às aulas, se conserta muitas mochilas e, devido às férias, muitas malas. Somente na pandemia eles viram os clientes ficarem mais escassos.

Na época da pandemia foi meio difícil para nós. Na verdade foi para todo mundo, né? Mas, graças a Deus, hoje ainda se conserta tudo. Essa época mesmo é muita mochila, muita mala, o pessoal viajando. Graças a Deus, serviço não está faltando”, disse José.

E a clientela é fiel aos irmãos Silva. Para José, um dos motivos é que hoje em dia ainda vale a pena consertas as coisas, em qualquer área. Além disso, completou Dejair, é raro encontrar uma pessoa que ainda exerce essa profissão.

“Fazem mais conserto de sapato. Meu aqui não, só mala, bolas, bolsas e mochilas”, afirmou Dejair.

Os irmãos afirmaram que o serviço que mais fazem é troca de zíper (Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

O trabalho único, bem feito e com bom preço trouxe, inclusive, clientes ilustres para os irmãos, como o ex-prefeito e apresentador Roberto França, o colunista social e carnavalesco Jejé de Oyá e a família Campos, desde dona Amália, já falecida, até o deputado estadual Júlio Campos, indicação que passou de pais para filho.

Mas os mais antigos e famosos foram o professor e historiador Lenine de Campos Póvoas, que faleceu em 2003, e o poeta, historiador e jornalista Rubens de Mendonça, cujo nome foi colocado em uma das principais avenidas de Cuiabá.

Apesar de alguns clientes terem nomes mais fáceis de gravar, José Gonçalo deixa claro que não tem tratamento diferente para ninguém: todos recebem um ótimo serviço

“Nós temos carinho por todos que contratam serviço aqui. Para mim, todo mundo é especial”, disse.

O empreendimento nunca fica vazio, a todo momento chegam clientes (Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

Centro de Cuiabá

Criados no Bairro Popular, moradores do Coxipó e com os 44 anos de empresa no centro de Cuiabá, José e Dejair não só conhecem a história da Capital, como a viveram. Eles contam que viram muitas lojas do centro fecharem, mas o movimento para eles continua bom e não gostariam de abrir a empresa em outro lugar.

“Essa rua mesmo aqui, ela não descia, ela subia, era ao contrário. O calçadão da rua do meio não era calçadão, era rua normal. Depois que virou calçadão”, lembrou José.

Aqui era bom porque você ia almoçar e deixava tudo aberto. Almoçava na Ricardo Franco, deixava aberto e ninguém mexia. Aqui era paralelepípedo. Era tranquilo. Agora você piscou o olho e nego está levando tudo que é seu”, lamentou Dejair.

No ano passado, os irmãos foram furtados duas vezes. Ladrões levaram a fiação do lado de fora da Consertos Silva.

(Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

Futuro

Os irmãos estudaram pouco. Eles contam que os pais até deram oportunidade, mas ambos escolheram começar a trabalhar cedo e garantem que valeu a pena.

“Meu irmão [Dejair], criou os 8 filhos dele daqui. Eu também, graças a Deus, tenho 2 filhos que eu criei daqui”, afirmou José.

O irmão mais novo só tem um neto, mas o mais velho tem 16 netos e 5 bisnetos. Apesar disso, a história da família com os consertos deve acabar com os dois, pois nenhum dos descendentes se interessou em aprender.

“Com essa evolução de hoje as crianças só querem saber de celular. Rezar para eles estudarem e terem uma profissão”, disse Dejair.

Mas, por hora, os cuiabanos ainda podem ficar tranquilos, pois nenhum dos dois pensa em parar. Dejair até já tem idade e tempo de contribuição para se aposentar, mas não quer abandonar o trabalho.

“Se eu aposentar eu fico doente. Eu vou aposentar, já dei entrada, mas vou continuar. Ficar em casa só olhando para a mulher não dá”, disse Dejair, aos risos.

E se alguém quiser ser o futuro dos consertos em Cuiabá, José Gonçalo disse o que é necessário para seguir na profissão: “Basta gostar do que faz”.

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