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Cinco perguntas para o cientista político FERNANDO SCHÜLER

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Cinco perguntas para o cientista político FERNANDO SCHÜLER

O Livre

Cinco Perguntas para Fernando Schuler

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 2ª instância revelou, ainda mais, um traço do Partido dos Trabalhadores: as instituições, na visão deles, só estão funcionando quando estão de acordo com o pensamento do partido. Os questionamentos que se seguiram à decisão de três magistrados que, de forma unânime, condenaram Lula, mostram que tanto Lula quanto o seu partido consideram que a política pode vencer a Justiça. 

“Não tenho registro de que que algum outro partido ou líder político, em nossa historia democrática, tenha desafiado dessa forma o sistema de justiça. O ponto é que não se faz uma grande democracia sem instituições”, afirmou o cientista político e professor do Insper, Fernando Schuler, em entrevista ao LIVRE

Na visão do acadêmico, esse discurso tem uma consequência ainda mais funesta para o país: impede o debate em torno do seu futuro. “O triste é perceber que, ao invés de estarmos discutindo o destino de Lula, deveríamos estar focados no futuro do País”, disse. Confira a entrevista: 

1 – Mudou tudo, mudou algo ou não mudou nada? O que significa a condenação de Lula para o futuro da política brasileira? 

Fernando Shculer – Diria que se trata de uma tranquila afirmação da Justiça e das instituições em meio à guerra retórica que se assiste no País. Desde o início deste processo, Lula e sua defesa apostam em uma ideia fixa: a política pode vencer a justiça. A ideia de que fazer comício, passeata, abaixo-assinado, vídeo com artistas, pode de alguma maneira afetar decisões da justiça. Não tenho registro de que que algum outro partido ou líder político, em nossa historia democrática, tenha desafiado dessa forma o sistema de justiça. O ponto é que não se faz uma grande democracia sem instituições. Quando o PT diz que a decisão do Juiz não vale, que não reconhece a palavra de três desembargadores, que vivemos tempos de exceção, etc, está passando uma mensagem um tanto curiosa: o que vale é a justiça do partido. Só o partido teria legitimidade para dizer o que vale como prova e o que é justo ou não. Foi o mesmo com o processo de impeachment: foi um “golpe”, na medida em que apenas o partido e seus juristas tinham legitimidade para definir o que era crime de responsabilidade. Esta é uma visão tremendamente problemática para a democracia. Democracia se faz com o respeito às instituições, mesmo que se possa discordar de suas decisões, neste ou naquele episódio.

2 – Lula vai participar como candidato das eleições de 2018? 

FS – Segundo o estabelecido na Lei da Ficha Limpa, a resposta é não. Nós estamos em janeiro; a decisão em segundo instância foi tomada por unanimidade e não há espaço para embargos infringentes. O tempo corre contra a possibilidade da candidatura Lula. É evidente que o PT pode inscrever o seu nome como candidato, em 15 de agosto, e apostar em uma sucessão de recursos e em uma candidatura sob judice. É um caminho desastroso para um País que deveria estar olhando para o futuro e buscando um patamar mínimo de estabilidade institucional. Mas é um direito do partido, e na atual lógica de confrontação e “quanto pior melhor”, penso que Lula fará o que puder nessa direção. Sua estratégia, me parece, continuará a mesma: testar até o fim os limites da justiça e apostar na “guerra política. Quem perde com isto é o País, que deveria estar discutindo as reformas que precisa fazer.

3 – O espólio do ex-presidente é transferível para um candidato do seu partido ou do seu espectro ideológico? 

FS – Lula certamente tem um enorme potencial de transferência de votos. Já mostrou isto quando elegeu Dilma Rousseff, em 2010, e o prefeito Fernando Haddad, em São Paulo. A questão é saber se Lula estará ou não em atividade política, na campanha deste ano. Ninguém tem, honestamente, esta resposta.

4 – É o fim do PT? 

FS – De maneira nenhuma. O PT continuará sendo, por muito tempo, a principal referencia da esquerda brasileira. Tem estrutura, quadros experientes, apoios no mundo acadêmico e no sindicalismo. Mas tem uma série de problemas. O primeiro deles é que sua visão de mundo e de país envelheceu. A esquerda não soube entender, até hoje, o impacto da revolução tecnológica, na economia, e os incríveis ganhos que a integração econômica global trouxe especialmente para o mundo em desenvolvimento e os mais pobres. Mesmo com o desastre da chamada “nova matriz econômica”, é incrível observar os formuladores da esquerda repetindo todos os velhos erros. Não deveria, mas sempre me surpreendo quando vejo um líder da esquerda afirmando que não há déficit na previdência. Você mostra os dados, claríssimos, e o sujeito tapa os ouvidos e continua a repetir a mesma coisa. Agora vejo Lula pregando que irá rever as reformas feitas pelo Congresso, nos últimos dois anos, e sugerir a regulação da mídia. É quase surrealista. A verdade é que o PT se tornou, há muito tempo, uma força política que orbita em torno da imagem e do mito criado em torno de Lula. Em boa medida, é o que o ex-porta- voz do presidente, o sociólogo André Singer, chamou de emergência do “lulismo”. Uma força de traço populista, personalista, que expressa perfeitamente o atraso da esquerda e sua incapacidade de renovação.

5 – Junto de Lula, pode-se dizer que muito do discurso associado à sua imagem, como o do “nós versus eles”, “ricos versus pobres”, “estado onipresente” deixarão de existir? Ou essas são questões mais profundas do ideário político brasileiro?  

FS – Lula fez sua carreira política incentivando o “nós versus eles”. Quando foi presidente, criou um tipo de “retórica excludente”, tipificada no bordão “nunca antes neste país”. Algo que não se via no Brasil desde o “Ame-o ou deixe-o”, do regime militar. Seu comportamento é típico da tradição populista brasileira. O culto à ideia mística do “eu resolvo, eu sei, eu posso, eu fiz”. Por óbvio, há aí uma imensa crença no Estado e uma aliança silenciosa com a Brasil das corporações, tanto públicas, quanto privadas. Na cultura política brasileira, é comum a confusão entre o “público” e o “estatal”. A ideia ingênua de que mais burocracia é mais “controle” e que o aparato público faz bem para os mais pobres. As evidências vão todas na direção contrária: nossos alunos de escolas públicas tiram os últimos lugares no PISA, o teste internacional de educação da OCDE, e todos sabem o que se passa com nossos hospitais e presídios estatais. Mesmo assim, as pesquisas mostram que 70% dos eleitores são genericamente avessos à “privatização”. Isto vem mudando, devagar, mas ainda é muito forte, em particular entre os estratos de menor escolaridade da população. O fato é que Lula é ao mesmo tempo um resultado e um propulsor dessa cultura. O triste é perceber que, ao invés de estarmos discutindo o destino de Lula, deveríamos estar focados no futuro do País.

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