Crônicas Policiais

Abuso de autoridade x insubordinação: sargento prende soldado da PM por não atender ligação

Soldado está preso há dois dias, sem passar por audiência de custódia

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Abuso de autoridade x insubordinação: sargento prende soldado da PM por não atender ligação
(Foto: Ednilson Aguiar)

O soldado da Polícia Militar Josevan Evaristo da Silva, lotado em Alto Boa Vista (950 km de Cuiabá), foi preso nessa sexta-feira (14), enquanto estava de serviço, por seu comandante direto, o 2º sargento Kaime Costa Fonseca, que o acusa de insubordinação.

O motivo que culminou na prisão foi o 2º sargento ter ligado para o soldado, que estava na rua com uma viatura da PM, e este, supostamente, não ter atendido. O soldado, no entanto, afirma nunca ter recebido nenhuma ligação.

Entre diversas citações – que serão explanadas na reportagem -, o sargento/comandante afirma que o soldado teria ficado exaltado ao ser questionado e não o respeita, enquanto o soldado afirma não ter desobedecido nenhuma ordem e nem ter enfrentado o superior.

Há três testemunhas, uma que afirma não ter ouvido gritos, uma que corrobora com o depoimento do 2º sargento e outra com a do soldado.

(Foto: Google Maps)

Versão do 2º sargento

Segundo o 2º sargento Kaime, nessa sexta-feira (14), quando ele assumiu o serviço no Núcleo da Polícia Militar de Alto Boa Vista, de manhã, percebeu que o soldado Evaristo, que era o comandante de viatura no dia, conforme escala, entrou na viatura e não o informou onde iria.

Após cerca de 30 minutos, uma pessoa teria chegado ao quartel dizendo ter sido vítima de um roubo e que o ladrão estava tentando acessar sua conta bancária. A vítima sabia onde estava o ladrão e procurou a PM para que uma equipe realizasse a prisão.

O 2º sargento, então, afirma ter tentado contato com a equipe plantonista pelo número funcional, ligando ao menos seis vezes, mas sem conseguir ser atendido.

Em continuidade, ele afirma ter ligado para o celular pessoal do soldado Evaristo quatro vezes e para o soldado Lucas Alves, que também estava de serviço, quatro vezes, porém, nenhum deles teria atendido as ligações.

Diante disso, o comandante do Núcleo da PM pediu que a vítima procurasse a Polícia Civil, pois não poderia realizar a prisão sozinho.

O 2º sargento Kaime afirma ter ligado também para o soldado Reinaldo, que estava de folga, e que este também teria tentado ligar para o soldado Evaristo, mas também não foi atendido.

Por volta de 11h10, os soldados Evaristo e Lucas Alves retornaram ao quartel e o 2º sargento Kaime afirma ter chamado Evaristo para questionar o motivo de ele não ter atendido nenhuma ligação.

Na versão do 2º sargento, o soldado Evaristo teria ficado nervoso e não soube explicar porque havia saído sem informar para onde iria com a viatura.

Questionado sobre as determinações recentes da obrigação de atender o celular funcional de imediato e de informar quando a equipe policial saísse para atender a alguma ocorrência, o soldado Evaristo, segundo o 2º sargento Kaime, teria ficado muito exaltado.

O comandante direto afirma nunca ter visto o soldado com este comportamento e que ele sempre aparentou ser uma pessoa calma. Ainda assim, Kaime disse que Evaristo teria dito:

“Você está achando que é o que mesmo para eu ter que ficar informando você de deslocamento de viatura?” e “Desde que você chegou aqui estou de olho em você”, tudo gritando.

O sargento afirma que a cena foi presenciada pelo pedreiro Jean Joaquim Arantes (contratado por Kaime para reformar o quartel), que estaria entrando na sala e saído ao observar o ocorrido.

O 2º sargento teria advertido o soldado dizendo para ele abaixar o tom de voz, pois ele estava falando com um sargento, que eles não são pares nas fileiras e que ele o respeitasse como comandante. Porém, Kaime afirma que Evaristo teria continuado gritando e retrucando.

Com isso, o soldado teria sido avisado que receberia voz de prisão se não cessasse o comportamento. Ele teria continuado e recebido a voz de prisão. Nesse momento, na versão do 2º sargento, Evaristo teria dito que iria gravar o comandante, que ligou para o capitão Juliano Schmitz Estevão Rebelo e foi orientado a desarmar o soldado.

Kaime ainda afirmou que o soldado Evaristo teria sido advertido por ele no começo da semana, por, supostamente, falar mal dele para o superior imediato do 2º sargento. E que a ordem para o atendimento do telefone funcional ocorreu após reclamações recebidas pela Prefeitura de Alto Boa Vista, e que também foi especificado que os policiais deveriam informar quando fossem com a viatura para lugares em que não tivesse sinal telefônico.

O 2ª sargento disse não saber falar em detalhes se o soldado teria o ameaçado fisicamente, ou pegado em sua arma, mas que teria tentado levantar da cadeira, muito nervoso e sempre gritando.

Ele ainda afirmou que o soldado costumava sair sem informar o destino, que não tomou atitude sobre supostas insubordinações de Evaristo antes porque estava tentando contornar a situação, por serem apenas oito militares na cidade, e que acredita que os soldados da unidade estão com resistência a seu comando, porque por muito tempo foram comandados por outros soldados.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Versão do soldado Evaristo

O soldado Josean Evaristo da Silva relatou que nessa sexta-feira (14), por volta das 11 horas, estava de serviço, na função de comandante de viatura, acompanhado do soldado Lucas Alves, que estava como motorista, quando o colega pediu para retornar ao quartel, para que ele ligasse para a mãe.

Quando os dois chegaram, o 2º sargento Kaime teria ido até a porta e o chamado, dizendo que queria conversar com ele. O soldado afirma ter entrado na sala e sentado na cadeira. Durante a conversa, o soldado Lucas Alves teria entrado na sala, mas o 2º sargento teria pedido que ele se retirasse.

O sargento, então, teria falado ao soldado Evaristo que havia ligado diversas vezes aos dois soldados, que eles não haviam atendido, que isso não ficaria assim e que ele iria dar parte de Evaristo, pois havia uma determinação para que o celular funcional fosse atendido no máximo no quarto toque.

Evaristo, então, teria mostrado o celular para Kaime, onde não havia nenhuma ligação do 2º sargento. Porém, Kaime ligou novamente ao celular funcional e, dessa vez, tocou.

Segundo o soldado, diante disso, o 2º sargento teria passado a acusá-lo de estar tramando contra ele, de ter falado mal dele na cidade, que o soldado era quieto, mas não prestava, gritando as acusações, e teria dito que isso não ficaria assim, dando a voz de prisão contra ele em seguida.

Evaristo teve sua arma recolhida, assim como carregadores, munições e algemas. Ainda conforme o soldado, os dois permaneceram sentados e o 2º sargento teria afirmado que o soldado não o respeitava. Em seguida, Kaime teria levantado e ido em direção a Evaristo, que afirmou também ter se levantado instintivamente, o que o 2º sargento teria entendido como enfrentamento.

O soldado voltou a sentar-se e o 2º sargento ligou para o capitão Rebêlo. Evaristo, então, iniciou uma gravação com seu celular e questionou o motivo de estar sendo preso. Com isso, ele acabou gravando a ligação do sargento com o capitão.

Conforme o soldado, o 2º sargento o mandou aguardar em outra sala e, depois de 15 minutos, teria retornado o proibindo de usar o celular, ou fazer qualquer ligação. Evaristo também afirma que, pouco depois, Kaime teria tentado recolher seu celular e carteira, mas não o fez.

O soldado Evaristo nega ter desobedecido o 2º sargento Kaime e afirma ter acatado todas as suas ordens.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Versão das testemunhas

Pedreiros

Uma das testemunhas ouvidas sobre o caso foi o pedreiro Edenilson Santos Ramos, contratado para a reforma do Núcleo da PM em Alto Boa Vista. Ele afirmou ter visto um homem procurar por atendimento às 10 horas, ficado cerca de 30 minutos no prédio, aguardado mais um pouco e ido embora.

Depois, por volta de 11 horas, ele afirmou ter visto a viatura da polícia chegar e os policiais entrarem no prédio. Ele disse não ter ouvido nenhuma discussão entre os policiais, pois estava do lado de fora e, de lá, não dava para ouvir.

Outra testemunha foi o pedreiro Jean Joaquim Arantes, que afirmou ter chegado ao prédio por volta das 11 horas para falar com o 2ª sargento Kaime sobre materiais para a obra.

Ao entrar na sala do 2ª sargento, porém, Jean afirmou ter visto o soldado Evaristo gritando com o sargento, que ouviu o soldado dizendo: “Quem você pensa que é?” e “Eu estou te observando desde que você chegou aqui”, e que o sargento teria respondido: “Como que é soldado?”, e dado voz de prisão.

O pedreiro afirmou que, ao ver a exaltação, se afastou e depois viu Kaime conduzindo Evaristo aos fundos.

Soldado Lucas Alves

O soldado Lucas Rogelo Alves estava de serviço nessa sexta-feira (14) e estava na viatura, como motorista, com o soldado Evaristo, que estava como comandante da viatura.

Em seu relato, ele afirmou que, por volta de 9h40, os dois soldados saíram em rondas pela cidade. Às 11 horas, ele pediu ao soldado Evaristo se poderiam retornar ao quartel, pois queria pegar sinal de Wi-fi para ligar para a mãe.

Ao chegarem no quartel, o 2º sargento Kaime teria chamado o soldado Evaristo para conversar em sua sala. O soldado Lucas Alves, então, foi para os fundos do prédio e ligou para a mãe, que não atendeu. Ele se dirigiu até a sala do 2º sargento e avisou ao outro soldado que estava pronto para retornar para a ronda.

Neste momento, ele afirma ter sido informado pelo 2º sargento Kaime que este havia tentado ligar diversas vezes para os dois e que o celular só dava desligado. Por isso, o sargento teria afirmado ter atendido uma ocorrência sozinho, em seu carro particular.

O soldado Lucas Alves disse ao 2º sargento que não havia recebido nenhuma ligação, abriu o celular e mostrou a lista de chamadas. O soldado Evaristo fez o mesmo e mostrou não haver nenhuma chamada em seu celular. Assim como mostrou o celular funcional, onde também não havia nenhuma chamada.

Lucas Alves afirmou ter tentado explicar ao 2º sargento que poderia ter acontecido algum problema com a torre telefônica, pois havia uma transição entre duas operadoras. Mas, segundo o soldado, o 2º sargento respondeu que isso não era desculpa, que eles deveriam ter atendido o telefone, que não era culpa de Lucas, pois ele era o motorista e o comandante da viatura seria Evaristo, e pediu que ele se retirasse.

O soldado foi para os fundos do quartel novamente e, pouco depois, afirma ter ouvido o 2º sargento Kaime gritando com o soldado Evaristo, sem entender o que era falado. Ele negou, porém, ter ouvido a voz de Evaristo em algum momento.

Após um tempo, Lucas Alves viu o 2º sargento sair e informar que havia dado voz de prisão ao soldado Evaristo.

Questionado, ele confirmou que ele e Evaristo não haviam perguntado quais eram as determinações de serviço do dia e disse que os dois haviam rodado aleatoriamente pela cidade, informando alguns lugares por onde passaram.

Detenção

O soldado Josean Evaristo da Silva está detido no quartel da 2ª Cia de São Félix do Araguaia, à disposição da Justiça Militar Estadual.

Até a manhã deste domingo (16), ele ainda não passou por audiência de custódia.

O que disse a Polícia Militar?

Em nota, a Polícia Militar de Mato Grosso, por meio da Corregedoria-Geral, informou que tomou conhecimento do ocorrido e que está averiguando a situação.

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