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A PEC 18/2011, um retrocesso a ser evitado

Uma discussão sobre a redução da idade mínima para o trabalho no país

4 minutos de leitura
A PEC 18/2011, um retrocesso a ser evitado
(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Por Carla Reita Faria Leal & Rafael Mondego Figueiredo

Apesar dos avanços alcançados nos âmbitos internacional e interno no tocante à criação de instrumentos de proteção à infância, ainda remanescem, no Brasil e no mundo, mitos que fomentam o trabalho de crianças e adolescentes, associando o labor, equivocadamente, como alternativa à marginalização.

Nesse sentido, depois de mais de vinte anos de sua propositura, volta à discussão, no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição n.º 18, apresentada 2011, que pretende conferir nova redação à Constituição Federal para autorizar o trabalho sob o regime de tempo parcial a partir dos quatorze anos de idade.

Na prática, se aprovada, tal iniciativa reduzirá a idade mínima para o trabalho no país, hoje de 16 anos, para 14 anos, permitindo que pessoas entre 14 e 16 anos ingressem no mercado laboral precocemente em diversas atividades, independentemente da formalização de contratos de aprendizagem, única hipótese em que, atualmente, se admite o labor de adolescentes nessa faixa etária, exigindo a compatibilização da formação profissional do adolescente com a sua frequência e rendimento escolares.

O debate foi retomado em 2021, quando já constante do trâmite legislativo parecer do Deputado João Roma, antigo relator, apresentado em dezembro de 2019, no sentido da inadmissibilidade da proposta, face à sua inconstitucionalidade.

Em novo parecer, acostado ao projeto, o Deputado Paulo Eduardo Martins defende a admissibilidade da PEC, bem como de outras a ela anexadas, também voltadas à redução da idade mínima para o trabalho.

Entretanto, tal entendimento se mostra equivocado.

Da leitura da proposta de emenda, vê-se que esta contraria o princípio da proteção integral, que confere às crianças e adolescentes, na condição de pessoas em desenvolvimento, uma gama de direitos, dentre os quais a saúde, a educação, o lazer e a convivência familiar, a serem guarnecidos por Estado, família e sociedade, na forma do artigo 227 da Constituição Federal.

Afinal, em se permitindo o labor em idade inferior à atualmente prevista, corre-se o risco de transferir ao adolescente a responsabilidade pelo sustento de sua família, sujeitando-lhe a riscos de acidente e retirando-lhe preciosas horas de estudo e lazer, comprometendo o seu desenvolvimento físico e mental, assim como diminuindo as suas chances de se desenvolver plenamente.

Ademais, é evidente que tais alterações são incompatíveis com compromissos assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional, os quais evidenciam o dever de proteção desse grupo vulnerável.

Importante lembrar que o Brasil, na qualidade de sócio fundador da OIT, se submeteu ao cumprimento de sua constituição, que estabelece que os seus membros não podem adotar qualquer norma que contrarie ou diminua direitos estabelecidos nos tratados internacionais que assinou.

Com o tema ora tratado o Brasil ratificou a Convenção 138 da OIT, quando os Estados se comprometeram a progressivamente a elevar da idade mínima para o trabalho pelos Estados Partes, o que significa que o Poder Legislativo brasileiro está impedido de reduzir os limites etários anteriormente fixados.

Tal entendimento, diga-se de passagem, é plenamente compatível com o princípio da vedação ao retrocesso social, previsto no art. 7º, caput, da Constituição de 1988, o qual só permite alterações do texto constitucional que resultem em melhoria da condição social dos trabalhadores, o que, por certo, não ocorre com a redução da idade mínima para o trabalho.

Isso porque essa medida lançaria ao mercado, preponderantemente, adolescentes em situação de pobreza a serem absorvidos por empregos com baixa remuneração, em prejuízo aos direitos à educação e à profissionalização, da feita que, uma vez ampliada a possibilidade de contratação dessas pessoas em diversas atividades, restaria desestimulada a admissão de aprendizes, os quais, como empregados especiais, gozam de proteção específica por parte da legislação.

De toda sorte, apesar das claras inconstitucionalidade e inconvencionalidade da proposta, a discussão, agora, foi retomada, sendo necessário que sociedade e seus órgãos de defesa reajam e se manifestem contra tal alteração.

Ao legislador, clamamos por sensibilidade e responsabilidade. Afinal, trabalhar é preciso, mas somente no momento certo.

*Carla Reita Faria Leal e Rafael Mondego Figueiredo são membros do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.

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