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Zeca Andrade: o pintor cego que encanta ao retratar a natureza do Cerrado

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Zeca Andrade: o pintor cego que encanta ao retratar a natureza do Cerrado

Karina Cabral/O Livre

Zeca Andrade

Zeca Andrade contou sua história com sorriso no rosto

Ele tinha tudo para desistir. Perdeu a visão dos dois olhos, um para uma doença ocular, o outro em um acidente improvável na BR-163. Mas, apoiado pela mãe, José Carlos de Andrade, 42 anos, mais conhecido como Zé Carlos, dedicou-se à arte e passou a encantar visitantes e moradores de Nobres com pinturas de paisagens nas paredes das pousadas.

Zé Carlos nasceu em São José dos Quatro Marcos e foi para Nobres em 2011, buscando dar aos filhos uma criação mais tranquila, longe da cidade. Mas a grande virada da história dele foi há um pouco mais de tempo.

José nasceu com a visão dos dois olhos. Porém, a visão do direito ele a perdeu com a toxoplasmose ocular e passou a ter, nesse olho, apenas um leve vestígio de visão lateral.

Já o esquerdo, perdeu em um acidente bem improvável de acontecer. Em 2005 ele pilotava uma moto na BR-163, entre Rondonópolis e Ouro Branco do Sul, região em que ele trabalhava, quando uma pedra atingiu a viseira do capacete, que quebrou e perfurou seu olho.

Ele perdeu vítreo, substância gelatinosa que preenche cerca de um 1/3 no olho, teve a retina descolada e um trauma no nervo óptico. Tratou esse olho por cerca de 10 anos em Campo Grande (MS), e no início perdeu 100% da visão.

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Zeca Andrade

Atualmente Zé Carlos ainda trata um glaucoma severo em Cuiabá e tem entre 2% e 5% da visão.

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A pintura

Quando começou a pintar, Zé Carlos ainda tinha entre 5% e 10% da visão. A mãe, que também é artista e trabalha com bordados em tecidos, veio passar férias com ele e deu a ideia.

Ele se sentia entediado e procurava algo para ocupar o tempo, visto que antes trabalhava das 4h30 até o final da tarde. Então, aceitou a ideia da mãe e começou a pintar quadros pequenos.

“Quando eu comecei a fazer, as pessoas, parece que por dó, sei lá qual era a intenção, começaram a dizer: ‘nossa, que bonitinho’. Eu pintando coisinhas poucas, usando lupa, lupa de pala, lupa de mão, e fazia aquelas pinturinhas minúsculas, tamanho 20×20, ou até menor do que isso. Aí eu vi: ‘mas por que não faço a grande? Sendo que a pequena é muito mais complexa’”, contou o pintor.

Foi quando ele iniciou os trabalhos nas paredes e adotou o nome artístico Zeca Andrade. O primeiro apoiador foi o empresário Ademar Rodrigues dos Santos, atual presidente do Conselho Regional de Turismo de Nobres. Ele permitiu que Zé Carlos pintasse a parede de sua pousada.

Karina Cabral/O Livre

Obras Zeca Andrade

Obra de Zeca Andrade na agência e pousada Estância da Mata, em Nobres

“Esse trabalho que eu fiz no seu Ademar, que foi o primeiro, eu falei: ‘eu quero que você só me ceda a parede, não vou nem cobrar, porque essa aqui é para demonstrar a minha capacidade; se agradar, a gente prossegue’”, lembrou.

E a primeira arte grande deu mais do que certo; hoje vários locais de Nobres contam com pinturas de Zé Carlos nas paredes. Ele disse que não era um artista, mas se tornou por necessidade.

“Eu acho que por necessidade me tornei um artista. E, se o Senhor permitir, eu quero fazer isso, porque eu tenho dentro de mim que eu vou conseguir fazer alguma coisa que vai ser um diferencial para nós”, disse.

Karina Cabral/O Livre

Obras Zeca Andrade

Obra em outro quarto da Estância da Mata

A família

Zé Carlos mudou para Nobres pela família, que é um exemplo de união e arte. A esposa também é artesã, ele faz as pinturas até onde pode e ela faz a finalização.

Agora, o pintor ganhou uma nova parceira, a filha, que se tornou artista plástica e também começou a pintar paredes. A arte, que a princípio era uma forma de Zé Carlos ocupar a cabeça, virou um auxílio na renda familiar.

Karina Cabral/O Livre

Obra Zeca Andrade

Obra de Zeca com a filha na estância Cyclo das Águas

“Isso é, para mim, uma forma de expressar aos meus filhos e as pessoas que estão à minha volta que a gente não deve cruzar os braços e ficar aí dizendo que a vida é difícil, que a vida é ruim”, disse.

O pintor acredita que o ser humano não conhece 1% de sua capacidade e que se conhecesse o mundo seria melhor.

“Se o homem conhecesse a capacidade que ele tem no seu íntimo, o mundo não seria o que é hoje; pessoas abandonadas, pessoas que não têm uma força interior de vencer um obstáculo, às vezes tão simples, e levando até o ponto de se desanimar por coisa tão frágil, tão banal. Penso assim: ‘a dificuldade veio para que a gente externe aquilo que carregamos dentro da gente, na alma, no ser interior”, afirmou o pintor, que aos 42 anos conta sua história de luta com sorriso no rosto e alegria de viver.

Karina Cabral/O Livre

Obras Zeca Andrade

Obra em um quarto da pousada Estância da Mata

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