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O descolamento do mundo desloucado

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O descolamento do mundo desloucado
A travessia (arte digital) - por: Andréa Ferraz Fernandez

Mundo civilizado e natureza virgem. Essa utopia permeia o pensamento de muita gente, principalmente dos que estão já pensando na aposentadoria. Quem nunca? Nunca imaginou-se desfrutando de longos dourados anos, numa casinha na praia, ou num rancho à beira de um riacho? Isto sim, claro está, com wi-fi, supermercado bem abastecido ao lado e estrada asfaltada até a porta, que em nada molesta aos pássaros cantores ou as flores, brotando pelos caminhos.

Nós estamos na civilização, e a natureza está lá. São os povos da floresta que guardam as matas. Isolados na selva, preservam os costumes ancestrais, andam nus, como antigamente, vivendo apenas da caça, pesca, coleta de frutos silvestres e usando remédios do mato. #sóquenão… Essa visão romantizada não bate mais com a realidade, e a maior parte dos quase 900 mil indígenas brasileiros[1] permanece em situação de pobreza ou extrema pobreza, sem os recursos mínimos de alimentação, saúde, educação e bem-estar.

Para sair das contingências, algumas etnias têm implementado a agricultura indígena em seus territórios. Entre eles os Xavante da região de Alto Boa Vista/MT, da Terra Marãiwatsédé, que colheram 82 toneladas de arroz de sequeiro[2], em uma área de 25 hectares. Nesta safra, a produtividade média foi de 55 sacas de arroz por hectare, totalizando 1.357 sacas e a produção foi distribuída para 1,3 mil moradores, em 14 aldeias. A geração de produtos alimentares com selo de pureza, qualidade, livre de agrotóxico e com denominação de origem, pelos povos indígenas brasileiros, poderia ser a alça de transposição das commodities para a produção dos produtos de alto valor agregado.

Acostumados a encontrar as questões dos povos nativos em países da América do Sul, América Central, mal nos lembramos que a situação dos indígenas também é debatida em outros países bem longe daqui. Outros grupos étnicos – como os Nativo do Alasca, Havaiano Nativo e o Povo Sami, que ocupa os territórios do norte da Europa – estão distribuídos pelos quatro cantos do mundo.

No Canadá, por exemplo, existem três tipos de aborígenes: os Ameríndios, os Inuítes que vivem na parte norte do país, no Alasca, Canadá e Groenlândia, e os Métis, que são descendentes de caçadores franceses e, portanto, de ascendência européia. Desde a sua independência, em 1867, os assuntos relacionados aos indígenas têm sido tratados pelo governo canadense, tanto em relação às leis, quanto ao assistencialismo.

Na Austrália, o tema também está em alta: milhares de pessoas, manifestaram-se a favor de uma emenda à Constituição, pela aprovação de um órgão consultivo representativo dos povos indígenas, no que está sendo intitulado “Reconciliação com os Povos Aborígenes e os ilhéus do Estreito de Torres”. É uma tentativa de reparar prejuízos sofridos por essa parcela de 26 milhões de habitantes, que vem sendo vítima constante de despojamento das terras e discriminação sistematica pelas instituições, organizações e sociedade em geral. Por lá, a população não-indígena encorpou a luta dos aborígenes.

Floresta, agronegócio e cidades, produção intensiva e manutenção das reservas naturais … a conta que não fecha fácil se delonga, no mesmo ritmo que o Brasil demora a assumir seu destino em direção ao desenvolvimento sustentável e suas dimensões econômica, social e ambiental. O que inclui uma transição justa e requer recursos adequados, além de garantir a transferência de tecnologia. E que não exclui as grandes vantagens obtidas, até agora, pelo setor agrícola do país.

Como os demais países, o Brasil deve seguir buscando alternativas e soluções. Nesse toma-lá-dá-cá, a negociação equilibrada pode ser a chave de segurança para que o sistema ganha-ganha emplaque. As partes devem navegar pelo mesmo rio e, como – inevitavelmente – fronteiras de interesses existem, será a inteligência da concórdia quem dará a cartada final.

***Andréa Ferraz Fernandez é jornalista. Tem doutorado na área da Ergonomia da Informação e pós-doutorado em Comunicação Audiovisual, pela Universidade de Málaga, Espanha. É docente da Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, lecionando nos Programa de Pós Graduação em Estudos da Cultura Contemporânea (ECCO), no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder (PPGCOM) e no Curso de graduação de Cinema e Audiovisual.

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