Quase dois meses de pandemia se passaram e Mato Grosso atingiu 900 casos da covid-19 com autoridades públicas comemorando – de certa forma – a baixa incidência da doença no Estado. Mas a realidade na porta das unidades de saúde aponta insistentemente para uma mais que provável sub-notificação.
Nesta segunda-feira (18), a reportagem do LIVRE esteve em duas policlínicas e uma UPA em busca de informação e descobriu que, se você não tem um quadro já agravado da doença, não vai conseguir ser testado a menos que pague.
Na teoria, pessoas com os sintomas causados pelo novo coronavírus em Cuiabá devem procurar tratamento primeiro nas unidades básicas, como Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e “postinhos de saúde”, as Unidades Básica da Família.
“É o caminho da rede do atendimento do SUS. Na ponta, estão as unidades de emergências e urgências, depois, vêm as policlínicas e, por último, os hospitais. É um funil por qual qualquer pessoa que procura o SUS passa”, explica a gerente de Vigilância de Saúde, Flávia Guimarães.
Mas nesse caminho, a reportagem do LIVRE tropeçou em algumas pedras que podem significar a vida ou a morte de um paciente.
Quadro dos sintomas
O erro mais grave dos profissionais que atendem os pacientes que chegam nas unidades básicas está na orientação sobre o quadro dos sintomas.
Na Policlínica do Coxipó, uma enfermeira de plantão informou que o teste para diagnóstico da doença só está sendo considerado após 10 dias de sintomas graves: febre na casa dos 39º, falta de ar intensa e dores.
Em outras palavras, a pessoa com suspeita de infecção só deveria procurar a assistência médica já num quadro agravado, quando as chances de precisar de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são altas.
“Se não estiver com esses sintomas, o médico nem fazer o teste”, disse a profissional.
Uma informação rebatida pela gerente Flávia Guimarães. Segundo ela, a orientação correta é que a assistência médica seja procurada a qualquer momento em que os sintomas relacionados à covid-19 estejam fortes. Não necessariamente após 10 dias.
“O agravamento pode ocorrer em menos tempo. Não dá para estipular dias para o paciente voltar a procurar assistência para saber se está ou não com a doença. Se agravar, é preciso procurar”, Guimarães afirmou.
Só em hospitais
Nas unidades que têm “portas abertas” para o público também há desencontro de informação sobre onde se faz o testes.
Na Policlínica do Planalto, a equipe do LIVRE foi informada que os testes estão sendo realizados exclusivamente nos hospitais. Contudo, a do Coxipó diz que faz coleta de material para a avaliação.
A gerente de Vigilância de Saúde afirma que os testes estão sendo realizado somente ao “final do funil” do sistema de saúde, ou seja, pelos hospitais habilitados a tratar pacientes, como a Santa Casa e o Júlio Müller, ambos em Cuiabá.
E aqueles 10 dias?
Quanto aos 10 dias informado pela enfermeira plantonista, a gerente da Vigilância aponta o motivo da confusão. É que mesmo os pacientes internados – pelo que se viu, os únicos que estão sendo testados – têm que esperar 10 dias após os primeiros sintomas da covid-19.
A justificativa é que a doença não apresenta características que possibilitem sua identificação antes desse período.
“Estamos trabalhando para tentar identificar a doença ainda em situação moderada. Por enquanto, isso não é possível”, pontua.
O resultado é um Laboratório Central de Saúde Pública de Mato Grosso (Lacen-MT) trabalhando aquém de sua capacidade, como já afirmou o secretário de Estado de Saúde, Gilberto Figueiredo.
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Enquanto isso, mato-grossenses que suspeitam estar com a doença têm que recorrer a laboratórios particulares para tirar a dúvida. Uma pesquisa rápida também feita pela reportagem do LIVRE identificou que o preço médio de um exame é de R$ 250, para o teste rápido, e R$ 370, para o resultado que leva de 5 a 7 dias para ficar pronto.
A própria Vigilância de Saúde de Cuiabá fornece números que apontam para isso. Segundo os dados, desde a penúltima semana de março – quando a pandemia teve início em Mato Grosso – só 48 das 274 pessoas diagnosticadas na Capital conseguiram o resultado positivo via Sistema Único de Saúde.
Dessas 48, quatro eram profissionais da saúde e o restante não tinha qualquer vínculo de trabalho com as unidades de atendimento.