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Professores preferem escolas militares: “aqui a gente consegue trabalhar”

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Professores preferem escolas militares: “aqui a gente consegue trabalhar”
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Exemplo de disciplina e bons resultados quando se fala em instituições públicas de ensino, as escolas militares de Mato Grosso têm sido palco de disputas por vagas não apenas entre alunos do ensino fundamental. Profissionais da educação também têm preferido trabalhar nessas unidades e, quase sempre, a oferta é superior às necessidades da instituição.

A diretora da Escola Militar Tiradentes de Cuiabá, major da Polícia Militar Evandra Caroline Taques Senderski afirma que, neste ano, recebeu seis candidatos a professor só para a disciplina de língua portuguesa. O dobro do necessário. Para o setor de apoio às atividades escolares – o que inclui merendeiros, vigias e zeladores – a procura foi ainda maior: nove servidores públicos disputaram duas vagas.

Professora de História, Filosofia e Sociologia na Tiradentes de Cuiabá, Wadia Apaula confirma: “agora mesmo acabei de receber um pedido de uma pessoa, um professor que queria muito vir para cá”, disse, logo no início da conversa com a reportagem do LIVRE. E o motivo, segundo ela, é simples: “aqui a gente consegue trabalhar”.

De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), de fato, os profissionais têm pedido para serem remanejados para as escolas militares. A Pasta sustenta, entretanto, que não existem dados estatísticos para comprovar que essa procura é maior do que para outras unidades de ensino mantidas pelo governo do Estado.

Hoje, Mato Grosso conta com sete escolas militares, sendo seis Tiradentes, que são administradas pela Polícia Militar, e uma do Corpo de Bombeiros. Essas escolas estão localizadas em Cuiabá, Confresa, Juara, Nova Mutum, Sorriso, Lucas do Rio Verde e Alta Floresta. Há ainda a previsão de implantação de mais duas, uma em Barra do Garças e outra em Rondonópolis.

Disciplina e resultado

Há 20 anos trabalhando na Escola Tiradentes de Cuiabá, a professora Wadia Apaula afirma que já lecionou em escolas públicas “civis” e que a própria postura dos alunos das unidades de ensino militar – e até a dos pais deles – é diferente. “O aluno tem que fazer. Se não tem retorno, a gente chama o pai, chama a mãe e eles têm que vir. A parceria funciona melhor, da escola com a família. Quando o pai coloca o filho aqui, ele já sabe disso”, afirma.

Sobre como as coisas funcionam, Wadia explica que militares e professores fazem um trabalho em conjunto e sem interferências nas questões que não lhe dizem respeito. Enquanto a parte pedagógica – o que vai ser ensinado aos alunos – é definido pelos profissionais da educação, a organização do espaço e oferta de condições de trabalho fica a cargo dos militares.

E é, justamente, esse “apoio” à atividade de ensinar o aluno que Wadia diz que não sentia quando não estava em uma escola militar. “Aqui a gente tem essa retaguarda. A gente cobra e vê o resultado. Nem sempre a direção, a coordenação [de outras escolas] consegue fazer com que essas famílias venham e o professor não consegue trabalhar sozinho”, avalia.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), Valdeir Pereira concorda com o que Wadia diz, mas, segundo ele, apenas em partes. O sindicalista atribui essa falta de apoio citada pela professora ao que chama de “precarização” do ensino público no Estado.

“Ano passado, por exemplo, tivemos uma orientação de dentro da própria Seduc de que, na falta de professores, devido ao processo eleitoral, o coordenador, o diretor ou quem estivesse na escola deveria entrar em sala de aula. Então, tivemos praticamente quatro meses em que quem deu aula e teve que segurar duas ou três turmas era o coordenador. Qual o suporte que o professor vai ter, se quem deveria dar o suporte imediato está têm outras atribuições?”, questiona.

Na época a qual Valdeir se refere, uma ação do Ministério Público impediu o governo do Estado de contratar novos professores – que substituiriam profissionais licenciados por motivos diversos – sob o argumento de que essas contratações temporárias seriam vedadas dentro do período eleitoral.

Alunos de escolas militares são, entre os da rede pública de ensino, os que conseguem as maiores pontuações em diversos exames de avaliação em todo o país (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Um mundo perfeito?

Valdir vê a preferência dos profissionais da educação, principalmente os professores, às escolas militares como um motivo para preocupação. A avaliação dele é que essas unidades de ensino “idealizam” um mundo perfeito, tendo em vista que o “ingresso nelas passa pela seleção e exclusão de boa parte dos alunos”.

“O professor que entende que a função dele é só a transmissão do conhecimento e que ele não tem nenhum compromisso com as situações adversas ao cenário perfeito, é claro que vai querer trabalhar numa escola militar. Até eu, que sou bobo, de repetente, gostaria de trabalhar com alunos que não tivessem nenhum problema”, critica.

A major Evandra afirma que, de fato, há seleção e que isso ocorre não apenas entre os alunos. Conforme ela, todo início de ano a escola recebe uma lista dos professores que estão interessados em trabalhar nela e das pontuações que eles receberam em uma avaliação feita meses antes – em outubro – pela Secretaria de Educação com todos os profissionais do Estado. O processo se repete ano a ano.

“É tudo por pontuação, os cursos que ele fez, especialização, mestrado, doutorado”, ela diz, completando que os que têm as melhores notas são os selecionados, já que a procura por uma vaga para dar aula costuma ser maior que a necessidade das turmas. E o mesmo vale para os demais profissionais.

No caso dos alunos, a major da PM diz que, no ano passado, foram pouco mais de 1,1 mil candidatos para 200 vagas no 7º ano do ensino fundamental. A série é o portão de entrada na Escola Tiradentes de Cuiabá e mais de 90% dos que passam por ele só deixam a instituição quando concluem o ensino médio, conforme Evandra.

Para conseguir isso, eles precisam se submeter a uma prova com 10 questões de língua portuguesa e 10 de matemática. O exame seleciona os 200 com pontuação mais alta, os aprovados.

Disciplina militar

Wadia afirma que quem quer trabalhar ou estudar em uma Escola Tiradentes precisa entender que existem regras, uma hierarquia e situações que precisam ser respeitadas. “O professor chega em sala e o aluno sabe como receber. Nas outras escolas a gente não tem isso”, exemplifica, garantindo, contudo, que trata-se de uma escola como outra qualquer e que há liberdade pedagógica aos educadores.

Para Valdeir, o fato de haver policiais dentro da escola não é a razão pela qual há mais disciplina nas unidades de ensino militares. “Se isso fizesse diferença, as bases militares nos bairros com altos índices de criminalidade deveriam zerar esses índices. Se só o fato de ter uma presença militar significasse segurança, nós teríamos uma sociedade perfeita”, avalia.

Para o presidente do Sintep, o que separa as escolas militares das demais escolas estaduais é a seleção dos alunos. Segundo ele, além de ali estarem apenas os melhores, há um interesse em comum pelo aprendizado e isso reduz os conflitos.

“Nós temos essa realidade: o pai que não vê a hora de ter aula porque isso alivia o orçamento da casa dele, já que a criança tem o lanche oferecido na escola”, exemplifica o sindicalista, que completa: “se a política pública for só para os perfeitos, não há a necessidade de ter poder público”.

Segundo a major Evandra, na Escola Tiradentes de Cuiabá, apenas 13 dos mais de 90 servidores públicos são militares. Todos os demais são cedidos pela Secretaria de Estado de Educação.

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