Sem dinheiro para comprar insumos, o Hospital de Câncer de Mato Grosso (HCanMT) estima que fechará mais um setor na próxima semana. Agora, a oncologia adulto e infantil deve parar de receber novos pacientes. Na semana passada, aconteceu com a unidade de hematologia – câncer no sangue.
Conforme a direção do hospital, a interrupção atingirá cerca de 2,2 mil pessoas, das quais 60% são do interior e estão em Cuiabá apenas para o tratamento.
Enquanto os relatórios financeiros da administração hospitalar mostram que a unidade tem em haver com o município R$ 6,8 milhões, a Secretaria de Saúde acusa o hospital de receber por serviços que não executa, além de reconhecer apenas R$ 3,5 milhões em débitos.
Nesta terça-feira (10), foi a vez de dois deputados federais entrarem no debate, já que do total inadimplente, no cálculo de ambas as partes, estão mais de R$ 2 milhões referentes a emendas parlamentares.
O deputado federal Leonardo Albuquerque, conhecido como Dr. Leonardo (SD), disse estar surpreso com as recentes notícias. Ele informou que virá a Cuiabá esta semana para conversar pessoalmente com o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) sobre o caso.
Ao todo, a emenda de Dr. Leonardo era de R$ 1.696.231 e foi destinada ao custeio da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Infantil. Deveria cobrir os custos por pelo menos seis meses.
A estrutura, no entanto, nunca funcionou por falta de dinheiro. E os seis meses era justamente o tempo necessário pelo qual ela deveria funcionar para o hospital conseguir credenciá-la junto ao Ministério da Saúde e, assim, poder contratualizar o serviço.
O deputado federal Neri Geller (PP) também não está satisfeito com a situação. Ele destinou R$ 400 mil para investimento no custeio da unidade e o pagamento de serviços terceirizados.
“Tenho um bom relacionamento com Emanuel, porém, não cabe a ele questionar a aplicação da verba. Ela já vem destinada e a função da prefeitura é transferir o mais rápido possível”, afirma.
O parlamentar declara ainda que, desde que soube do impasse, está tentando agendar uma reunião com Emanuel Pinheiro e que, na manhã dessa terça-feira, foi informado – via WhatsApp – que o encaminhamento estava esbarrando na falta de prestação de contas dos serviços prestados no HCanMT.
“Mesmo com a resposta, eu vou encaminhar uma equipe para acompanhar o caso de perto e também entrar em contato com o hospital para saber o que está acontecendo”, afirma o deputado.
Ambas as emendas estão na conta do Município desde dezembro do ano passado.
Gestão nega acusações
O diretor-técnico do Hospital do Câncer de Mato Grosso, Diogo Sampaio, assegura que a unidade não tem nenhum problema com a prestação de contas dos serviços. Ele afirma que os serviços devidos foram auditados pela própria Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e por uma comissão especial, também da prefeitura.
Após o trâmite de checagem, foram solicitadas as notas fiscais, no entanto, os pagamentos não foram feitos.
Sampaio diz ainda que após a reportagem do LIVRE, a Prefeitura de Cuiabá entrou em contato com a administração e ofereceu R$ 2 milhões do valor devido. A condição para o recebimento, no entanto, era a direção do hospital não falar mais sobre o caso na imprensa.
“Nós não queremos escândalos e nem nos envolver com questões políticas. Porém, o serviço parou e temos que dar uma satisfação à população e aos nossos pacientes. Ambos exigem a transparência de nós”, declara.
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Serviço não prestado?
No dia seguinte à publicação da primeira reportagem sobre o caso – quinta-feira (5) – o secretário de Saúde, Luiz Antônio Possas de Carvalho, convocou uma entrevista coletiva para falar sobre o assunto.
Na ocasião, ele reconheceu apenas R$ 3,5 milhões da dívida, ou seja, quase a metade do que é reclamado pelo hospital.
Acrescentou ainda que o hospital não tinha realizado todos os serviços pagos e que estava em débito, por isso não receberiam mais repasses.
Com relação a denúncia, o diretor técnico afirma que o secretário “entende muito pouco sobre a pasta”.
Conforme Sampaio, quando a secretaria era gerida por Huark Correia – que foi preso na Operação Sangria acusado de monopolizar ilegalmente serviços de saúde – houve uma mudança nos critérios de repasses de dinheiro vindo do Ministério da Saúde para os hospitais filantrópicos.
No que o diretor-técnico chama de “inovação”, a Prefeitura de Cuiabá passou a exigir que os hospitais pagassem com serviços 20% do total das verbas federais repassadas, o que foi chamado de “contraserviço”.
“Nós tínhamos que assumir os 20%, com relação ao pagamento de profissionais e insumos, para receber o total. Como todos estávamos precisando, ninguém questionou”, lembra.
Além da exigência não estar prevista em qualquer portaria ou norma, alega o diretor, a Prefeitura ainda determinou que quem especificaria quantos procedimentos correspondem a 20% do repasse seria o próprio município.
“Acabamos aceitando, porém, os pacientes só seriam contados se encaminhados pela Central de Regulação do Município. Não podia ser a do Estado”, relata.
De acordo com Sampaio, a Central de Regulação não conseguiu mandar a quantidade determinada de pacientes e vários ofícios foram encaminhados solicitando a demanda, porém não houve resposta.
“Parte dos pacientes já tinham sido encaminhados pelo Estado, feito o tratamento em outro lugar e até mesmo falecido diante do tempo de espera. Nunca nos recusamos a cumprir o combinado”, finaliza o diretor.
O que diz a Prefeitura?
A reportagem do LIVRE entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde de Cuiabá e aguarda um posicionamento sobre o assunto.