Cidades

Começar com equoterapia e se transformar em um esportista paraolímpico. Por que não?

Cavalaria da PM atende 43 crianças com dificuldades de mobilidade ou cognitivas e mostra que nos "volteios" da vida, cavalgar e sonhar "saltam" juntos

7 minutos de leitura
Começar com equoterapia e se transformar em um esportista paraolímpico. Por que não?
(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

Os cavalos Artista e Almaden já estão preparados quando os participantes da equoterapia chegam à unidade da Cavalaria da Polícia Militar, que fica dentro do espaço da Acrimat, no bairro Porto, em Cuiabá. Eles são as estrelas de um show diário, que coleciona histórias de resiliência e superação.

Atualmente, 43 crianças com diagnósticos de problemas de mobilidade ou cognitivos participam do projeto, que é gratuito e multidisciplinar: conta como fisioterapeuta, psicólogos e equitadores, todos militares.

José Matheus, 10 anos, por exemplo, é um dos alunos e está na fase pré-esportiva. Ele consegue ficar sozinho sobre o cavalo e o equitador o acompanha do chão. Foram três anos de trabalho até chegar a este patamar e a primeira vez que ele conseguiu o feito, arrancou aplausos e muita emoção da mãe, que está sempre na plateia, além dos demais integrantes da equipe da PM.

Instrutores não descuidam dos equipamentos de proteção individual (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

O pequeno atleta nasceu com uma alteração cromossômica rara, o que o leva a ter dificuldades cognitivas. A mãe dele, Janaina, explica que o menino tem dificuldades na escola, principalmente com a leitura. Hoje, ele está na fase de construção de sílabas e a expectativa da família dele é que logo consiga ler textos inteiros, pois está mais concentrado, desde que começou a equoterapia.

Antes de participar do projeto, o menino também mostrava algumas fragilidades em relação ao equilíbrio. “Ele jogava futebol com o irmão e, muitas vezes, caia. Agora, eu vejo que não tem mais este problema. Também está mais concentrado nas atividades escolares”, conta a mãe.

Segundo Janaina, os médicos foram claros: o desenvolvimento de José Matheus será proporcional ao que a família conseguir estimulá-lo com atividades.

“Eu abandonei minha carreira profissional para me dedicar a ele. Meu sonho é conseguir dar a ele estudo, educação e uma profissão”, afirma.

“Aqui não há trabalho e, sim, aprendizado”

Os sargentos Nicimeire Campos e Marcondes Campos, fisioterapeuta e psicólogo, respectivamente, se formaram depois que entraram na PM e foram encaminhados para a Cavalaria, após muitas qualificações.

Quando os alunos conseguem montar sozinhos, familiares e técnicos comemoram. (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

Apesar do mesmo sobrenome, eles não são parentes, mas comungam com a opinião de que, desde que começaram a atuar, deixaram de trabalhar e passaram a aprender.

Os militares não medem esforços para melhorar os atendimentos e, muitas vezes, usam as horas de folga para pesquisar, fazer contatos com outras cavalarias e propor novas atividades.

Nilcimeire explica que o processo de terapia tem várias fases, que iniciam com a aproximação do animal, participação nos cuidados (higiene e alimentação) e depois a equitação, a princípio com o equitador montado e depois com ele acompanhando o aluno do chão.

Ela conta emocionada que as evoluções podem parecer pequenas para quem está de fora. No entanto, para quem acompanha a realidade da criança, ganham outra dimensão.

“Temos alunos que não conseguem andar sem auxílio de muletas ou cadeiras e conseguem ficar em pé no estribo. Cada vez que o equitador dá a ordem para ele fazer isso, vemos a alegria dele”, afirma.

Apoio às famílias

As famílias também são assistidas pelo programa na parte psicológica e muitos encaminhamentos são realizados a partir do trabalho. Marcondes explica que, na triagem, são avaliados vários critérios e alguns dos participantes vivem em situação de vulnerabilidade.

“Procuramos saber a vida da criança, das relações com a família, com a escola e ajudar, quando possível. Fizemos entregas de cestas básicas durante a pandemia e costumamos oferecer um lanche antes da atividade. Cada um da equipe contribui com uma coisa. Passamos a fazer depois que uma criança nos disse que não queria montar porque estava com a barriga doendo, por não ter comido naquele dia”, relata.

Silmara Salvaterra procurou na rede privada a equoterapia, mas viu que não poderia pagar (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

Vale ressaltar que os participantes do grupo não podem pagar por este tipo de terapia na rede privada. Silmara Salvaterra de Almeida, 35, até procurou, mas logo percebeu que, vendendo salgados em casa, não conseguiria comprar nem o equipamento de proteção individual, que é oferecido pela Cavalaria da PM.

Ela é mãe de Luís Guilherme de Farias, 9 anos, e conta que acorda 5h da manhã para conseguir trazer o filho até as aulas de equitação. Moradora do CPA, precisa pegar dois ônibus para chegar ao local, mas não reclama, porque acredita que o desenvolvimento do filho compensa qualquer sacrifício.

“Meu filho tem problemas de hiperatividade e não fica parado. É muito nervoso, o que o prejudica na escola. Eu já tentei outras modalidades esportivas, mas ele não parou em nenhuma. Quem indicou a equoterapia foi a psicóloga e procurei muito até que consegui uma vaga aqui. Deu certo”, relata.

O sonho de ser saltador

Como a maior parte dos alunos do projeto, Luis Guilherme tem o sonho de ser saltador. Ele começou a ficar sozinho sobre o cavalo recentemente e, quando está em casa, sempre fala sobre o esporte. Até deixou de lado os vídeos infantis da internet para ver os de hipismo.

Sonho de Luiza Clemente é conquistar uma medalha na modalidade de salto (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

O sonho de chegar a um campeonato é compartilhado com Luiza Clemente Heise, de 10 anos. A mãe dela, Eliane Clemente, 43, fala que todos os dias a menina fala sobre como um dia quer ter uma medalha.

A dedicação dela ao hipismo veio com melhorias no aprendizado. Ela é muito tímida, tem dificuldades de aprendizado e a situação impactou a autoestima da jovem esportista, que era alvo constante de bullying na escola.

Eliane conta que depois que as aulas começaram, a filha saiu de uma nota 2 em matemática para 10. A percepção dela, agora uma amazona, em relação ao grupo também mudou. Ela ficou mais confiante, participativa nas atividades e colocou as provocações para escanteio.

Crianças desenvolvem o amor pelos animais, que são tratados com muito carinho (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre )

Sempre um novo desafio

Recentemente, os técnicos da Cavalaria passaram por um novo curso de qualificação e pretendem incluir na grade de ensino a modalidade de volteio, além de fortalecer o salto. O volteio é uma espécie de ginástica olímpica sobre o cavalo, onde são trabalhados com vigor habilidades como equilíbrio e técnica.

O objetivo agora é conseguir trabalhar com os alunos e prepará-los para competições paraolímpicas e apresentações. E com a determinação do grupo, não há dúvidas que logo vão conseguir.

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