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“Aprosoja joga fora o que diz a ciência”, afirma pesquisador sobre plantio tardio de soja em MT

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“Aprosoja joga fora o que diz a ciência”, afirma pesquisador sobre plantio tardio de soja em MT
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

A Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) sugeriu um novo calendário para o plantio de soja no estado e acendeu a discussão quanto aos perigos que isso pode acarretar à produção agrícola. Atualmente, o plantio é permitido de 16 de setembro até o dia 31 de dezembro de cada ano, conforme normativa do Indea, de 2015. No entanto, o presidente da Aprosoja, Antônio Galvan, baseado em estudos feitos pelo seu consultor técnico Wanderlei Guerra, enviou um comunicado aos associados afirmando que não haverá prejuízo para a oleaginosa caso haja plantio de sementes em fevereiro.

A ideia não foi bem recebida por diversos estudiosos sobre o tema no país. Entre eles está o professor e doutor do Departamento de Fitopatologia da Universidade de Viçosa (MG), Laércio Zambolin. Para ele, a recomendação da Aprosoja vai contra tudo o que é ensinado nos centros de pesquisa e, principalmente, contra as estratégias de controle das doenças, das quais a ferrugem asiática é a que mais preocupa.

“Os produtores que insistem em cultivar soja fora das épocas permitidas estão aumentando o que nós chamamos de ‘ponte verde’. A soja vai continuar produzindo inóculo do patógeno, que no caso da soja a mais importante é a ferrugem. Ele será multiplicado e ganhará resistência aos fungicidas”, alerta.

Hoje a soja pode ser cultivada de 16 de setembro a 31 de dezembro. E entre 15 de junho e 15 de setembro, somando 90 dias, o plantio fica restrito em razão do Vazio Sanitário. A proibição do plantio visa a deter o fungo Phakopsora pachyrhizi, causador da ferrugem asiática.

O doutor Laércio Zambolin é contrário a alteração proposta pela Aprosoja 

O estudioso destaca que, se o interesse da entidade é produzir semente de soja, para o plantio há outras regiões mais indicadas para isso, como o estado de Roraima e o município de Balsas, no Maranhão, regiões mais áridas e propícias ao crescimento da soja – e não ao desenvolvimento da ferrugem.

“A multiplicação da semente para plantio tem que ocorrer em locais que desfavoreçam a doença e não na região central do Brasil, no Cerrado, onde, multiplicando a soja fora da época, o inóculo vai ser multiplicado e vai pelos ares”, disse.

Em entrevistas à imprensa nacional, Galvan chegou a citar que o período endossado para o plantio de soja em Mato Grosso seria fruto de um “complô” entre sementeiros e a indústria de defensivos. Para ele, não existem pesquisas que comprovem que o plantio no mês de fevereiro poderia acarretar alterações como o aparecimento da ferrugem nas lavouras.

[featured_paragraph] Zambolin discorda e afirma que a possibilidade desse novo calendário não deve ser aprovada, tendo como base as pesquisas científicas já existentes. “Eu não acredito que exista isso. O que a Aprosoja quer é legislar em causa própria. Ela quer multiplicar a soja próxima a eles, jogando fora o que a ciência diz. É passar por cima de tudo para obter vantagem. E esse é o maior problema do país: as pessoas não pensam no coletivo, não pensam nas tecnologias. [Isso] é querer rasgar a ciência em face aos acontecimentos econômicos”, disse. [/featured_paragraph]

Trocas de acusações

O LIVRE teve acesso a documentos que mostram discussões acaloradas entre representantes de universidades, entidades ligadas ao agro e pesquisadores que compõem a Comissão de Defesa Sanitária Vegetal (CDSV/MT).

Na primeira reunião da subcomissão de fitopatologia em 2019, entrou em pauta a possibilidade de mudança no calendário de semeadura da soja, conforme a Instrução Normativa Conjunta Sedec/Indea-MT nº 002/2015, que dispõe sobre a “Liberação excepcional para a experimentação do plantio no mês de fevereiro”, solicitada pelo Indea-MT através do ofício de nº 139/2019.

Leia também: Pesquisadores rejeitam tentativa de legalizar soja plantada ilegalmente em Mato Grosso

Na ocasião, oito representantes votaram contra a proposta do Indea-MT, dois a favor e um se absteve. Ocorre que, na mesma data, 7 de fevereiro de 2019, a Instrução Normativa em questão foi “vazada” para a imprensa, o que incomodou alguns pesquisadores e acendeu ainda mais a discussão.

O documento cita que excepcionalmente na safra 2018/2019 o Indea-MT poderá autorizar os plantios experimentais fora do período regimental. No entanto, limita a uma propriedade por produtor por município e no máximo a três propriedades para o mesmo produtor em todo o Estado. O plantio ficaria restrito a 4% da área de plantio, limitando-se a 100 hectares no máximo e as áreas necessariamente passariam por acompanhamento técnico.

Um dia depois da primeira reunião, em 8 de fevereiro, durante reunião da Comissão Plenária Deliberativa da CDSV-MT, uma nova votação foi feita após intensa troca de acusações.

Durante a votação, o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso, César Miranda, afirmou que “não haverá decisão política, e sim fundamentada tecnicamente” e pediu aos especialistas do setor que busquem, através da ciência, diminuir as dúvidas sobre o tema, “pois são os produtores que alavancam a economia do Estado”.

Mas para Galvan, segundo consta na ata da reunião, a “discussão não é do âmbito fitossanitário, mas sim do ponto de vista econômico” e solicitou à Embrapa documentos que comprovem a realização de pesquisas.

Em resposta, o pesquisador-chefe geral da Embrapa Agrossilvipastoril, Austeclinio Lopes de Farias Neto, disse que as afirmações de que a Embrapa não faz pesquisa eram falsas. “As mesmas estão sendo feitas através do consórcio antiferrugem”, disse.

Ele também acusou, segundo a ata, o consultor técnico da Aprosoja, Wanderlei Guerra, de ter utilizado afirmações de outros pesquisadores da Embrapa “fora de contexto” e que, em nenhum momento, a Empresa se mostrou favorável ao desejo da Aprosoja.

Embrapa é “radicalmente” contra alteração, diz Auster – Foto: Embrapa

“A Embrapa é radicalmente contra a solicitação e chega a ser antiética a utilização do nome da Embrapa da forma como foi apresentada por Wanderlei”, disse.

Para Leandro Zancanaro da Fundação Mato Grosso, “foi um erro da Aprosoja estimular os produtores a descumprirem as normativas”. Ele questionou se o plantio teria sido mesmo autorizado, pois “apareceu na mídia”.

O coordenador de Defesa Sanitária Vegetal do Indea-MT, Renan Tomazele, afirmou que o Instituto não autorizou o plantio, mas solicitou em reunião com a Associação que fossem indicadas quais e onde seriam essas áreas, e como seria feito.

Renan também foi questionado pelo coordenador do Comitê de Sementes de Soja da Aprosmat, Jeferson Aroni, se a Instrução Normativa tinha sido escrita e proposta pelo Indea-MT, pois, segundo ele, “ficou caracterizado como se o Instituto tivesse editado a Normativa, cuja redação havia vazado para a imprensa no dia anterior”. Renan alegou que ele não tem competência para autorizar nada que não esteja previsto em lei.

O gestor de pesquisa da Fundação Mato Grosso, Fabiano Siqueri, afirmou estar surpreso, pois, conforme consta na ata, o assunto tomou sentido político, ao invés de técnico. “Existe uma lei que bastava ser cumprida”. Para ele, a Aprosoja, dentro de um contexto, incentivou seus associados a descumprirem a norma e que a soja plantada em fevereiro tem a finalidade da produção de sementes e não de pesquisa.

Siqueri também pediu que conste em ata quem seria responsabilizado em caso de perda dos fungicidas, aumento nos custos de produção e do agravamento dos problemas nos cultivos ocasionados pela ferrugem.

O engenheiro agrônomo Fábio Kagi, representante da Associação Nacional de Defesa Vegetal, reiterou os riscos da eficiência da perda dos fungicidas. Segundo ele, não há previsão de lançamento de novos grupos químicos, e há casos de resistências a outras pragas e que a abertura da janela do plantio poderia agravar tal situação.

Ao final, nove entidades se mostraram contrárias à alteração: SFA-MT, Fundação MT, Indea-MT, Ampa, IFMT, Unemat, Aprosmat, Embrapa e Famato. Apenas quatro entidades disseram ser favoráveis à mudança, Aprosoja, Fundação Rio Verde, Unic e Empaer.

Galvan defende que produtores possam plantar em fevereiro, contrariando normativa do Indea

Convocado pelo MP

No último dia 13 de fevereiro, Galvan foi convocado a comparecer na promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Natural de Cuiabá, no Ministério Público, para prestar esclarecimentos. O chamamento partiu após a ex-presidente do Indea-MT, Daniela Soares Bueno, protocolar uma Notícia de Fato, na qual ela cita que Galvan estaria “incitando o descumprimento de medidas fitossanitárias para prevenção e controle da ferrugem asiática da soja”.

Conforme trecho do documento protocolado por Daniela, “a declaração do presidente da Aprosoja-MT, não é só polêmica, mas também criminosa, pois a não observância do calendário de plantio aumenta os riscos de instalação e propagação da ferrugem asiática, bem assim, amplia as chances de perda acelerada da eficiência dos fungicidas usados para combatê-Ia”.

A Notícia de Fato foi protocolada dois dias após a Aprosoja enviar um comunicado aos associados com as recomendações para o plantio de sementes em fevereiro.

Ao LIVRE, Galvan afirmou que o seu advogado compareceu à promotoria na data e apresentou sua defesa. Na tarde dessa quinta-feira (21), conforme andamento processual, o promotor Joelson de Campos Maciel pediu o arquivamento do caso.

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