Cheguei em definitivo a Sinop em junho de 1983, para “colocar no ar” a Rádio Celeste. Não havia uma única rua asfaltada, a energia elétrica era fornecida por geradores, na maioria obsoletos, e com frequência, além da constante quebra, faltava-lhes óleo diesel e peças de reposição que, regularmente, não havia no almoxarifado da Cemat. Era o sofrimento anunciado a que todos tinham de se acostumar.

Embora seja uma das mais bem planejadas cidades do país, Sinop nasceu da falta de planejamento. A principal cidade esperança de sucesso da Colonizadora Sinop era a cidade de Vera. Em 27 julho de 1972, data da inauguração, Enio Pipino e João Carvalho, diretores proprietários da empresa que também era responsável pela colonização dos municípios de Santa Carmem e Cláudia, tiveram seu dia de glória: num pequeno clarão no meio da floresta amazônica eles conseguiram levar importantes autoridades da República, como ministros, senadores, deputados, diretores de estatais, enfim, algo inimaginável para a época.

Foi ali, acredito eu, que se deram conta de que havia algo errado: esqueceram-se os planejadores de que Vera ficava, em linha reta, a 40 quilômetros do traçado da BR-163, ou seja, sem qualquer possibilidade de se transformar em uma futura capital. Aquele que seria o principal cartão de visitas da Colonizadora Sinop nascia fora de lugar e sem qualquer chance de progredir da forma que sonhavam.

Era preciso, urgentemente, encontrar um lugar, à margem da BR-163, para implantar uma cidade que pudesse se transformar no futuro no centro polarizador de todo o desenvolvimento da região.

Nascia então, em 1974, a “Cidade Sinop” (em razão da pressa, esqueceram até de escolher o nome que iria ser dado à nova localidade). Cidade Sinop levava o nome da sigla que dava nome à Colonizadora – Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná – e o tempo cuidou de que o nome forte da empresa desse, também, nome à cidade que hoje orgulha não só Mato Grosso, mas todo o Brasil. Não fosse esse “desplanejamento”, talvez o nome da Colonizadora seria quase totalmente esquecido, constando apenas no rodapés dos livros de história que tratassem da colonização do Norte de Mato grosso e de algumas cidades do Paraná.

Enio Pipino e João Carvalho começaram a empresa de colonização, nos anos 50, na pequena Presidente Wenceslau, no Oeste paulista, no ano de 1958. Fundaram no Paraná as cidades de Ubiratã, Formosa, Terra Rica, Iporã e Jesuítas.

Nos anos 70, adquiram junto à União uma gleba de 645 mil hectares e, a partir daí, mudaram a história de Mato Grosso. Eram os Bandeirantes do Século XX. Como foi, também, o caso de Alta Floresta, colonização de Ariosto da Riva.

Enio e João eram personalidades tão distintas que muitos não compreendiam como conseguiam dar-se tão bem, não só na amizade pessoal, como na vida empresarial. João era o “capitão do mato”, e Enio era o político de grandes amizades, de reis a plebeus que em muito ajudaram o desenvolvimento de Sinop.

Eram tão próximos que nem a morte conseguiu separá-los: João morreu em 15 de junho de 1995 e Enio, por essas coisas que não se explicam, morreu no dia 16 do mesmo ano, logo após o velório e enterro do sócio amigo em Bebedouro, SP. Talvez tenham levado para o pós-morte a amizade inquebrantável que os uniu por tanto tempo.

O principal fator de desenvolvimento de Sinop, além da estratégica posição geográfica à margem da BR-163, foi a implantação da Sinop Agroquímica, uma usina de álcool de mandioca que foi sugerida a Enio Pipino pelo então Padre Antonio, pároco de Vera, fazendo-o entender que o álcool de cana criaria grandes latifúndios, impedindo o desenvolvimento da região; ao contrário, o álcool da mandioca poderia ser produzido na pequena propriedade e serviria como uma reserva de subsistência para os períodos de entressafra. Enio acreditou e construiu em Sinop uma indústria de altíssima tecnologia com equipamentos trazidos da Alemanha que, no Brasil, pouquíssimas usinas tinham em seu parque industrial.

Embora a Sinop Agroquímica tenha sido a responsável por levar tanto progresso a Sinop, infelizmente não gerou o progresso sonhado: transformou-se em um “elefante branco”, encalacrado de dívidas junto a agentes financeiros e, apesar da qualidade do álcool produzido, tanto nas tentativas de batata doce, sorgo e milho, além da mandioca, ao final foi desmontada e vendida aos pedaços como sucata. Lamentável!

Essa são pequenas gotas da história de que participei. Prometo voltar ao assunto.

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*Ricarte de Freitas é advogado, analista político e ex-parlamentar estadual e federal

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