Mato Grosso

Vigilância dos vigias: implantação de câmeras em fardas policiais lida com resistência

Ouvidoria Geral da Sesp diz que denúncias apontam para necessidade de controlar os excessos da força policial nas abordagens diárias

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Vigilância dos vigias: implantação de câmeras em fardas policiais lida com resistência
(Foto: Secom/ divulgação)

As ações policiais geram historicamente episódios polêmicos, com denúncias de excesso de força e, nos casos mais extremados, de tortura e assassinato (com o entendimento de que não há reação das vítimas que justifique atos truculentos). 

Investigar esse tipo crime é uma dificuldade ainda hoje, por falta de material que comprovem as ações excessivas. Nessa situação, a tendência é de o desenrolar da história favorecer o lado oficial dos casos, ou seja, a força policial. 

Há números para ilustração. A Ouvidoria Geral da Polícia em Mato Grosso acumulou, no ano passado, 400 denúncias contra policiais que supostamente exageraram na abordagem cotidiana a pessoas, envolvidas ou não em suspeita de crimes. 

Os atos típicos são agressão física sem motivo, em reação aos indivíduos agressivos abordados nas ações de combate e intrusão sem autorização da Justiça, baseada somente na força policial. As ocorrências desse tipo, na estimativa de 400, estão longe da realidade. 

“A gente verifica na periferia, com as pessoas mais pobres, que prevalece a escolha de não denunciar os atos sofridos, eu estou falando especialmente dos atos excessivos, com truculência. E é justamente lá onde a força policial está mais ostensivamente presente”, diz o ouvidor-geral Lúcio Andrade. 

Por outro lado, existem também os casos em que as vítimas são os policiais e a reação faz parte da sobrevivência deles, apesar de estarem no lado com número mais baixos nas estatísticas de Mato Grosso. 

(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Estratégia para projeto-piloto 

O recurso do governo para equilibrar a situação é o mecanismo que vem sendo adotado em outros Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina: usar uma câmera acoplada à farda dos policiais.  

Tanto os policiais quanto os cidadãos teriam registro mais perto da realidade do que realmente acontece durante a abordagem da força de segurança. 

As câmeras gravam imagem e áudio e funcionam durante o tempo de plantão dos policiais. É um mecanismo que depende de alguns milhões de reais para adaptar as fardas e, principalmente, para manter um banco de arquivos, que necessitaria de espaço gigantesco nas nuvens virtuais. 

Contudo, o ouvidor Lúcio Andrade diz que o esforço vale a pena. A estratégia que vem sendo pensada pela Sesp é implantar um projeto-piloto nas forças especiais e batalhões com maior número de denúncias de truculência. 

“As denúncias apontam que as forças especiais [como Bope e Rotam] são as unidades com maior reclamação de atitude mais enérgica. Também na Polícia Militar de vigia no centro das cidades. É possível fazer esse mapa e começar a implantar as bodycam por essas unidades, para sabermos como funciona na prática”, comenta. 

Ele diz que os números das ocorrências de violência com origem na abordagem das policiais chegaram a cair a zero em Estados que estão há mais de ano com a utilização do recurso.  

A Ouvidoria Geral vai reunir representantes de Santa Catarina e São Paulo no começo de julho para debater as experiências no seminário Segurança Pública e Tecnologias de Monitoramento, em Cuiabá. Além do aparato tecnológico necessário para a implantação, a intenção é tirar as dúvidas sobre o recurso. 

A avaliação da Ouvidoria é que existem mais perguntas do que suspeitas sobre o auxílio das câmeras acopladas no aprimoramento da segurança pública. 

“As câmeras são para vigiar o trabalho dos policiais, elas também como um mecanismo defesa dele próprio, quando a situação exige uma atuação mais incisiva. Mas também não dá para negar que existem os excessos, e sem motivo”, afirma. 

Posições contrárias 

Esta semana, o juiz da 11ª Vara Criminal de Cuiabá, também responsável pela Vara Militar, Marcos Faleiros, criticou o projeto de lei em andamento na Assembleia Legislativa que torna obrigatória a utilização das bodycam.  

Segundo ele, não faz sentido apoiar a instalação das câmeras, se a medida não foi acompanhada avanço nas leis, já em vigor, que tratam da prática de crimes que poderiam se flagrados pelo recurso. 

“Defender câmeras em fardas de forma isolada, sem apoiar as políticas de combate à tortura, cumprimento dos tratados internacionais no que se refere às investigações de tortura, instalação de câmeras em logradouros públicos, etc.”, afirma. 

Em post em rede social, o magistrado disse enxergar efeito perverso na defesa única das câmeras. Ao invés de ajudar no combate às atuações excessivas de policiais, as gravações podem ser álibi para os indivíduos já com má conduta. 

“Além de gasto inócuo de dinheiro público, pode vir a servir de álibi para maus policiais. Não vejo tanta mobilização assim na prevenção à tortura ao largo dos anos e, do nada, surgiu essa questão de câmeras”, comenta. 

Trâmite na Assembleia Legislativa

O projeto de lei do deputado Wilson Santos (PSD) está parado há 11 meses na Comissão de Segurança Pública Comunitária. O grupo é presidente deputado Elizeu Nascimento (PL), ex-policial militar e contra a implantação da medida. 

Wilson Santos diz que as câmeras podem evitar “atitudes covardes” de policiais, dando o exemplo da morte por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos em uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no interior de Sergipe, no fim do mês passado. 

Elizeu Nascimento fez dois textos substitutivos ao projeto de lei original e segura o andamento na Assembleia Legislativa. Ele diz que há assuntos “mais importantes” para serem debatidos, como investimento em armamento e equipamento de proteção ao policial. 

“Então, pela segurança dos policiais que hoje trabalhamos contrários ao projeto de lei”, afirma. 

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