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Vida de delegada: conheça a mulher que não dá mole para o crime em VG

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Vida de delegada: conheça a mulher que não dá mole para o crime em VG
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Pessoas comuns reclamam das adversidades. Heróis fazem das adversidades o combustível para sobreviver.

Para quem não conhece a rotina de delegacia de uma das cidades mais violentas do Brasil, a preparação para um dia de operação policial começa muitos dias antes. Mas o dia anterior é certamente o mais apertado. Ainda mais para Jannira Laranjeira, 40 anos, que vive duas funções: ela é delegada da Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Várzea Grande e também é mãe.

Nós acompanhamos um pouco dessa rotina – e testemunhamos que a vida real não é como nos filmes policiais: tem mais adrenalina!

Encontramos nossa personagem no dia anterior ao de uma operação, Jannira sai da delegacia, vai para a academia, busca a filha de dois anos, chega em casa, arruma todas as coisas da filha para o outro dia, arruma-se e, quando vê, já é meia-noite.

No dia seguinte, acorda às 4 horas, afinal, às 4h30 já está saindo de casa e, às 5h30, saindo da delegacia para comandar uma equipe composta somente por homens.

Ela já é delegada há quatro anos, tendo passado por quatro delegacias (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Em dia de operação ela chega a trabalhar mais de 12 horas direto. Nessa terça-feira (06), por exemplo, Jannira, junto à equipe, cumpriu quatro mandados de buscas e prisão. Dois dos presos eram responsáveis por um roubo em uma empresa no Bairro Vila Arthur, em novembro do ano passado. As prisões foram fruto de uma intensa investigação.

Cuiabana, Jannira é delegada há quatro anos. Entrou para a Polícia Civil no concurso de 2009. Quando tomou posse, em janeiro de 2014, foi para a Delegacia Regional de Confresa. Em 2015, retornou para Cuiabá, para a Delegacia Especializada de Roubos e Furtos da Capital, cidade em que também trabalhou na Delegacia da Mulher, por quatro meses. Atualmente, está lotada na Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Várzea Grande, onde está atuando com cerca de 300 casos.

Apaixonada pela área de criminal, ela se formou em Direito em 2001. Em 2005, pediu exoneração do seu então cargo, de fiscal do Procon, para advogar. Foi como advogada que trabalhou até ser nomeada delegada.

A paixão pela área foi decisiva na hora de escolher o que faria para o resto da vida, mas o fato de conviver com policiais na família também influenciou. Aliás, a família – pais, irmãos e esposo – sempre apoiaram a escolha.

Ela acredita que o trabalho de uma mulher em um cargo popularmente conhecido como masculino tem poucas diferenças, talvez apenas um pouco mais de sensibilidade, como exemplo, no trato de casos que envolvem crianças.

“Mas existem, sim, colegas policiais que também têm essa preocupação de preservar o direito da criança que está ali envolvida naquela situação de prisão, ou de crime, que seus pais, ou outros familiares, praticam”, disse.

Ela contou que esses casos a tocam e que sempre, nos mandados de prisão em que se depara com crianças, busca preservá-las da situação, retirando-as do ambiente e buscando chamar a família, ou o Conselho Tutelar, quando não há outra opção.

Mas, com crianças, ou não, ela vê a preparação para uma operação como um momento de tensão. Afinal, apesar de sempre esperar que tudo dê certo, nunca é possível prever o que irá acontecer em um cumprimento de mandado, por exemplo.

“A gente sempre tem que acordar muito cedo; muitas vezes, dependendo do alvo, a gente não consegue nem dormir, até por ansiedade. Ficamos pensando nas possibilidades e se programando para cada reação. Então é levantar cedo, estar na delegacia e passar tranquilidade para o grupo, pois nós trabalhamos juntos, somos uma equipe. A partir daí, nós distribuímos os envelopes e nos direcionamos para os nossos alvos”, contou.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Ela acompanha cada mandado de busca. E, antes de o “dia D” chegar, há todo um processo de levantamento de dados do suspeito, como o grau de periculosidade – pela segurança dos policiais -, o local em que o crime foi cometido, a forma de chegar à residência dele e quais os possíveis obstáculos.

A preparação leva vários dias, até porque é necessário saber cada detalhe do alvo e de seu dia a dia. Já no local, a busca é não somente ao suspeito, mas também por objetos roubados, furtados ou receptados.

Dentro da investigação tudo é analisado. Um exemplo é a atividade financeira que o acusado pratica, seu modo de vida e suas redes sociais, visto que se a atividade for incompatível com o estilo de vida – o chamado “bandido ostentação” – isso já chama a atenção dos investigadores.

O local em que o crime foi cometido, segundo a delegada, é um dos pontos mais importantes. Uma imagem, uma testemunha, algum objeto deixado no local, as características descritas pela vítima, o tipo de arma utilizado, a forma de arrombamento, em casos de furto, são características que dão início a um processo de investigação. Em casos de arrombamento, por exemplo, é um indício procurar membros de grupos criminosos com as habilidades requeridas na ação.

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A delegacia em que Jannira está atualmente, a de roubos e furtos, combate desde grupos de crime organizado, até pequenos furtos, sendo portanto uma delegacia com grande movimentação. Ela fez questão de frisar a importância de que qualquer crime seja denunciado, ainda que considerado “pequeno”, e com riqueza de detalhes, dando preferência para as delegacias especializadas, sempre que possível.

“É muito importante que a vítima registre o boletim de ocorrência, que ela noticie o fato de alguma forma e que, durante o momento em que está denunciando, ou descrevendo os fatos, ela enriqueça essas informações, fale as características dos suspeitos. E também é importante que procure uma delegacia especializada. Se foi no final de semana, faz um boletim de ocorrência no local de plantão, mas depois procure uma delegacia de roubos e furtos o mais rápido possível, para que a gente comece a investigação”, aconselhou.

Ela afirmou que o trabalho do delegado também depende muito de as vítimas irem à delegacia, mesmo durante a investigação, formalizar o reconhecimento do suspeito, por exemplo, visto que a prisão só é pedida depois do reconhecimento fotográfico. “A maioria dos suspeitos tem antecedentes criminais e estão aí no banco de dados da Polícia Judiciária Civil”.

Depois da prisão, o delegado precisa encontrar o elo entre a ação criminosa e o suspeito e obter a certeza da vítima, sobre em que parte do crime o acusado estava envolvido. Nesse momento, até a roupa que ele estava vestido é observada e, se encontrada no local da prisão, é levada para a delegacia como prova.

“No relatório policial, a conclusão do inquérito, que nós temos toda a amarração, toda sustentação jurídica e de fato de como aconteceu o crime, qual é a participação de cada investigado e porque eu estou indiciando esse suspeito. O indiciamento é um papel exclusivo do delegado de polícia. Quando dizemos: ‘Esse tem passagens policiais’, é porque ele já foi indiciado”, disse Jannira.

Profissão e postura

O delegado, além de se preparar psicologicamente e estudar muito para chegar ao cargo, precisa também cuidar do preparo físico. Afinal, são necessárias força e resistência para aguentar o dia a dia, principalmente dentro de uma operação.

Mas, para Jannira, há uma característica ainda mais importante: atitude. Ela acredita que um delegado precisa saber como se comportar, que postura adotar em um momento de risco, de tomada de decisão, em que se está em uma situação de fuga, por exemplo, ou de enfrentamento da família durante uma busca, uma prisão.

“É uma profissão para pessoas que têm coragem de tomar decisões, porque as decisões têm que ser tomadas imediatamente, no momento em que acontece – você sequer tem tempo de pensar. Você tem que saber dos seus direitos e dos seus deveres e saber preservar também os direitos e deveres daquela pessoa que você está abordando”, afirmou.

Ela contou que não tem presenciado preconceito com o fato de ser uma mulher no comando, por parte dos acusados. Mas que, quando chega em uma nova delegacia, ainda percebe certa resistência dos colegas.

“É possível detectar esse sentimento de ‘será que vai ser capaz?’, ‘será que vai conduzir a delegacia da forma como é necessária? Com a firmeza necessária?’, até porque estamos em uma delegacia, em que a gente está vivendo e convivendo com a violência no dia a dia”, disse.

Mas, o que mais a entristece, é a falta de estrutura física das delegacias para a servidora mulher. Para ela, a polícia ainda é voltada para o policial do sexo masculino.

“Até a estrutura física de uma delegacia é voltada para o policial do sexo masculino. Então esse olhar para as mulheres é necessário. Na nossa delegacia, nós somos comandados por uma mulher, a dra. Elaine Fernandes. É uma delegada de pulso firme e que também tem esse olhar voltado para as mulheres policiais, de forma que a gente une forças sempre buscando melhorias, tanto físicas, quanto no ambiente de trabalho para nós”, disse.

Jannira diz que até mesmo na atual delegacia em que está, comandada por uma mulher, quando chegou tinha apenas o banheiro masculino e só agora possui banheiros específicos e separados para homens e mulheres.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Quanto à famosa reclamação de que a polícia muitas vezes acaba “enxugando gelo”, na questão de prender e pouco depois verem os criminosos soltos e voltando a praticar crimes, Jannira foi enfática em dizer que é um assunto amplamente discutido na delegacia, mas que eles têm certeza de que estão fazendo seu papel e a prova é o número de investigações desencadeadas – atualmente a delegada está com cerca de 300 casos. Sua convicção é de que seu trabalho está sendo feito.

“Essa sensação de enxugar gelo não pode nos desanimar, não pode nos deixar acreditar que nada está sendo feito e que a culpa é nossa. Nós temos que fazer o nosso papel no combate a esses grupos criminosos e a esses usuários, porque a maioria dos pequenos furtos e pequenos roubos que acontecem em via pública são em decorrência do consumo de drogas. A nossa atenção também tem sido muito em atender as denúncias anônimas para desbaratinar os locais de receptação, porque eles também justificam o índice alto de roubo e furto”, afirmou a delegada.

Pessoas comuns fazem de tudo para sobreviver; heróis – e heroínas – dedicam a vida para salvar. Nisso está a sua beleza.

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